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Resposta internacional à crise em Moçambique é "tímida" diz Paulo Gorjão

Correia da Silva, Guilherme25 de outubro de 2013

As reações estrangeiras à crise entre a RENAMO e a FRELIMO limitam-se a expressar preocupação e a apelar ao entendimento. O especialista Paulo Gorjão diz que a solução depende essencialmente da disposição das partes.

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A crise instalada em Moçambique devido ao ataque do Governo à base militar do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), mobilizou a comunidade internacional a pedir o diálogo. A reação da comunidade internacional parece ser tímida e não vai muito além de expressar preocupação e apelar ao entendimento entre as partes.Para o politólogo português Paulo Gorjão, do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança (IPRIS), nesse sentido, os países cumpriram o seu papel.

Em entrevista à DW África, o especialista defende que, antes de se criar uma mediação, seja nacional, seja internacional, é necessário que haja um acordo entre a RENAMO e a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

DW África: Até agora, a resposta internacional parece tímida. Concorda?

Paulo Gorjão (PG): Parece-me que sim, mas a resposta internacional corresponde à própria evolução da crise instalada em Moçambique. A resposta é tímida, porque não há muitos instrumentos imediatos para se ir muito mais além.

Em relação à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo, a situação é especialmente difícil, porque o secretário executivo é um diplomata moçambicano que obviamente tem laços de proximidade com a FRELIMO e que já fez, no passado, declarações críticas sobre a RENAMO. Portanto, há pouco espaço para qualquer tipo de intervenção da organização.

É necessário que as duas partes estejam dispostas a promover o diálogo. A partir disso, algo poderá ser feito. Tenho dúvidas de que os partidos se entendam sem o apoio de um mediador formal ou informal. Entretanto, ainda não é claro se existe interesse e qual mediador seria utilizado para esse efeito. Obviamente, a situação se está a degradar e, portanto, não pode deixar de ser vista com muita preocupação.

DW África: Tem-se falado precisamente sobre essa questão: de haver um mediador nacional ou internacional. Qual é a sua opinião sobre isso?

PG: O importante é que o mediador, nacional ou internacional, seja genuinamente aceito pelas partes. Obviamente, sobre um mediador internacional recairiam menos suspeições de parcialidade. O importante, de facto, é que o mediador seja genuinamente aceite e que os dois lados do conflito estejam interessados em chegar a um acordo.

E isso, para já, não é seguro. Até porque ainda não começaram as negociações e não é claro quais são as exigências. Por exemplo, qual é a linha vermelha da RENAMO? Não é claro também até que ponto a FRELIMO e o Governo poderão estar disponíveis para encontrar um entendimento.

Acho que as duas partes têm responsabilidades partilhadas na situação a que se chegou. O que me preocupa é que isto resulta da própria fraqueza da RENAMO, que tem obtido cada vez piores resultados eleitorais. A perda de terreno e a incapacidade do maior partido de oposição de renovar sua liderança são motivo de alarde, porque, evidentemente, pessoas desesperadas tomam decisões desesperadas.

DW África: Acha que, se a RENAMO tivesse um outro líder neste momento, seria possível chegar a um acordo?

PG: Especulando, parece-me que parte deste braço de ferro a que se chegou resulta precisamente da fraqueza do líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, um líder que tem vindo a perder força política e votos em uma dinâmica de declínio. Não tenho dúvida nenhuma de que parte da situação é resultado dessa fraqueza. Por outro lado, a FRELIMO nunca teve a grandeza ou a visão de criar espaço político para uma estratégia que permitisse a própria renovação e evolução da RENAMO.

Não acho que estejamos propriamente na iminência de uma guerra civil, à luz da que ocorreu anteriormente. Pode haver, evidentemente, perda de vidas e uma guerrilha prolongada, totalmente desnecessária e inútil e que põe em causa os famosos dividendos da paz. É completamente irracional, ainda por cima numa altura em que Moçambique começava a ter expectativas para se arrancar com um ciclo de grande crescimento económico, alavancado nomeadamente pelos dividendos do gás natural.

DW África: Olhando para a actual situação e para esta crise político-militar, o que a comunidade internacional pode fazer?

PG: Em primeiro lugar, o que se está a fazer é pouco, mas é o possível neste momento, que é expressar preocupação e colocar certa pressão apelando ao entendimento e ao diálogo. Não há muito mais para se fazer. Não há espaço para nenhuma intervenção de manutenção da paz ou coisa semelhante.

Eventualmente, alguns contactos bilaterais, telefónicos ou pessoais, de países importantes para Moçambique, como a África do Sul, os países de língua portuguesa, os Estados Unidos e a União Europeia (UE), podem ser importantes para sensibilizar as partes sobre a necessidade de se encontrar um diálogo. No âmbito dessa preocupação, é necessário ver como é possível criar uma janela de oportunidade que permita tanto à RENAMO, quanto à FRELIMO, ceder sem perder a face.

DW África: A CPLP anunciou que estava disponível para intervir politicamente. Qual é o papel da organização nesse cenário?

PG: O papel da CPLP é muito limitado, nomeadamente em função das limitações que o secretário executivo tem. Penso que os países que compõem a organização, a nível bilateral, tem a obrigação de manifestar a sua preocupação e apelar ao bom senso. Não mais do que isso.

DW África: O diálogo ainda é possível?

PG: Claro, o diálogo é sempre possível até ao último segundo. Não vi ninguém afastar a hipótese de se dialogar. Aliás, sabemos que têm vindo a ocorrer contactos. Portanto, o diálogo está aberto. É preciso agora sistematizá-lo e fazer com que ele tenha resultados.