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Porta-voz do Governo guineense apoia revisão constitucional

Lusa
1 de novembro de 2021

Em entrevista à agência Lusa, Fernando Vaz defendeu a consagração de regime presidencialista na Guiné-Bissau, disse esperar que o Parlamento aprove o OE e acusou os sindicatos da saúde de fazerem greve a pedido do PAIGC.

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Portugal - Fernando Vaz, Lissabon
Fernando VazFoto: João Carlos

O porta-voz do Governo guineense defendeu hoje uma revisão constitucional que consagre um regime presidencial.

"Penso que o regime presidencialista é aquele que serve melhor os interesses dos guineenses e da Guiné-Bissau. Isto porquê? Porque nós somos aprendizes da democracia, somos democratas apenas desde 1994", e hoje "aceitar estar na oposição ou ter um Governo que não tem a mesma cor que o Presidente é sinónimo de conflito", disse, em entrevista à agência Lusa, Fernando Vaz, que subscreve a vontade do atual Presidente, Umaro Sissoco Embaló, de alterar a Constituição. 

A atual Constituição guineense prevê um regime semipresidencial, que concede ao Presidente o poder de chefiar o Conselho de Ministro ou de dissolver o Parlamento, sem ter de justificar a decisão. 

O novo ano legislativo da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau arranca a 04 de novembro com o debate e aprovação de vários projetos de lei e ainda a apresentação, discussão e votação do projeto de lei da revisão da Constituição da República guineense.

O Parlamento da Guiné-Bissau deveria ter iniciado em maio o debate do projeto de revisão constitucional, mas o ponto foi retirado da agenda, após os líderes parlamentares de todas as bancadas terem questionado sobre a pertinência do assunto ser debatido naquele momento e nos moldes em que foi proposto.

Em julho, o presidente em exercício da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e chefe de Estado do Gana, Nana Akufo-Add, anunciou o envio para a Guiné-Bissau de peritos daquela organização para dar assistência à revisão constitucional, defendida por Sissoco Embaló.

"Temos um Presidente eleito por todos, não aceite por todos, mas eleito pela maioria do povo guineense", disse Fernando Vaz.

"Para um regime semipresidencial, como transparece da atual Constituição", é necessária uma "maior maturidade democrática" do que aquela que o povo guineense tem hoje, considerou o porta-voz do Governo, que compara a Guiné-Bissau com outros países vizinhos ou com a própria tradição africana.

"Na própria estrutura social das tribos africanas existe um chefe, não existem dois chefes. Quando existem dois chefes é uma série de problemas", sublinhou Fernando Vaz.

Afrika Das Parlament vom Guinea Bissau
Foto: DW/B. Darame

Aprovação do OE

O porta-voz do Governo da Guiné-Bissau disse ainda esperar que o Parlamento guineense aprove o Orçamento de Estado. 

Em novembro, o Parlamento vai discutir "um instrumento extremamente importante, o Orçamento Geral do Estado" que ainda será entregue na Assembleia, afirmou Fernando Vaz, que integra um Governo que conta com um apoio parlamentar alargado de vários pequenos partidos contra o Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), que tem a presidência da Assembleia Nacional. 

"Eu espero que a opinião da maioria seja vinculativa", já que, "à semelhança do que se passa em Portugal", a "continuidade do Governo depende do chumbo ou não do orçamento", disse.

Recentemente, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, ameaçou dissolver o Parlamento, mas Fernando Vaz considera que isso só se irá verificar se o Orçamento for chumbado.

Questionado pela imprensa sobre a revisão constitucional, uma medida legislativa que tem sido defendida pelos seus apoiantes para dar mais poderes ao chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló voltou a admitir a possibilidade de dissolver o parlamento: "A assembleia tem os dias contados. Dias contados significam que posso dissolver o parlamento hoje, amanhã, no próximo mês ou no próximo ano. A dissolução do parlamento está na minha mão e nem sequer levará um segundo".

No entanto, para Fernando Vaz, o que o "Presidente da República disse é que não existindo maioria irá tomar decisões mais drásticas, dissolver a Assembleia e convocar eleições".

Afrika  Leere Krankenhäuser in Guinea-Bissau
Greve deixou vazios os hospitais em BissauFoto: I. Dansó/DW

Greve na Saúde

O porta-voz do Governo guineense considera também que a greve geral do setor da saúde foi uma decisão política do sindicato, que está ao serviço do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC).

"Esta greve não passa de uma greve política, não há razões de fundo que sustentem esta greve", afirmou Fernando Vaz, que também é ministro do Turismo, em entrevista à Agência Lusa. 

Desde 20 de setembro que o país regista uma greve geral, "por tempo indeterminado", iniciada por médicos e pessoal de apoio, que paralisou os hospitais e centros de saúde na Guiné-Bissau.

