Trisha não se deixou vacinar, porque ouviu dizer que pessoas morreram por causa da vacina contra a Covid-19. "Fiquei assustada. Não quero arriscar a minha vida", disse. Só metade dos membros da sua família estão vacinados, contou à DW a estudante de 19 anos. Uma percentagem que ainda assim está um pouco acima da média no país.
Cerca de 40% dos sul-africanos adultos têm a vacinada completa. O número correspondente em todo o continente é de 15%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu um objetivo de 70% de cobertura para todos os países até junho de 2022. Até agora, apenas as Ilhas Maurícias e as Seicheles atingiram essa meta em África. Torna-se cada vez mais provável que maioria dos países ficará aquém da expetativa.
De 'acordo histórico' a fracasso histórico?
"Temos de combater a complacência", diz Stavros Nicolaou, administrador sénior do Grupo Aspen Pharmacare. A empresa começou a fabricar vacinas anti-COVID na cidade de Gqeberha, na África do Sul, há cerca de um ano.
A relutância em se deixar vacinar ainda é grande em África
A fábrica recebeu financiamento de longo prazo no valor de 600 milhões de euros de várias agências de desenvolvimento, também da Alemanha. Na altura, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, falou de um "acordo histórico". Segundo as suas próprias informações, a Aspen estava capacitada para produzir mais de 200 milhões de doses por ano para a Johnson & Johnson. O número nunca foi atingido.
Mais tarde, a Aspen entrou num acordo de licenciamento com a Johnson & Johnson e adquiriu direitos para fabricar a sua própria vacina anti-COVID, a Aspenovax.
Falta de encomendas
A África do Sul está na vanguarda da pesquisa medicinal
Até agora a empresa não recebeu uma única encomenda. Cresce o risco de ter que encerras as linhas de produção. "Toda a gente apoiou a construção de capacidades locais no continente", disse Nicolaou à DW. "Mas essa vontade política não foi expressa de modo prático em encomendas".
A Aspen contava, em vão, com encomendas de agências de aquisições multinacionais. Cerca de 60% das vacinas anti-COVID utilizadas em África foram fornecidas pela iniciativa COVAX apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No passado, vários países industrializados doaram as suas doses excedentárias à COVAX e às nações mais pobres. Muitas delas à beira da data de expiração.
'Um enorme revés para os planos de África'
Devido à ausência de encomendas, a Aspen delibera a reorientação de duas linhas de produção da vacina para o fabrico de outros produtos. "O continente perderia a sua única capacidade de fabrico de vacinas para a Covid-19", avisa Nicolaou. "Seria um enorme retrocesso para os planos africanos de localizar, e assim reduzir a sua dependência de vacinas importadas".
O Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa deu o exemplo ao receber a vacina em público
Cerca de um por cento das vacinas utilizadas em África são atualmente fabricadas no continente. No início da pandemia, vários líderes africanos afirmaram querer 60% de todas as vacinas produzidas localmente até 2040. O principal organismo de saúde pública africano, os Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), instou todos os compradores de vacinas para a Covid-19 no continente a encomendar à Aspen.
Wolfgang Preiser, um virólogo da Universidade sul-africana de Stellenbosch, diz que o risco de encerramento da produção é uma notícia alarmante. O perito receia que no caso provável de futuras pandemias, as empresas farmacêuticas possam estar mais relutantes em pressionar o aumento dos investimentos. Para Preiser não se trata de desenvolvimento inesperado. Quando a capacidade de produção global foi aumentada a nível mundial, tornou-se evidente que a oferta de vacinas acabaria exceder a procura, disse à DW.
Adaptar a produção
Seis países africanos estão atualmente a estabelecer linhas de produção de vacinas mRNA. Preiser acredita que estas poderiam ser reequipadas para produzir outros tipos de vacinas. "Este setor cresceu enormemente durante a pandemia. Muitas pessoas esperam que, no futuro, tenhamos vacinas mRNA contra uma série de outras doenças, possivelmente também contra o cancro".
