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ConflitosAlemanha

PALOP poderão beneficiar da presidência portuguesa da UE

25 de novembro de 2020

Em entrevista exclusiva à DW em Berlim, o ministro português dos Negócios Estrangeiros falou sobre agenda à frente da União Europeia, em 2021, das relações bilaterais com Moçambique e Angola e do racismo em Portugal.

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Augusto Santos Silva
Foto: DW/J. Carlos

O ministro português dos Negócios estrangeiros, Augusto Santos Silva, esteve em Berlim nesta terça-feira (24.11) a preparar a transição da presidência do Conselho da União Europeia, atualmente ocupada pela Alemanha e que Portugal assume a partir de janeiro próximo.

Na capital alemã, o diplomata reuniu-se com dois de seus homólogos: o alemão Heiko Maas e o esloveno Anže Logar. Em 2021, a Eslovênia sucederá Portugal na presidência da UE.

Santos Silva elogiou a "eficácia" alemã "em condições extremamente difíceis", destacando como "vitória alcançada" a assinatura por todos os estados-membro do acordo para aprovação do próximo orçamento plurianual e do fundo de recuperação económica pós-pandemia, que espera vir a ser ratificado ainda durante a liderança alemã.

Deutschland Berlin | Treffen EU-Außenminister | Maas & Santos Silva
Heiko Maas (à esq.) e Augusto Santos Silva (à dir.)Foto: Reuters/K. Niefeld

O ministro Santos Silva explicou ainda que a presidência portuguesa terá foco na ação, porque Portugal estará encarregado de "implementar as decisões que tomamos em 2020". Neste contexto, o pilar social da União Europeia será reforçado para que a transição ecológica e a transição digital "sejam feitas sem deixar ninguém para trás".

Continuidade na agenda comum UE-África

"Mais uma vez, vamos dar continuidade no que é feito este ano", que termina com uma cimeira em Bruxelas, que irá reunir um número de líderes europeus e africanos em dezembro.

"Cooperação no combate à pandemia [da Covid-19]" bem como temas importantes da agenda comum - como "migração, emprego, empoderamento das mulheres, saídas para os jovens, educação e tecnologia" - estarão na pauta.

"A presidência portuguesa vai pôr em prática essa agenda", garante o ministro que afirma ainda que a entrada em vigor do novo acordo de cooperação entre a União Europeia, a África Subsaariana, as Caraíbas e o Pacífico, em 2021, será levada em conta.

"Portugal está numa posição única de facilitar este diálogo europeu-africano", afirma.

Terrorismo no topo da agenda Portugal-Moçambique

Combate ao terrorismo em Cabo Delgado

Segundo Augusto Santos Silva, os PALOP podem esperar "muitos benefícios" da presidência portuguesa da UE "porque há processos em curso".

"Cabo Verde tem, com a União Europeia, um processo em curso cujo objetivo é, quando isso for possível, a isenção de visto. Angola tem em curso um processo de negociação com a União Europeia para um novo acordo entre Angola e a Europa. Moçambique pediu apoio à União Europeia designadamente para combater o terrorismo no norte, em Cabo Delgado. A União Europeia já disse que iria prestar esse apoio e estamos agora a discutir com Moçambique os contornos de tal acordo," enumera.

O ministro português dos Negócios Estrangeiros disse ainda que o apoio europeu a Moçambique será feito nos moldes definidos pelo país africano, de acordo com a solicitação formal feita à UE e que prevê quatro apoios: "formação e treino das Forças Armadas e de Segurança, apoio logístico, em matéria de saúde pública e humanitária e no desenvolvimento".

"Vamos desenhar a resposta nos termos definidos pelas autoridades moçambicanas", garantiu.

No plano bilateral, Portugal também deverá apoiar Moçambique com formação e treino.

"Está em causa a segurança e o bem-estar de centenas e centenas de milhares de pessoas no norte de Moçambique", afirmou o ministro, acrescentando que "Moçambique está a ser vítima de redes terroristas internacionais que são muito perigosas e constituem uma ameaça direta ao nosso modo de vida".