Entre outros pontos, o pessoal médico reivindica o pagamento de salários e subsídios em atraso, o seu enquadramento efetivo no chamado Estatuto de Pessoal de Saúde e melhorias nos centros de atendimento aos doentes de covid-19.

"Esta greve é uma greve política" num momento em que o "primeiro partido da oposição deixou de fazer oposição. O próprio líder [Domingos Simões Pereira] prefere estar em Portugal e é o sindicato que faz a oposição na Guiné-Bissau", acusou Fernando Vaz. 

Para o ministro, os sindicatos estão ao serviço do PAIGC, o maior partido da oposição. O "regime de partido único, que vigorou durante a Guiné nos seus primeiros 30 anos", tinha um "braço armado que eram as forças armadas" -- que, entretanto, se tornaram "republicanas" - e "tinha os sindicatos" como um "acessório político do partido único e para onde enviava os seus homens de confiança".

PAIGC National Headquarters
Sede do PAIGC em BissauFoto: DW/B. Darame

"É essa a organização que hoje tem a coragem de abandonar os doentes no meio de uma pandemia", afirmou Fernando Vaz, salientando que o "Governo não deve um mês de salário aos funcionários".

"O sindicato disse-nos que não estavam a fazer greve, mas estavam a fazer um boicote", explicou o ministro, recordando que este Executivo "pagou dois meses de salários em atraso" quando tomou posse.

"Este foi o Governo que mais investiu no setor da saúde" e só "em obras no nosso hospital de referência, que é o hospital Simão Mendes, foi feito um investimento recorde que nunca havia sido feito", referiu, dando vários exemplos: "Hoje, os serviços de saúde dão roupas, colchões, lençóis e refeições aos doentes, "coisa que antes não acontecia", um esforço "feito no meio da pandemia da Covid-19".

A principal central sindical do país "quer um aumento do salário mínimo de 100%. Em que país do mundo é que um sindicato vai negociar um aumento do salário mínimo em 100%? Isto só na Guiné-Bissau", resumiu o ministro, que responsabiliza o PAIGC pelo atraso do país.

"O processo democrático emerge de um regime ditatorial de partido único, em que as pessoas eram fuziladas publicamente", apenas porque "tinham uma opinião diferente", sublinhou.

Com a "abertura democrática", o PAIGC apresentou-se como um partido democrático. "Essa mesma gente passa a ser democrata", ironizou Fernando Vaz. 

A constituição, detalhou o ministro, era um "fato à medida" do então líder do PAIGC e Presidente do país, João 'Nino' Vieira, dando-lhe poderes para presidir ao Conselho de Ministros e a dissolver o Parlamento, sem que tivesse que justificar a decisão. 

"Todos estes ingredientes fizeram e constituíram instabilidade" dos primeiros anos da democracia, com sucessivos golpes militares, acrescentou. 

No entanto, reforçou Fernando Vaz, há "dez anos que a Guiné não tem golpe de Estado". Apesar disso, "uma greve, uma contestação, qualquer oposição que levanta mais a voz é vista como um sinal de insegurança ou de crise", mas hoje, a Guiné-Bissau "vive em paz" e é "se calhar, um dos países mais seguros de África", salientou Fernando Vaz, que minimizou o estigma de um narcoestado ou de um estado falhado.

Isso "está no passado": "houve pessoas acusadas", mas o "Estado da Guiné-Bissau não comercializa droga" e as questões que existiram, como detenção de dirigentes ou a apreensão de muitos quilos de cocaína disseram respeito a "questões particulares" e não às organizações que representam o país, assegurou o porta-voz do Governo.

Präsident von Guinea-Bissau, Umaro Sissoco Embaló
Umaro Sissoco EmbalóFoto: Presidency of Guinea-Bissau

Situação na Guiné-Conacri

O porta-voz do Gvoerno abordou também a situação na Guiné-Conacri, palco de um golpe de Estado que depôs o ex-Presidente Alpha Condé, adversário político do Umaro Sissoco. 

"Não é segredo para ninguém que o nosso Presidente não morre de amores pelo antigo Presidente da Guiné- Conacri, nem ele morria de amores pelo nosso Presidente", admitiu.

Mas o Presidente da Guiné-Bissau, frisou o porta-voz, "sempre soube separar as águas e as suas relações pessoais não têm nada a ver com a relação entre os Estados".

"Sendo republicano, o nosso Presidente defende a alternância do poder pela via das eleições" e irá "exercer a sua esfera de influência para uma saída airosa da Guiné-Conacri", com um "Governo legítimo eleito pelo povo", acrescentou Fernando Vaz. 

O coronel Doumbouya derrubou o antigo Presidente Alpha Condé num golpe de Estado em 05 de setembro e foi depois empossado como Presidente por um período de transição indefinido naquele país da África Ocidental, que faz fronteira com a Guiné-Bissau. 

Em 06 de outubro nomeou como primeiro-ministro de transição Mohamed Béavogui.

UM denuncia estado de terror e ditadura na Guiné-Bissau