A Covid-19 volta a alastrar na África do Sul
A reputação da vacina da Johnson & Johnson pode ser outra razão para a falta de encomendas, diz Preiser. "Teve um começo um pouco difícil", lembra o virólogo. Na semana passada, as autoridades nos Estados Unidos anunciaram limites estritos para quem pode receber a vacina Johnson & Johnson, por causa de preocupações contínuas sobre um efeito secundário raro mas grave que leva a um aumento de coágulos de sangue com possível risco para a vida dos pacientes.
Insistir na vacinação
Não obstante as dificuldades, os CDC têm vindo a recomendar a vacina Johnson & Johnson no continente, que, ao contrário das vacinas mRNA, é mais fácil de armazenar e distribuir, especialmente em zonas rurais.
Preiser sublinha que todas as vacinas aprovadas são seguras e eficazes. O número de novas infeções por COVID-19 na África do Sul estão atualmente a aumentar, impulsionado pelas variantes BA.4 e BA.5 da Ómicron.
Preiser diz que por vezes se sente cansado de discutir com aqueles que recusam a vacina. "Faz-me lembrar há 25 anos atrás, quando tínhamos cenários semelhantes para a Sida".
"Precisamos de melhorar a nossa forma de comunicar com o público para convencer as pessoas a serem vacinadas", diz o virólogo. A taxa de mortalidade excessiva durante a pandemia sugere que 300.000 mortes na África do Sul estão relacionadas com a Covid-19.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Impacto negativo das restrições
Quem chega às ilhas de São Tomé e Príncipe, plantadas no meio do Oceano Atlântico, depara com um ambiente de quase total abstração sobre a existência da Covid-19. A maior parte da população não usa máscara facial. Mas a pandemia do novo coronavírus obrigou a muitas restrições e teve um forte impacto negativo na vida social e económica deste país da África Central.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Normalidade em plena pandemia
Apesar dos vários avisos e informações oficiais recomendarem cuidados preventivos e proteção por causa do coronavírus e de suas variantes, muitos são-tomenses levam a sua vida quotidiana com normalidade, praticamente a ignorar que a Covid-19 constitui um problema de saúde pública. No entanto, há quem reconheça que a doença provocou perturbações no quotidiano da população.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
A vida está mais difícil
Taxista, 40 anos de idade, pai de quatro filhos, Euclides Gonçalves é quem sustenta a família. A vida que já não era está fácil ficou ainda mais difícil desde o início da pandemia de Covid-19. "Sentimos muita pressão com esta pandemia", afirma. "O negócio arrefeceu e é mais complicado ganhar dinheiro", diz o taxista, reconhecendo que "vivemos um momento de crise mundial".
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Subsídio do Estado é irrisório
O subsídio de cerca de 60 euros atribuído apenas uma vez pelo Governo são-tomense foi irrisório face à dimensão dos prejuízos que os taxistas sofrem depois do surto da pandemia. "O santomense nunca acreditou que houve Covid-19 em São Tomé e Príncipe", afirma Euclides, explicando a razão pela qual já não exige aos passageiros o uso de máscaras.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Clientes também têm dificuldades
Fernando Afonso Vila Nova, motoqueiro de 62 anos de idade, também tem limitações para sustentar a família. Ainda com filhos na escola, consegue o sustento com muito sacrifício, já agravado pelo acidente de viação que lhe afetou as pernas e um braço. A crise pandémica agudizou a sua situação e de muitos colegas: "Há pouco movimento porque os clientes também passam por dificuldades".
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Nem barba, nem cabelo e tampouco bigode
A Barbearia Rita é uma das mais antigas da cidade de São Tomé. Edne Sacramento, cabeleireiro há 17 anos e pai de três filhos, testemunha em que medida a Covid-19 prejudicou a sua atividade. "Antes da pandemia, tínhamos muitos clientes", relata. Mas "depois da pandemia, muitos sentiam aquele receio de vir cá ao salão cortar cabelo, apesar de cumprirmos as regras todas".
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Escassez de mercadorias
Maria Helena da Mata, há mais de 30 anos no comércio, diz que é "muito forte" o impacto na sua atividade. O país depende totalmente do exterior: "Houve falta de transporte marítimo, o que provocou escassez de mercadorias". Além disso, a crise afetou a situação das famílias. "As pessoas não têm dinheiro, não têm poder de compra. Isso faz com que o comércio esteja também numa situação caótica".