Augusto Santos Silva realçou a responsabilidade da comunidade internacional para com Moçambique: "Não podemos ignorar que essas redes terroristas internacionais estão a atacar em diferentes pontos de toda a África Oriental".

"Temos que fazer um esforço, todos da comunidade internacional, porque corremos o risco de a África Oriental ser o próximo campo de confrontação", disse.

Bildkombo Flaggen Angola und Portugal
Foto: AP Graphics/DW Fotomontage

Retorno dos ativos e manifestações em Angola

O ministro português dos Negócios Estrangeiros revelou ainda detalhes sobre a cooperação entre as autoridades judiciais de Portugal e de Angola no âmbito da recuperação dos "milhões e milhões de dólares que foram retirados do património do povo angolano a serviço de algumas pessoas".

Neste âmbito, Augusto Santos Silva disse que o apoio português deve ser conduzido "através da cooperação totalmente franca e permanente entre as nossas autoridades judiciais e de investigação policial e as autoridades angolanas".

O ministro português refuta as críticas, feitas pela Transparência Internacional - Associação Cívica (TIAC - Portugal), de que não seria do interesse de Portugal a recuperação dos ativos por Angola.

"Não, não. O interesse fundamental de Portugal é que a lei se cumpra e que a cooperação judicial seja plena", defendeu.

Em relação à tensão crescente registada em Angola, concretizadas nas recentes manifestações, Augusto Santos Silva considera tratar-se do "processo de transição política, que vai no bom sentido" com o Presidente João Lourenço - acrescentando que "estes processos não são fáceis e, às vezes, é preciso gerir o descontentamento social, ter paciência - quer do lado da sociedade civil, quer do lado do Estado".

"Confiamos que, na sua imensa sabedoria e sensatez, o povo angolano e as instituições angolanas saberão conduzir este processo de transição que tão necessário é", afirmou.

O ministro português destacou ainda "o mérito das anteriores administrações em Angola" que foram "capazes de acabar com a guerra civil, integrando todos num único país que pertence a todos, e o papel central que Angola tem como fator de estabilização - país que contribui para soluções e não para agravar o problema" na turbulenta África Central. "Características que o Presidente João Lourenco não só tem consolidado, como tem desenvolvido", rematou.

Portugal Lissabon | Rassismus | Rassistische Sprüche
Frases racistas foram pixadas em fachadas de estabelecimentos de ensino em PortugalFoto: João Carlos/DW

Racismo em Portugal

Um tema interno, mas que tem repercutido internacionalmente: o racismo em Portugal. Além das frases de cunho racista nas fachadas de estabelecimentos de ensino, há um número de casos conhecidos da violência policial e civil contra afrodescendentes.

"Não temos nenhuma pretensão de estar imunes a dois vírus que talvez sejam ainda mais perigosos que o coronavírus: o vírus da xenofobia e o vírus do racismo", disse.

"O que fazemos é não esconder, não ignorar esses factos," afirmou, referindo-se a relatórios internos e internacionais que apontam para "manifestações de preconceito e violência racista designadamente contra afrodescendentes".

Augusto Santos Silva não se refutou a comentar ainda a morte do ucraniano Ihor Homenyuk, alegadamente torturado e espancado numa cela do aeroporto de Lisboa por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF):

"Referiu e bem, o caso tristíssimo da bárbara agressão que culminou na morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa às mãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e, portanto, da polícia portuguesa. Esse caso está a ser conduzido em tribunal, foi feita a acusação e os acusados irão a julgamento".

"A Justiça portuguesa é totalmente independente do Governo, usa os seus standards [padrões] e faz o seu trabalho", garantiu Augusto Santos Silva.

O ministro português dos Negócios Estrangeiros defendeu ainda que "a quase totalidade das forças políticas representadas no Parlamento português e a largíssima maioria da população portuguesa caracterizam-se por não terem esses preconceitos, essas expressões racistas. Mas, basta haver um caso de racismo para isso ser uma preocupação de todos" 

Augusto Santos Silva vê dois caminhos para a solução do racismo e da xenofobia: "a repressão aos casos que configuram crime" e "a educação" por meio do conhecimento das diversas culturas.

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