Cabo Delgado: Como é que Angola poderá ajudar Moçambique?
20 de fevereiro de 2021Há tempos que se especula sobre uma eventual ajuda militar de Angola a Moçambique no combate ao terrorismo em Cabo Delgado. Recentemente, os presidentes dos dois países dialogaram e o conflito foi um dos temas de agenda, embora detalhes não tenham "transpirado" para fora.
Mas em Luanda, os rumores e a vontade de ajudar o "país irmão" são grandes.
"Fala-se nas Forças Armadas que, de facto, é possível ir combater, ajudar Moçambique. Além disso, Angola diz que tem experiência porque combateu a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] durante muitos anos e foi guerra de guerrilha. Portanto, tem muita experiência em termos táticos de combate em zonas não abertas, sem usar a aviação - [combate] quase de homem a homem. Então, acham que podem ajudar nesse sentido, mas acham que Moçambique teria de pedir," conta o académico angolano Paulo Inglês.
"Mas isso internacionalizaria ainda mais o conflito e acho que este é o medo que todos têm," acrescenta.
A postura anti-ingerência de Maputo insufla a olhos vistos. O irmão do Índico tem recusado solicitar tropas estrangeiras, alegando a preservação da soberania. E a efetivar-se o envio de uma força angolana não seria num âmbito oficial, à semelhança do que já aconteceu com a República Democrática do Congo (RDC) e a Costa do Marfim, adivinha Paulo Inglês.
Uma hipótese que talvez vá justamente de encontro com a postura auto-protecionista de Maputo, "porque Moçambique teria de pedir oficialmente, em teoria, e teria também de haver um contexto internacional por ser a nível da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] ou mesmo na ONU [Organização das Nações Unidas].
"Seria o envio de uma força internacional, mesmo que fosse só um país, e não algo bilateral. Então, sem este suporte legal, Angola oficialmente não poderia enviar. Existe uma solidariedade nesse sentido entre os partidos que governam os dois países," pondera o académico angolano.
Irmandade e secretismo
Uma velha irmandade que também se sustenta no segredo, como mostra a história. A intervenção necessitaria do aval da SADC, da União Africana (UA) e da ONU para que haja um suporte financeiro, alerta o especialista angolano em política internacional, Belarmino Van-Dúnem.
Angola enfrenta uma crise financeira e económica que está a causar convulsões ao nível doméstico. Van-Dúnem esclarece que, "do ponto de vista financeiro e económico, essas intervenções têm custos bastante elevados, porque para manter a logística de uma força de intervenção e projetá-las para fora do país não é muito fácil".
"E neste caso, se houver um apoio multilateral ou um compromisso entre as forças armadas angolanas e moçambicanas para que haja uma repartição dos custos para uma intervenção efetiva, Angola tem condições em termos de preparação combativa e apetrechamento da sua técnica militar," considera.
Projetar o poder de Angola
Fora a vontade de apoiar Moçambique em termos geopolíticos, o irmão do Atlântico iria obter louros com um apoio militar, lembra o especialista moçambicano em Paz e Segurança Calton Cadeado.
"Isto seria uma projeção de poder angolano para uma zona onde tradicionalmente não é bem conhecido, estamos a falar de uma zona que é de influência tipicamente sul-africana. Então, seria uma projeção de poder para Angola," considera.
"Sabemos que Angola tem um prestígio de ter vencido uma guerra e de ter umas forças armadas bem preparadas e equipadas, mas que nos últimos tempos não está a ser exposta ao público nacional e internacional," conclui.