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"Alastramento da guerra era expectável", afirma historiador

23 de junho de 2022

Em Cabo Delgado soam alarmes sobre o alastramento dos ataques terroristas para zonas até aqui consideradas seguras. O historiador Yussuf Adam diz que os insurgentes "não estão a fugir", estão a fazer "guerrilha".

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Foto: Alfredo Zuniga/AFP

Nas últimas semanas, houve vários ataques em zonas até há pouco consideradas seguras na província de Cabo Delgado, que recebiam até deslocados de áreas que, até agora, eram constantemente atacadas. 

Os novos ataques provocaram um número ainda indeterminado de mortes e levaram à fuga de 17 mil pessoas. Reacenderam também o debate sobre a eficácia da estratégia do Governo moçambicano na luta contra a insurgência em Cabo Delgado. 

Em entrevista à DW África, o historiador moçambicano Yussuf Adam ajuda a contextualizar a situação no terreno.

DW África: Quais são as consequências imediatas destes ataques para estas zonas consideradas seguras?

Yussuf Adam (YA): De uma forma ou de outra, a consequência é que, na maior parte dos investimentos e projetos de mineração - por exemplo, de grafite ou de outras matérias - os investidores vão ter mais cuidados, poderão mesmo retirar os seus trabalhadores, sobretudo os internacionais, por motivos de segurança. É sabido que os Estados Unidos da América proíbem a deslocação de cidadãos seus para territórios considerados inseguros. O que está a acontecer não é nada que não estivéssemos à espera…

DW África: Portanto, no seu entender, o que está a acontecer era previsível…

YA: Era previsível, porque a guerrilha é isto: é um tipo de guerra em que o inimigo ataca aqui, foge para ali, dá uma volta para acolá… e o Exército moçambicano, a SAMIM e os ruandeses estão a responder como podem, mas nem sempre conseguem reagir à guerrilha, que tem caraterísticas específicas…

Patrulha do Exército em Macomia, Moçambique
As Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) terão que se adaptar à "tática" do inimigo, refere Yussuf AdamFoto: DW

DW África: Acha que os insurgentes mudaram de estratégia?

YA: Há várias teorias sobre o tipo de ataques perpetrados pelos insurgentes, de que atacam todos em grandes grupos... Mas eu acho que se trata de miragens. Eles juntam-se para preparar um ataque e depois tentam dissolver-se no meio da mata, no meio das aldeias, etc… Agora, a sua presença no sul é algo de novo, algo que muita gente achava que não ia acontecer. Eu não faço parte desse grupo: eu sempre pensei que eles iam fazer ataques no sul de Cabo Delgado e até tentar ir para Nampula…

DW África: Acha que a intenção dos insurgentes é chegar a Nampula?

YA: Eles já entraram na província de Nampula. Agora, é preciso saber que os ataques têm uma fase de preparação, de estudo. É preciso traçar objetivos. E é necessário estudar a geografia, o terreno... Isso é extremamente importante para fazer a guerra. E [o que os insurgentes] estão a fazer é a aproveitar tudo o que serve para se esconderem, para se movimentarem… Portanto, o que eles estão a fazer é a alargar a sua área de ataque, para criaram mais problemas ao Exército moçambicano e aos seus aliados.

DW África: E perante este cenário, qual deveria ser a resposta do Governo moçambicano?

YA: Para mim, a resposta certa não é militar. Por isso fiquei satisfeito quando o Governo aprovou o plano de desenvolvimento do norte de Moçambique, que é um plano muito bom. Se esse plano for implementado criará uma base socioeconómica e política extremamente importante para apoiar a luta do Exército moçambicano contra os insurgentes.

Mas não podemos esquecer que os soldados que estão no terreno precisam de meios, abastecimento, água e equipamento militar. Também precisam que os seus salários sejam pagos, e eu não tenho a certeza que tudo isso esteja assegurado neste momento. Mas é esta a guerra que temos, nas condições em que nós estamos…

DW África: Acredita-se que os insurgentes estão a atacar em certas zonas porque estão em fuga e que não há nenhuma estratégia por trás desses ataques. Concorda?

YA: Isso é uma opinião, tão válida como qualquer outra. Mas sabe-se que esta é a tática da guerrilha. Eles atacam hoje aqui, amanhã acolá. Naturalmente que há zonas onde há mais tropas da SAMIM e de outras unidades, mas isso é algo que é normal. Os insurgentes não estão a fugir de um lado para o outro. É essa mesmo a sua tática: eles batem e fogem. Que eu saiba, não há zonas libertadas, nem semi-libertadas. Eles estão em constante movimento. É isso o que significa 'guerra de guerrilha'.

População em fuga no norte de Moçambique