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Insurgência em Cabo Delgado: Os brotos da desumanização

3 de junho de 2020

As matas são agora as novas residências de centenas de deslocados, na sequência dos ataques de insurgentes. Nas vilas-fantasma, para muitos, o esforço de uma vida ficou reduzido a pó. Quem vela pelos deslocados internos?

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Symbolbild < Im Norden Mosambiks sind 50 Zivilisten von Dschihadisten ermordet worden
Foto: AFP/J. Nhamirre

As ações destemidas e arrojadas dos insurgentes em Cabo Delgado fazem as manchetes da imprensa moçambicana e internacional. Tal como desencadeiam debates as estratégias do Governo, ou falta delas, a presença de mercenários estrangeiros e muitas outras coisas. Mas a desumanização crescente das vítimas dos insurgentes não vende tanto. Contudo, ela está lá, se não nas mãos dos insurgentes, está nas matas onde a população procura escapar à morte.

"Estou nas matas de Macomia e vim dar ao distrito de Meluco. Assim, não sei como posso regressar para o distrito de Macomia, porque dizem que os malfeitores já saíram de lá. Então, estou a tentar estabelecer comunicação com a minha família a ver se consigo transporte. Aqui em Meluco há transporte e dizem que em Macomia já ontem passaram carros", relata-nos Momade Buanali, nome fictício.

Nalguns momentos, perde a concentração, denunciando sinais de choque ou perturbação mental. As datas deixaram de lhe ser importantes, não se lembra exatamente do dia em que abandonou o único lugar onde sempre viveu. Mas adivinha que passem já cerca de quatro dias, quatro dias desprovido dos seus bens essenciais, como milhares de outros deslocados internos, contabilizados pelas autoridades.

Como sobrevivem os deslocados internos?

De que vivem Momade e muitos outros? "Desenrasca. Por exemplo, quando chegamos aqui na vila, a população fez uma contribuição de milho ao nível da população. A população leva as folhas de mandioqueira e dão às famílias para pilar e conseguirem ter caril", responde o deslocado.

Vítimas de ataques em Cabo Delgado em fuga pela vida

Abiba Salimo, assim vamos chamá-la, teve melhor sorte que Momade. Em janeiro de 2020, refugiou-se na capital da província, onde ainda não se ouve o cantar das armas. Em Pemba, a jovem de 29 anos conseguiu, graças à família que a acolheu, pôr os seus filhos de novo na escola.

Mas lamenta a perda dos frutos de uma vida: "Fiquei a perder muitas coisas, a minha casa, os meus bens... Estou aqui desalojada, a pedir um lugar para poder viver. Eles entravam à noite e nós éramos obrigados a sair com as nossas crianças e a dormir no mato. Assim, chegámos aqui via Lupite e alguns até vinham a pé".

Vilas fantasma

Os distritos preferenciais dos insurgentes começam a ser lugares fantasma. E as matas outrora fantasma passaram a ser casa de humanos. Tudo às avessas. Abiba Salimo conta que "muitos já saíram [de Quissanga] porque dizem que esses homens até agora estão a circular lá. Desaparecem por um tempo e depois voltam".

Também Momade Buanali diz o mesmo: "A maioria da população está a sair [das vilas alvo dos insurgentes]."

A luta pela sobrevivência já chegou ao ponto de fazer com que as pessoas se roubem umas às outras. É o salve-se quem puder, pois a Lei dos direitos humanos parece ser letra morta em Cabo Delgado. Quem assiste a esta gente?

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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