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ConflitosEtiópia

Inimigos que são aliados na luta contra as forças de Tigray

Silja Fröhlich | mjp
9 de dezembro de 2020

A Eritreia está envolvida na crise no Tigray na Etiópia desde o primeiro dia, dizem os especialistas. Mas embora os dois países lutem em conjunto contra um inimigo comum, as forças de Tigray, tal não os torna amigos.

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Äthiopien Tigray Soldaten Kämpfer
Foto: Eduardo Soteras/AFP/Getty Images

Após semanas de guerra, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, reivindicou vitória na sua operação militar contra o partido que governa a região de Tigray, a Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF), no Norte da Etiópia.

Os confrontos violentos já fizeram milhares de mortos, entre civis e forças de segurança, segundo o International Crisis Group. Mais de 40 mil pessoas terão abandonado as suas casas, à procura de refúgio sobretudo no Sudão, e aumentam os receios de que o conflito interno na Etiópia se alastre além-fronteiras, numa altura em que Abiy Ahmed continua a rejeitar os apelos ao diálogo.

Äthiopien Addis Ababa - Isaias Afwerki und Abiy Ahmed
Abiy Ahmed e Isaias Afwerki normalizaram as relações entre a Etiópia e a Eritreia em 2018Foto: Reuter/T. Negeri

"[O Presidente da Eritreia] Isaias Afewerki participa nesta guerra desde o primeiro dia. Esta guerra é tanto de Isaias como de Abiy, como é uma guerra dos nacionalistas Ahmara. Os três têm a sua própria agenda, os seus próprios interesses na luta contra a TPLF", explica Kjetil Tronvoll, diretor de investigação de estudos de paz e conflitos na Universidade Bjorknes, na Noruega.

Inimigos de longa data

A Etiópia e a vizinha Eritreia têm uma longa e problemática história de conflito, mas atualmente Isaias Afewerki e Abiy Ahmed estão unidos na luta contra a TPLF.

"O regime da Eritreia vê a TPLF como inimiga há muito tempo. É muito irónico, porque a TPLF e a Frente de Libertação do Povo da Eritreia (EPLF), que eram os dois movimentos rebeldes em Tigray e na Eritreia, lutaram juntos contra o Derg, o regime marxista que governava a Etiópia nos anos 1980", recorda Michela Wrong, jornalista e especialista em temas relacionados com a Eritreia.

Até aos anos 1990, a TPLF e a EPLF, um movimento separatista co-fundado por Isaias Afewerki, foram aliados na luta contra o governo militar da Etiópia, que foi derrubado em 1991. Dois anos depois, a Eritreia conseguiu a sua independência e TPLF tornou-se a principal força da coligação que dominou a política da Etiópia durante quase três décadas antes de Abiy Ahmed subir ao poder, em 2018. 

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"Era suposto serem regimes irmãos que tinham lutado juntos e que iam ser bons vizinhos, mas depois tivemos a guerra por causa da fronteira, em 1998, que durou dois anos. E esse foi um conflito muito amargo", comenta a jornalista que acrescenta: "Desde então, os dois regimes odeiam-se".

Depois do acordo de paz, em 2000, a tensão armada entre a Eritreia e a Etiópia durou quase 18 anos. Chegou ao fim quando Abiy Ahmed, do Partido Democrático Oromo, assumiu o cargo de primeiro-ministro. 

"Isaias dizia que não, rejeitava negociações. Quando Abiy começou a demitir altos funcionários de Tigray, em junho de 2018, então o contacto entre Asmara e Abiy intensificou-se. A 20 de junho, Isaias mostrou-se disponível para trabalhar com Abiy no processo de paz, porque a TPLF tinha perdido o jogo. Para Isaias, o processo de paz era apenas uma continuação da guerra contra a TPLF. E era aí que Abiy precisava dele, do apoio dele para continuar a marginalizar a TPLF", relata Kjetil Tronvoll.

Inimigo do meu inimigo meu amigo é

William Davison, analista sénior para a Etiópia no International Crisis Group, sublinha que a relação entre a Eritreia e Tigray continua a ser negativa e isso tem consequências nos laços entre a Etiópia e Tigray até aos dias de hoje. Segundo o analista, Tigray e a liderança da TPLF são consideradas o principal obstáculo para a melhoria das relações entre os dois países. 

Bild des Jahres 2020 I Äthiopische Flüchtlinge im Sudan
Mais de 40 mil pessoas abandonaram as suas casas, na região de Tigray, à procura de um refúgio longe da zona de conflitoFoto: Yasuyoshi Chiba/AFP/Getty Images

No entanto, a aliança com o país vizinho, explica o analista, traz uma vantagem à Etiópia: "Tigray tem uma longa fronteira com a Eritreia, então para apoiar a campanha do governo etíope para derrubar o Governo de Tigray fazia sentido usar a Eritreia como base logística", resume.

Segundo Kjetil Tronvoll, a longo prazo, Abiy Ahmed e Isaias Afewerki têm o mesmo objetivo, o que os incentiva a trabalharem juntos depois de anos de conflito. "Há elites políticas regionais a lutar entre si e a aliarem-se para ganhar vantagem na balança de poder. A mentalidade da guerra e das alianças políticas está muito enraizada na história. E foi isso que aconteceu agora. É isso que explica esta mudança tão súbita de amigos para inimigos e de inimigos para amigos", frisa a especialista.

Abiy Ahmed precisa do apoio de Isaias Afewerki para continuar a afastar a TPLF do poder, que não reconhece autoridade em Abiy Ahmed, que recebeu o Nobel da Paz no ano passado pelos esforços de reconciliação com a Eritreia. Já a Eritreia, segundo o especialista, está disposta a oferecer os seus soldados como "carne para canhão" para derrotar as forças de Tigray.

Mas será que a nova aliança pode ser considerada uma nova amizade? "Há um princípio muito conhecido na política que é ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’ e eu acho que é o que está a acontecer aqui. Muitas pessoas ficaram surpreendidas pela boa relação criada pelo primeiro-ministro etíope e o regime da Eritreia. Eram ambos regimes que achavam que tinham um grande problema com a TPLF. Essa aliança significa que Tigray está rodeada de regimes inimigos, hostis. É uma posição pouco invejável", responde Michela Wrong.

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