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O que vale o direito à saúde em África?

António Cascais
10 de junho de 2021

Existe um direito humano universal a cuidados de saúde adequados, tanto mais importante em tempos de pandemia. Mas para os africanos nos países mais pobres do continente é muito difícil reivindicar este direito básico.

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Foto: Ashley Cooper/Global Warming Images/dpapicture alliance

"A maioria dos países do mundo, incluindo em África, assinaram e ratificaram os tratados relevantes", que estabelecem o direito humano à saúde, disse à DW Agnes Binagwaho, ex-ministra da Saúde do Ruanda e fundadora de uma escola de medicina.

O direito à saúde é abrangido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O mesmo se aplica ao Pacto Social da ONU de 1976, vinculativo para os 171 Estados signatários, incluindo todos os países da África de subsariana.

A ativista Binagwaho salienta que o direito à saúde começa pela igualdade de oportunidade no acesso a cuidados médicos, com uma distribuição equitativa de recursos, tais como medicamentos, vacinas ou camas hospitalares. Trata-se de assegurar cuidados de saúde adequados a todos as pessoas do mundo, disse Binagwaho.

Um estudo recente levado a cabo pelo pelo instituto de investigação Afrobarmeter em Angola, Botswana, Lesoto e Moçambique mostra que a situação nos países onde o acesso à saúde já era problemático agravou-se com a pandemia.

Mais de metade dos angolanos (53%) disseram que achavam "difícil" ou "muito difícil" obter os cuidados de que necessitavam. Um terço (33%) dos angolanos afirma ter tido que pagar subornos para ter acesso aos serviços de saúde pública. Em Moçambique, 17% declararam ter pago subornos.

Angola Bengo Krankenhaus Unterernährung
Muitos angolanos queixam-se de que têm que pagar subornos para obter cuidados médicos (foto ilustrativa)Foto: António Ambrósio/DW

O dever dos governos

Como podem os cidadãos, sobretudo os das regiões mais pobres do mundo, reivindicar este direito?

"A ideia básica do direito humano à saúde é que os Estados - como principais responsáveis pela observação dos direitos humanos - não devem interferir com a saúde das pessoas, [devendo] protegê-las de interferências e tomar medidas para assegurar que tenham condições de vida e de trabalho saudáveis", disse à DW o politólogo Michael Krennerich, da Universidade de Erlangen-Nuremberga.

Mas como reivindicar este direito, por exemplo, em África? Muitos países do continente conferiram a este direito fundamental o estatuto constitucional, diz Krennerich. "Nestes países, existe, pelo menos teoricamente, a possibilidade de uma queixa perante um tribunal constitucional nacional", adianta. Na prática, porém, os tribunais nacionais raramente ouviriam tais queixas.

Nesse caso há ainda a possibilidade de recorrer a um tribunal regional. "Mas também depende sempre um pouco de os respetivos países reconhecerem as decisões dos tribunais regionais. Em África nem sempre é esse o caso", salienta o especialista em direitos humanos. A instância competente no continente é o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, um órgão da União Africana, sediado na Tanzânia.

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O coronavírus levanta novas questões

Poderá dizer-se que Estados como o Burundi, a Eritreia e a Tanzânia, suspeitos de não levarem a sério a pandemia da Covid-19, violam os tratados internacionais de direitos humanos? "É evidente que o direito humano à saúde implica que o Estado tem o dever de proteger os cidadãos. Estados que não conduzem uma política de informação adequada, que minimizam e banalizam uma pandemia, não estão a cumprir o seu dever e podem ser processados", diz Krennerich.

Baseados em conhecimentos científicos, os governos têm o dever de fornecer informações sobre a doença, sobre as vias de infeção e sobre medidas razoáveis e também de fornecer o tratamento médico necessário, equipamentos de proteção e medicamentos, bem como vacinas, se estiverem capacitados.

Agnes Binagwaho discorda. A especialista afirma que não se pode impor normas internacionais aos governos dos Estados soberanos no combate à pandemia. Binagwaho acredita que cabe a cada governo decidir o que fazer: "Se um país diz: 'Temos outras prioridades', está no seu direito, ponto final".

O papel da Organização Mundial de Saúde

A presente pandemia levanta novas questões sobre o direito humano à saúde, nomeadamente quem determina o que são cuidados de saúde adequados? Quem estabelece as medidas que um país deve ou não aplicar para se proteger da Covid-19?

Symbolbild HIV Teenager
A concentração na Covid-19 arrisca relegar para segundo plano o combate a outras doençasFoto: imago/imagebroker

Será que todos os países devem ser obrigados a introduzir o uso obrigatório de máscara, impor o recolher obrigatório e lançar campanhas de vacinação, caso a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomende esses procedimentos?

Uma segunda questão prende-se com as acusações de que o combate a outras doenças igualmente graves está a ser negligenciado por causa da concentração dos recursos na luta contra o coronavírus. "É evidente que, não obstante o empenho contra a Covid-19, ao mesmo tempo devem ser assegurados todos os cuidados padrão", afirma o académico Krennerich, e acrescenta: "Em África temos outras doenças, tais como a malária, SIDA ou tuberculose, que não podem ser negligenciadas, para que as pessoas não morram de outra coisa, porque todos os recursos estão a ser desviados para neutralizar o coronavírus".

Estará a OMS a impor a sua agenda aos países africanos? "A OMS não impôs nada a Estado nenhum, nem sequer tem autoridade para o fazer. A OMS só aconselha o mundo sobre questões médicas", diz Agnes Binagwaho.

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