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Refugiados em África com medo do coronavírus

António Cascais
22 de abril de 2020

Em África, milhões de refugiados vivem em espaços apertados, geralmente sem condições higiénicas nem serviços médicos. Em tempos de pandemia, os campos podem tornar-se autênticas "bombas-relógio", afirmam especialistas.

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Uganda Junge Frauen transportieren Kanister mit Wasser auf ihrem Kopf
Foto: Imago Images/photothek//T. Koehler

Mesmo sem coronavírus, as condições de vida em muitos campos de refugiados e bairros pobres de pessoas deslocadas em África já seriam desastrosas: os cuidados de saúde são precários em muitos lugares, os padrões de higiene são baixos e a densidade populacional é alta.

De acordo com a agência de refugiados da ONU, ACNUR, cerca de 18 milhões de pessoas em África são consideradas refugiadas ou pessoas deslocadas internamente. Especialistas alertaram, entretanto, que um surto de Covid-19 dentro de um campo de refugiados poderia ter consequências devastadoras, também para o resto da população.

Grito por ajuda do Uganda

"Como refugiados no Uganda, sofremos muito com a crise do coronavírus", diz Stella Ndapolo, uma jovem de 25 anos, oriunda da República Democrática do Congo (RDC). "Não temos nada para comer e, infelizmente, também não temos poupanças nem reservas. Nosso maior problema agora é a fome".

Stella Ndapolo fugiu para o Uganda com a sua mãe e quatro irmãos. Agora, teme-se que a pandemia do coronavírus atinja os refugiados, o que agravaria ainda mais a sua situação.

O Uganda é o país africano que recebeu mais refugiados em relação à população nos últimos anos - um total de 1 milhão e 200 mil pessoas, segundo a ACNUR. Eles vieram principalmente da RDC, do Ruanda, do Sudão do Sul e da Somália.

Quem chega geralmente recebe abrigo em campos, situados em áreas rurais e geridos pela ONU. No entanto, dezenas de milhares já viraram as costas aos campos de refugiados, para se instalarem em bairros pobres na periferia de Kampala. É o caso da família de Stella Ndapolo, que tenta sobreviver através do comércio de rua na capital ugandense.

Mas o Presidente Yoweri Museveni restringiu severamente o comércio, com medida de combate ao coronavírus. Os nossos pequenos negócios praticamente pararam, diz Stella Ndapolo. "Se ninguém nos ajudar, morreremos de fome ou de COVID-19. Apelamos às organizações internacionais para nos ajudarem."

Uganda Kampala | Stella Nbapolo & Familie
Stella Ndapolo (à direita) e parte da sua família fugiram da RDC para o Uganda.Foto: privat

Organizações humanitárias: Corrida contra o tempo

A doença pode espalhar-se rapidamente nos bairros pobres nas periferias das cidades. No entanto, os perigos nos campos de refugiados são ainda maiores, diz Ramona Lenz, representante da organização humanitária Medico International. Em entrevista à DW, lembra que cerca de 250 mil pessoas procuraram abrigo em Bidi-Bidi, o maior campo de refugiados do Uganda. Centenas de milhares de refugiados vivem também nos campos quenianos de Dadaab e Kakuma.

"São pessoas que vivem juntas nos espaços restritos e que não têm hipótese de respeitar as regras de distanciamento social. Elas não conseguem lavar as mãos e praticamente não têm acesso a cuidados médicos. Grande parte dos refugiados não são alcançados pelas campanhas de informação das organizações de apoio", explica. 

Ramona Lenz | Referentin für Flucht und Migration von Medico International
Ramona Lenz trabalha para a organzação humanitária Medico InternationalFoto: Privat

Atualmente as organizações humanitárias estão a tentar  impedir que o vírus se alastre nos campos de refugiados, porque sabem que, uma vez que chegue lá, as podem serconsequências devastadoras, conclui Ramona Lenz.

"Estamos a correr contra o tempo", diz Patrick Youssef, vice-diretor da África no Comité Internacional da Cruz Vermelha. "Além de fornecer às pessoas os bens mais básicos, agora temos que fazer todo o possível para impedir que a COVID-19 se espalhe entre os refugiados", diz.

O coronavírus tem o potencial de "destruir África" ​​caso se espalhar por todo o continente, como aconteceu na Europa. O vírus pode ser devastador para as pessoas e os sistemas de saúde.

África é ainda mais vulnerável por causa dos muitos conflitos armados, acrescenta Youssef. "No Burkina Faso, mais de 1,5 milhão de pessoas não têm acesso aos serviços de saúde por causa de conflitos armados". E na Somália, 85% da população está sem acesso a serviços básicos de saude, diz Youssef. "É realmente um grande desafio para a África enfrentar uma pandemia", conclui.

Campanhas de informação nos campos de refugidados

"Vivemos todos amontoados. Se o vírus chegar aqui, será um desastre", diz Hamadoun Boukary Barry, morador de um campo de refugiados nos arredores da capital do Mali, Bamako. Aqui vivem sobretudo membros da etnia Fulani, que fugiram da violência praticada por grupos fundamentalistas islâmicos.

"Estou com medo. Há semanas que não consigo durmir. Desde que esse vírus apareceu, ficámos muito preocupados", conta Barry. A Cruz Vermelha internacional está a realizar campanhas de informação sobre o coronavírus na região.

Dürre im Niger
Refugiados malianos num campo administrado pela ONU: condições precárias.Foto: picture-alliance/dpa

O medo instalou-se também no campo de Bakassi, perto de Maiduguri, no nordeste da Nigéria, um dos maiores campos de deslocados internos que fogem da milícia terrorista Boko Haram. Até ao momento não houve aqui nenhum caso de COVID-19, pelo menos oficialmente, mas sabe-se que o número de contaminações está a aumentar na Nigéria. Já foram registados casos de Covid-19 na parte norte do país, onde poucos testes estão disponíveis.

Representantes de organizações humanitárias alertam para o perigo de o vírus atingir os cerca de dois milhões de pessoas deslocadas na região do Lago Chade, o que seria um desastre.

Responsabilidade da comunidade internacional

"É necessário repensar a maneira de acomodar refugiados no futuro", diz Ramona Lenz, da Medico International: "Em vez de serem amontoados em campos, os refugiados deveriam ser alojados de forma mais humana, ou seja mais descentralizada. Isso é importante para proteger todos os refugiados, mas também para proteger todos os outros cidadãos. A comunidade internacional tem que assumir as suas responsabilidades, especialmente nesta crise do coronavírus, conclui Ramona Lenz.

Flüchtlingslager Bakassi in Maiduguri, Nigeria
Campo de refugiados de Bakassi, norte da NigériaFoto: DW/T. Mösch
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