Justiça em Moçambique: Não basta inaugurar tribunais
O irmão de Abdul Gafur, residente na vila de Morrumbene, província moçambicana de Inhambane, foi atropelado há onze anos, quando estava na padaria. Até hoje, o processo continua em aberto no tribunal. O irmão está à espera de uma indemnização e de apoio financeiro.
"Não foi a padaria que bateu no camião, mas o camião que veio bater na padaria. Porque não lhe pagam indemnizações dos danos? Até hoje, o caso está parado", lamenta, em entrevista à DW.
A morosidade nos processos é crónica em Moçambique. Ainda em meados de outubro, o Provedor de Justiça voltou a chamar a atenção para o problema, durante o informe anual no Parlamento. Isaque Chande queixou-se também de corrupção nas instituições públicas. E acrescentou que "alguns titulares dos órgãos de administração pública, funcionários e agentes de Estado séniores não se dão [sequer] tempo para receber e ouvir os cidadãos que clamam por audiências".
Outro problema em Moçambique é a falta de tribunais ou mesmo de acesso a um advogado. 83% dos advogados no país vivem na capital, segundo dados do Índice de Transformação Bertelsmann (BTI). Por outro lado, a localização dos tribunais não corresponde ao número de habitantes nas províncias. A Zambézia, por exemplo, que tem quase o triplo dos habitantes do Niassa, só tem 14 tribunais, enquanto o Niassa conta com 16, refere o BTI.
Falta tempo e dinheiro
Baltazar Fael, pesquisador no Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), lembra que é preciso tempo e dinheiro para fazer chegar as instituições judiciais mais perto dos cidadãos: "Aproximar as instituições da administração da justiça para junto das populações implica, antes de tudo, ter recursos para colocar os tribunais e procuradoria nestas comunidades. Eu penso que isso vai continuar a ser um problema por vários anos".
O Presidente da República, Filipe Nyusi, inaugurou, na semana passada, a procuradoria e o tribunal distrital de Morrumbene, na província de Inhambane. Ao entregar as "chaves" das duas novas instalações, Nyusi pediu aos magistrados e ao pessoal técnico maior transparência e flexibilidade no tratamento dos processos e "eficiência da ação, contribuindo para o bem servir ao cidadão".
"Com estas instalações, estão criadas as condições para aprimorar o vosso desempenho institucional. Apelamos aos magistrados, oficiais de justiça e demais funcionários da Procuradoria de Inhambane que atendam bem o público", pediu.
Solane Macamo, académico em Inhambane, também afirma que não basta investir nas infraestruturas. É preciso mais, sobretudo acelerar os processsos: "Sempre que vamos aos tribunais encontramos reclamações desde 2015, que a pessoa foi deixar lá o seu processo ou queixas sem solução. A inauguração das infraestruturas é bem-vinda, mas é preciso melhorar o seu funcionamento", sublinha.