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CIP condena "despesas ocultas" com dívidas ocultas

Maria João Pinto
15 de janeiro de 2020

Centro de Integridade Pública diz que a defesa do ex-ministro das Finanças Manuel Chang, detido na África do Sul, está a custar milhões aos cofres do Estado moçambicano. E este não é um caso isolado.

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Foto: DW/M. Sampaio

Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), o Governo de Moçambique já gastou mais de 100 milhões de meticais (o equivalente a quase 1,5 milhões de euros) com os advogados sul-africanos que tentam evitar a extradição do antigo ministro das Finanças Manuel Chang para os Estados Unidos.

Chang está detido desde dezembro de 2018 na África do Sul, acusado pela Justiça norte-americana de crimes financeiros no âmbito das dívidas ocultas. E este não é o único processo relacionado com o escândalo a dar despesa aos cofres moçambicanos, diz Borges Nhamire, do CIP, em entrevista à DW África. No entanto, sublinha o investigador, o Governo "não se digna" a revelar quanto gasta com estes processos.

DW África: O CIP diz que o Governo já gastou mais de 100 milhões de meticais com os advogados sul-africanos que contratou para o caso Chang. Que trabalho estão estes advogados a fazer?

Borges Nhamire (BN): Nos termos contratuais, o trabalho era, primeiro, de desafiar a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América. A primeira decisão do ex-ministro da Justiça da África do Sul, Michael Masutha, foi de que Chang seria extraditado para Moçambique, mas o novo ministro [Roland Lamola] interpôs um recurso, diríamos, para que essa extradição fosse anulada e que fosse ele a tomar a decisão. Aí, Moçambique decidiu, como Estado, entrar no caso para desafiar essa mudança do curso do processo. Isso custou 3 milhões de rands, mais de 13 milhões de meticais. Como a decisão foi desfavorável para Moçambique, como o Tribunal Supremo da África do Sul decidiu anular a decisão do antigo ministro e colocar, de novo, o poder de decisão no atual ministro, Moçambique decidiu recorrer e isso custou outros 20 milhões de rands, totalizando mais de 100 milhões de meticais, que é muito dinheiro no contexto moçambicano.

Borges Nhamire, CIP-Forscher
Borges Nhamire, investigador do CIPFoto: DW/S. Lutxeque

DW África: Como é que se justifica esta despesa? É legítimo o Governo gastar dinheiro público num caso como este?

BN: Nós, no CIP, pensamos que não é. Primeiro, não é transparente. O próprio processo de escolha do escritório de advogados que está a defender o caso não foi feita por via de um concurso público. Compreendemos que o tempo era curto, não permitia que se realizasse um concurso, mas isso não foi explicado aos moçambicanos. Os valores gastos também não foram tornados públicos, oficialmente, em nenhuma parte. O Ministério Público vai pagando com dinheiro dos moçambicanos a defesa de uma causa que talvez não interesse aos moçambicanos. Segundo, por tudo aquilo que se viu no julgamento de Jean Boustani nos EUA, o grande interesse do Governo, neste caso, é esconder informação que um eventual julgamento de Manuel Chang nos EUA pode trazer a público. Não é nada racional que o Governo esteja a gastar todo este dinheiro para prevenir a extradição de Manuel Chang se tem cá, em Moçambique, mais de 20 arguidos detidos no mesmo caso. Esse devia ser o esforço do Governo: tentar investigar melhor o caso e recuperar os ativos do Estado que foram usados para corrupção.

DW África: Sendo que Moçambique já gastou este dinheiro e numa altura em que os advogados estão a trabalhar no caso, é realista esta aposta do Governo?

BN: Independentemente do resultado, o dinheiro tem de se pagar pela prestação de serviços e nós achamos que isso é dinheiro perdido. Primeiro, porque, pelo estado atual do processo, parece que o sucesso do Estado moçambicano na extradição de Manuel Chang para Moçambique é muito irrealista. Segundo, o que nós defendemos é que o Governo deve desistir deste processo, porque mais recursos significa mais dinheiro. Para nós, enquanto moçambicanos, enquanto CIP, são gastos completamente desnecessários e injustificados.

CIP condena "despesas ocultas" com dívidas ocultas

DW África: Falava há pouco da falta de transparência neste caso. Há alguma expetativa de uma justificação do Governo?

BN: Pela natureza do nosso Governo, que pauta pela falta de transparência, não acreditamos que venha a dar uma explicação. Em todo este caso das dívidas ocultas, Moçambique vai também fazendo despesas ocultas. Este é só um grupo de advogados que Moçambique está a pagar. Mas, neste momento, Moçambique tem mais de cinco processos pelo mundo relacionados com as dívidas ocultas. Por exemplo, tem o caso que iniciou no Reino Unido contra a Privinvest e Iskandar Safa [franco-libanês proprietário do grupo empresarial] e antigos colaboradores do Credit Suisse. Não se sabe quanto é que Moçambique está a gastar neste processo. Tem o contrato de assessoria especializada que é feito com [as consultoras jurídica e financeira britânicas] White & Case e Lazard Frères no caso das dívidas ocultas e nunca disse quanto é que está a gastar com isso. Tem o processo que está na arbitragem internacional na Suíça, também relacionado com as dívidas ocultas, iniciado pela Privinvest contra a ProIndicus e nunca disse quanto é que está a gastar com isso. Portanto, são muitos processos que Moçambique tem, abriu ou em que foi obrigado a entrar porque foi processado em relação às dívidas ocultas e o Governo nunca se dignou a revelar [as despesas]. É uma questão de prestação de contas. O Presidente da República hoje, na tomada de posse, voltou a repetir que quer que o seu Governo se paute pela prestação de contas, mas não está a acontecer.

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