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Mahsa Amini, a face dos protestos no Irão

Youhanna Najdi | Niloofar Gholami | Omid Deedar | Dialika Neufeld
7 de dezembro de 2022

A morte de Jina Mahsa Amini no Irão provocou a maior onda de protestos no país em décadas. A sua família falou à DW sobre a sua vida, os seus sonhos e a sua morte.

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Foto: Peter Dejong/AP Photo/picture alliance

"Nunca imaginámos o dia em que a nossa mãe adormecesse a chorar na tua cama, enquanto o nosso pai se sentava no canto do quarto a esconder-nos as suas lágrimas, e que eu não seria capaz de me levar a abrir o porta-luvas do meu carro, caso visse o teu hijab... O meu único desejo é abraçar-te mais uma vez ..."

Foi o que Ashkan Amini, irmão de Jina Mahsa Amini, escreveu na Instagram a 11 de Outubro de 2022.

Numa terça-feira no final de outubro, 39 dias após a morte de Jina Mahsa Amini, o seu primo Diako Aili tira um álbum de fotografias encadernado a preto. Senta-se no sofá da sua casa, numa aldeia norueguesa, e começa a folhear as fotografias, presas em folhas transparentes.

E aponta para uma das fotografias. "Aqui", diz, "é ela. Jina".

A fotografia é de uma menina de calças florais com cabelo preto espesso e brilhante, que lhe cai ao pescoço.

Diako Aili retira uma segunda fotografia da folha protetora. Mostra a mesma rapariga a saltar descalça sobre o tapete na sala de estar da casa dos pais, na cidade iraniana de Saqqez. As longas pestanas dão-lhe um ar delicado. A palavra "flor", escritas em brilhantes, reluz na sua t-shirt branca. Jina olha por cima do ombro diretamente para a câmara.

A identidade curda de Jina

Nunca ninguém a chamou pelo seu nome persa de Mahsa, diz Diako Aili. Nem a sua família, nem os seus amigos, nem a própria Jina. Era um nome somente para o passaporte. Muitas vezes, os nomes curdos não são aceites nos documentos oficiais.

Mas Jina Amini vivia em Saqqez, uma cidade curda no oeste do Irão não muito longe da fronteira com o Iraque. Ela falava curdo com a família. Não precisava do nome, Mahsa. Todos a chamavam pelo seu verdadeiro nome: Jina.

Era uma jovem mulher que gostava de cantar, dançar e viajar. Foi presa a 13 de setembro pela polícia da moralidade iraniana e levada para uma esquadra de polícia. Desmaiou lá pouco tempo depois. Morreu após dois dias e meio, em coma, com feridas na cabeça e respirando através de um tubo.

Os seus familiares são reservados quando falam com jornalistas. As chamadas telefónicas são monitorizadas, e a família terá começado a receber ameaças de morte logo após a morte de Jina Amini. Isto pode explicar a sua cautela nas conversas com DW e o semanário alemão Der Spiegel.

Planos e sonhos

A loja de Jina Amini em Saqqez foi fechada com um cadeado de prata quando os jornalistas a visitaram em meados de novembro. Enquanto outras lojas continuam a comercializar bolsas, jóias e telemóveis, a luz na loja de Jina Amini estava apagada.

Numa entrevista telefónica, o pai, um agente de seguros reformado, relatou o sonho da sua filha de gerir uma loja. Ela tinha-se candidatado à universidade e estava à procura de trabalho enquanto esperava para saber se tinha uma vaga. No verão de 2022, meses antes da sua morte, o seu desejo tornou-se realidade. O pai abriu-lhe uma loja, a que ela chamou de "Melhor Boutique".

Iran Mahabad | Anti-Hijab Proteste
Protestos no Irão após a morte de Jina AminiFoto: SalamPix/abaca/picture alliance

De acordo com os familiares de Jina Amini na Noruega, o pai ou o irmão costumavam levá-la à loja pela manhã e iam buscá-la à noite.

A jovem de 22 anos ainda morava com os pais numa casa de dois andares num bairro de classe média de Saqqez. Tinha carta de condução há algum tempo e adorava conduzir. Mas como jovem solteira, conduzir sozinha para o trabalho estava fora de questão.

