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Está na hora de uma ação cívica para Cabo Delgado?

Nádia Issufo
28 de março de 2020

ONG defende mobilização da sociedade civil para "encostar o Governo à parede" em relação à resposta aos ataques armados em Cabo Delgado. Mas denuncia casos de intimidação nas suas tentativas nessa direção.

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Cidadãos na rua em Pemba, Cabo Delgado, Moçambique
Foto: picture-alliance/Design Pics

Esta semana, o sociólogo moçambicano Elísio Macamo defendeu em entrevista à DW uma intervenção vigorosa da sociedade moçambicana no caso dos ataques armados em Cabo Delgado, norte de Moçambique, iniciados em finais de 2017.

A ação dos insurgentes está a tornar-se mais pujante e intimidatória para o Estado. Nas redes sociais, imagens dos homens armados causaram choque e indignação aos nacionais – contudo, não mais do que isso.

"A nossa sociedade pode organizar-se através dos partidos da oposição", propôs Macamo. Mas "a RENAMO [Resistência Nacional Moçambicana] está com o 'rabo preso', porque está numa situação idêntica com os seus próprios rebeldes" e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) poderia exigir "contas ao Governo sobre o que está a ser feito", afirmou o sociólogo.

O MDM lamentou, na quarta-feira (25.03), a "incapacidade" das Forças de Defesa e Segurança no combate aos insurgentes, sugerindo ao Governo que pedisse apoio internacional para travar os ataques em Cabo Delgado. A RENAMO insistiu na declaração do estado de emergência local nas "zonas onde estão a decorrer essas atividades maléficas".

Sociedade "mais ativa"

Mas não foi apenas aos partidos políticos que Elísio Macamo "cobrou" medidas, o resto da sociedade é também "convocado" a agir.

Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), concorda. É necessário "uma espécie de 'civic-driven action for Cabo Delgado' [uma ação cívica para Cabo Delgado]", afirma Nuvunga, "uma sociedade civil mais ativa na mobilização de todos os atores relevantes", incluindo as grandes empresas, o Governo aos vários níveis – central, provincial e distrital – e outros atores não-estatais. 

"Porque está claramente fora dos padrões vistos no passado sobre insurgências militares e a atuação de grupos jihadistas", comenta o membro da sociedade civil. Exige-se assim "um diálogo amplo, abrangente e transparente", que "deve ser liderado por esforços da sociedade civil, que têm estado a ser feitos, mas sem o acolhimento por parte do Estado", sublinha.

Casos de intimidação

Nuvunga denuncia que iniciativas mais contundentes de pressão têm sido inviabilizadas por barreiras a vários níveis: "A sociedade civil deve e já tem estado a realizar, com a liderança das organizações na província, particularmente a Igreja Católica, um conjunto de atividades de denúncia pública das atrocidades que têm estado a acontecer em Cabo Delgado", afirma.

Mas quem apresentou este problema "como sendo bastante sério, em particular o bispo Dom Luiz [Fernando Lisboa], foi vítima de ostracização por parte do 'G40', a ala seguidista do partido [no poder] e do Governo, que tem estado a atacar todos os que têm um pensamento diferente."

Incapacidade de resposta do Governo

Contudo, no seio da sociedade civil, nem todos concordam que uma ação mais pungente contra as autoridades, impulsionada pela sociedade civil, seja a solução. Borges Nhamire, do Centro de Integridade pública (CIP), por exemplo, alerta que mudanças estruturais no combate à insurgência seriam o ponto de partida para imobilizar os atacantes.

"A situação de Cabo Delgado não se resolve com pressão ao Governo. Como se pode notar, toda a província de Cabo Delgado tem Forças de Defesa e Segurança [FDS] nas aldeias a protegerem [a população]. E, sempre que há ataques, há muitas mortes nas FDS, pelo que a imprensa reporta", lembra o pesquisador do CIP.

Por isso, Nhamire questiona: "Não há ausência da resposta do Governo, ora, podemos dizer que a resposta do Governo não está à altura da capacidade dos atacantes. Isso é falta de ação contundente do Governo? Penso que não. Penso que é desconhecimento desse tipo de conflito em Cabo Delgado, que é novo em Moçambique".

"Não penso que a solução esteja na sociedade civil, porque estamos a ver que o Governo está a mandar para lá as forças. Penso que é uma questão de [falta] de capacidade do Governo de responder", repisa Nhamire. 

Mas quem é apologista de uma maior pressão sobre o Executivo, como Adriano Nuvunga, defende medidas urgentes: "Em suma, já vamos tarde até diante da magnitude das atrocidades que estão a acontecer em Cabo Delgado, mas por parte do poder público a reação não tem sido muito positiva, tem sido até de ameaça, de intimidação aos esforços da sociedade civil, o que é bastante estranho".