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Recolher obrigatório faz sentido em África?

Daniel Pelz | ac
23 de abril de 2020

Fome, violência, desespero: diz-se que o recolher obrigatório e outras medidas reduzem o número de casos de corona em África, mas muitas pessoas já sofrem as consequências. Especialmente as mais pobres.

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Polizei in aller Welt setzt Coronavirus-Sperren durch
Foto: Reuters/M. Hutchings

O caso do Quénia é sintomático: Quando o Governo ordenou um recolher obrigatório às pressas, no final de março, devido ao aumento do número de infetados pelo coronavírus, o país deparou-se imediatamente com uma onda de violência policial. As forças de segurança passaram a atacar todos que encontravam na rua, espancando mulheres e idosos indefesos. As imagens espalharam-se rapidamente através das redes sociais. "Não estamos em guerra", comentou o maior jornal diário "Daily Nation".

O Quénia não é o único país africano afetado pela violência em tempos de corona: de acordo com a Amnistia Internacional, a polícia da Zâmbia espancou pessoas que se encontravam ilegalmente em bares. No Zimbabué, funcionários abusaram de centenas de comerciantes por estarem a vender ilegalmente legumes no mercado. Também na África do Sul, a polícia tem sido dura com quem não adere às medidas de confinamento em tempos de estado de emergência.

Milhões sem dinheiro para comprar comida

"Violência desnecessária e sem sentido", diz Alex Broadbent. O professor de filosofia da Universidade de Joanesburgo, que é também especializado em doenças contagiosas, não acredita que os governos no continente africanos estejam a estabelecer corretamente as prioridades durante esta crise. "Em África, o recolher obrigatório não faz sentido, pois trata-se de uma medida suscetível de destruir toda a atividade económica", afirma Broadbent em entrevista à DW.

Mosambik Nampula Straßenverkäufer für Obst und Gemüse
Vendedores ambulantes em Nampula: "O comércio informal não pode parar", dizem observadoresFoto: DW/J. Beck

As medidas de confinamento afetam principalmente os milhões de trabalhadores independentes, cerca de 85% da força de trabalho em África: artesãos, vendedores ambulantes, trabalhadores que ganham "ao dia". Não é apenas o recolher obrigatório que está a causar problemas. Muitas fronteiras estão fechadas, impossibilitando a passagem de mercadorias. Com algumas exceções, lojas e mercados devem permanecer fechados. Cada vez mais pessoas perdem os seus rendimentos. Ao mesmo tempo, os preços dos alimentos vão subindo rapidamente.

30 milhões de novos pobres

"Num continente praticamente sem assistência social, muitos desempregados encontram-se numa terrível encruzilhada. Na perspetiva de muitos, as alternativas são as seguintes: morrer de COVID-19 ou de fome? Não é, pois, de admirar que muitas pessoas ignorem as medidas que os governos lhes impõem. Eles precisam de ganhar dinheiro de alguma forma", diz a socióloga nigeriana Lynda Chinenye Iroulo, do Instituto GIGA de Estudos Africanos, em Hamburgo, na Alemanha.

A ONU espera que o número de pessoas pobres na África aumente em cerca de 30 milhões. Organizações humanitárias alertam que - apenas na região do Sahel - cerca de 50 milhões de pessoas vão passar fome em breve, como resultado da crise. Na cidade de Lagos, na Nigéria, as consequências já se fazem sentir: Segundo as autoridades, o crime disparou na maior cidade nigeriana, tendo os roubos aumentado também nos bairros considerados mais seguros.

Dez pessoas numa cabana

Há outra razão pela qual os especialistas questionam a eficácia do recolher obrigatório. Nas grandes metrópoles do continente africano, cerca de 60% da população vive em bairros de lata - frequentemente amontoadas em espaço apertados. "Se dez pessoas compartilham uma cabana, com uma casa de banho a dez metros de distância, que ainda têm de compartilhar com outras pessoas, não faz sentido fingir que o recolher obrigatorio funciona", afirma Alex Broadbent.

Kenianischer Modedesigner David Avido
Kibera, bairro de lata na periferia de Nairobi: "as pessoas vivem amontoadas"Foto: Rachel Creed

Em África, o número de casos confirmados é de pouco mais de 22.000. No entanto, é provável que o número de casos não relatados seja alto - muitos países praticamente não têm capacidade de teste. A Nigéria, o país mais populoso da África, com uma população de 200 milhões, acaba de realizar 6.000 testes, de acordo com o Centro Africano de Doenças Infecciosas .

Agora, as capacidades devem ser aumentadas o mais rapidamente possível. África pode tornar-se o próximo epicentro da pandemia. As consequências podem ser dramáticas: as Nações Unidas esperam 300.000 mortes nos próximos meses.

Alexander Broadbent considera que medidas de confinamento podem ser parte da solução. Isso pode ser usado para isolar determinadas regiões ou grupos vulneráveis. "Certas atividades económicas devem, no entanto, ser mantidas vivas", diz. O mais importante seria fazer mais testes, proceder ao isolamento de grupos de risco elevado e ordenar quarentenas rápidas de pessoas infetadas.

Apoio rápido e eficaz

Um instituto de pesquisa no Senegal está atualmente a preparar o lançamento de um teste rápido e simples. No vizinho Gana, uma universidade desenvolveu um desinfetante para as mãos de baixo custo.

Mas uma coisa é importante para milhões de pessoas pobres na África: elas precisam de dinheiro ou ajuda alimentar. Na África do Sul, Nigéria e Quénia, as autoridades de algumas regiões começaram a fornecer pelo menos alimentos aos mais pobres. Mas a ajuda é lenta, muitas pessoas necessitadas ainda não receberam nada. A única esperança que têm no momento é que o continente vença a luta contra a pandemia o mais rápidamente possível.

Sierra Leone Kuba senden 165 Mediziner nach Westafrika
Distribuição de alimentos em plena pandemia: em 2014/2015 a Serra Leoua e outros países foram afetados pelo ÉbolaFoto: Getty Images/AFP/F. Plaucheur