Hesitação e medo

A tia de Jina, Aliya Aili, viajou da Noruega para Saqqez no verão de 2022. Lembra-se de como Jina lhe disse várias vezes para se cobrir e mostrou como usar o lenço na cabeça. "Eles são muito rigorosos", foi o que a sobrinha lhe disse. Havia um medo constante da polícia e da patrulha da "moralidade", diz a tia.

Aliya Aili, agora com quase 40 anos de idade, deixou o Irão quando tinha apenas 18 anos. Os seus filhos nasceram na Noruega. Se a sua irmã, a mãe de Jina, tivesse vindo com ela, será que Jina ainda estaria viva?

Diako Aili e a mãe dizem que às vezes se sentem culpados por causa de todas as liberdades que consideram garantidas.

Szenen aus den jüngsten Protesten im Iran
Como esta mulher, muitas manifestantes têm retirado o véu da cabeçaFoto: UGC

"A minha irmã mais nova tem exatamente a mesma idade que a Jina", diz Diako Aili. "As duas nasceram a poucas semanas uma da outra, uma numa democracia ocidental e a outra numa ditadura islâmica", continua. "A minha irmã pode dizer o que quiser, vestir o que quiser, e ser quem ela quiser ser".

Mas no Irão, Jina Amini estava sujeita a um conjunto muito diferente de regras. Segundo o Código Penal Islâmico do Irão, tinha de cobrir o seu cabelo e pescoço com um hijab, esconder a sua figura com roupas soltas e garantir que não havia pele visível do pulso ao tornozelo.

Uma rapariga saudável e tranquila

Jina Amini nasceu a 21 de setembro de 1999. Falando ao telefone de Saqqqez, o seu avô Rahman Aili diz que não passou um dia que eles não se tenham visto ou pelo menos falado um com o outro.

Quando Jina era bebé, deu-lhe o apelido "Schne". Traduzido significa "uma brisa suave". Continuou a chamar-lhe "Schne" mesmo depois de Jina Amini crescer, diz ele, acrescentando que ela era uma rapariga calma e serena.

Quando Jina estava na escola primária, os médicos encontraram e trataram um tumor cerebral benigno. Segundo o avô, ela não teve problemas de saúde depois disso. Ele enfatiza este ponto porque os médicos legistas oficiais dizem que a sua neta morreu devido a esta operação anterior e não devido à brutalidade policial. Mas os parentes de Jina insistem que ela era saudável.

O dia da sua morte

A última viagem de Jina foi sobre o seu futuro. A família tinha viajado junta para Úrmia, uma cidade no noroeste do Irão, para a matricular na universidade, onde iria estudar biologia.

Na tarde de 13 de setembro, dia da detenção de Jina Amini, os membros mais jovens da família estavam a explorar a cidade juntos, diz o seu tio Aili. Jina estava com o seu irmão Ashkan e os dois primos. Entre as 18h00 e as 18h30 saíram na estação de comboios Haghani. Lá, Jina foi detida pelos agentes da e duas das suas primas foram presos pela "polícia da moralidade", alegadamente por usarem roupas não-islâmicas. Mas foi apenas Jina que foi detida.

A tia de Jina diz ter ouvido o que aconteceu de uma das primas que escaparam à detenção. Jina resistiu a ser presa, mas foi forçada a entrar no veículo, diz Aliya Aili. A prima seguiu a "polícia da moralidade" até à esquadra, diz ela, e cerca de duas horas após a detenção de Jina, algumas jovens saíram a correr da esquadra a gritar "Mataram-na!"

Depois veio uma ambulância e levou Jina para o Hospital de Kasra. "Estou convencida de que ela foi vítima de violência", diz o avô de Jina.

Quanto ao pai de Jina, ele diz que quer que os responsáveis sejam responsabilizados.

A tia de Jina Aliya, na Noruega, diz que Jina lhe confidenciou mais de uma vez que tencionava deixar o Irão depois de ter completado os seus estudos.

Muitos jovens iranianos sonham em deixar o Irão. Mas o sonho de Jina foi enterrado juntamente com ela. Na sua lápide está escrito: "Querida Jina, não morrerás. O teu nome tornar-se-á um símbolo". 

Artigo atualizado às 15:43 (CET) de 7 de dezembro de 2022.

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