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Encerramentos e incertezas
Os setores da restauração, viagens e eventos não ficaram ilesos. Elisabete Carvalho avalia a atual conjuntura com algum alívio porque fez investimentos próprios sem recorrer a créditos. Ainda assim, foi obrigada a fechar os serviços e isso acabou por afetar muitas famílias que empregava. "Neste momento, tudo é uma incerteza", refere.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
O peixe de cada dia
Nascido na localidade de Praia Gambôa, arredores de São Tomé, o pescador Cristovão da Trindade confirma que a sua atividade também sofreu com a redução da campanha e limitação à circulação das "palaiês" [vendedeiras de peixe], afetando o rendimento de toda a comunidade. Agora que diminuiu o número de casos de infetados, ele e os demais pescadores tentam recuperar o tempo perdido.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Acostumar-se ao teletrabalho
O jurista Weiko Bastos diz que a pandemia pesou fundamentalmente na redução da receita e dos honorários. Levou à diminuição da quantidade e qualidade de clientes. Isso, aliado ao confinamento, atingiu igualmente o orçamento da sua família, forçada a fazer contenção de gastos. "Não estávamos preparados para o teletrabalho e não tinha Internet em casa. As dificuldades eram maiores", recorda.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Estudar em casa
O professor e escritor, Lúcio Amado é um observador crítico da sociedade são-tomense. Considera que a principal preocupação da população é a sobrevivência, o que faz com que se não dê muita atenção à luta contra a Covid-19. No entanto, reconhece, a pandemia teve reflexos perversos no sistema de ensino. As turmas tinham números elevados de alunos que foram forçados a ficar em casa.
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Dançar conforme a música
Tem um disco novo que devia ter sido lançado em 2020, o que não aconteceu devido à Covid-19. "Tive que suspender todos os trabalhos", explica Kalú Mendes, produtor e um dos músicos de referência de São Tomé e Príncipe. '"Também as grandes editoras começaram a ter problemas financeiros", afirma. No entanto, continua a trabalhar e espera ter o disco no mercado em 2022.
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Resistir à turbulência
Outra referência das artes das ilhas, João Carlos Nezó resiste às intempéries no sul de São Tomé: "Aqui o mercado de arte é muito pequeno", dependente de turistas estrangeiros. Com a pandemia, deixou de vender. Ficou em primeiro lugar num concurso da Aliança Francesa, que lhe dava o passaporte para participar numa residência artística. "Não pude ir porque a pandemia durou dois anos", lamenta.
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Quebra brutal no turismo
Ligada a um empreendimento turístico ecológico no sul de São Tomé, Luísa Carvalho lamenta a quebra de turistas. "Todos os dias há cancelamentos de reservas. Antes da pandemia, tínhamos muita procura", garante a gerente. "De julho até então", adianta, "têm estado a aparecer alguns clientes curiosos", que fogem um pouco à situação, por exemplo, na Europa. Ms prevê: "Isto já não será como era antes".
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Resistência à vacinação
No início, havia resistência da maioria dos são-tomenses em aceitar a vacina contra a Covid-19, devido a rumores sobre a Astrazeneca. No entanto, com a campanha iniciada a 15 de março, aumentou a adesão da população, diz Solange Barros, coordenadora do Programa Nacional de Vacinação. "As vacinas são todas eficazes". Mas, dá conta, a adesão à segunda dose ficou muito aquém do esperado.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
À espera da terceira dose
Daniel Costa reconhece que "a pandemia afetou toda a gente". Para este antigo militar das Forças Armadas, as restrições impostas pelo confinamento e fracos salários agravaram o nível de pobreza da população. Sentiu-se algum alívio com as medidas de apoio do Governo aos mais carenciados. Diz que está pronto para tomar a terceira dose de qualquer vacina e aconselha as pessoas a se vacinarem.
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São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Manter a esperança e o otimismo
Apesar de algum receio, há uma mensagem de esperança entre os são-tomenses. Os nossos entrevistados acreditam que "as coisas poderão melhorar" nos próximos tempos, sobretudo para a atividade turística afetada sobremaneira. Vive-se uma "normalidade aparente", como diz Elisabete Carvalho, mas a expetativa está em 2022, porque, argumenta Weiko Bastos, "a economia não suporta mais confinamentos".
Autoria: João Carlos