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PolíticaEstados Unidos

Como será a política externa dos EUA com Joe Biden?

Cathrin Schaer
20 de janeiro de 2021

As últimas iniciativas da política externa da administração Trump para o Iémen, Iraque e Norte de África foram duramente criticadas. Com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, as atuais diretrizes cairão por terra?

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Designierter Präsident der USA Joe Biden
Foto: Evan Vucci/AP/dpa/picture alliance

Nas últimas duas semanas, o governo de Donald Trump apressou-se a consolidar planos de política externa para o Médio Oriente. Na semana passada, os EUA designaram os rebeldes "Houthi", aliados do Irão no Iêmen, como uma organização terrorista e impuseram sanções a um oficial militar iraquiano e a várias organizações iranianas.

Em dezembro, reconheceu a soberania marroquina sobre o território disputado na área do Saara Ocidental.

Todas essas ações serviram para alienar o Irão e impulsionar Israel na região e as medidas mais recentes foram fortemente criticadas.

"A corrida das autoridades americanas para a linha de chegada teve consequências profundamente preocupantes", escreveram analistas do Crisis Group, sede em Bruxelas, na semana passada.

Jemen Bürgerkrieg
Rebeldes Houthis considerados como "grupo terrorista" pelos Estados UnidosFoto: picture alliance/dpa/abaca/A. Homran

Designar os "Houthis" como "grupo terrorista" pode prejudicar as agências humanitárias que trabalham no Iémen, devastado pela guerra, argumentaram ainda os analistas. E pode desencadear "fome em grande escala". "Uma escala que não víamos há quase 40 anos", acrescenta um funcionário da ONU.

Enquanto isso, o Ministério das Relações Exteriores do Iraque descreveu as sanções dos EUA impostas ao funcionário iraquiano, Faleh al-Fayyad, na semana passada, como "inaceitáveis ​​e surpreendentes". Al-Fayyad é o chefe dos paramilitares locais conhecidos como Forças de Mobilização Popular, e conhecidos por serem apoiados pelo Irão. Sanções como essa "provocam reações do sistema político iraquiano, talvez obrigando as tropas estrangeiras [dos EUA] a deixarem o Iraque", advertiu o analista Sajad Jiyad em um relatório em julho de 2020.

Jogo de política interna com política externa

O reconhecimento por parte dos EUA da soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental em dezembro, uma das disputas territoriais mais antigas do mundo, também reuniu desaprovação generalizada. A tirada foi vista como um "obrigado" dos EUA ao Marrocos por restabelecer oficialmente os laços com Israel.

"Isto é Trump a jogar política interna com política externa até o fim", reagiu Julian Barnes-Dacey, diretor do programa para o Médio Oriente e Norte de África no Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Enquanto o tempo está a passar, eles estão a tentar energizar a sua base política e possivelmente cimentar algum tipo de legado. Estão a tentar prender os EUA numa determinada direção para evitar que Biden a reverta”.

 Julian Barnes-Dacey, Direktor des Nahost- und Nordafrika-Programms beim European Council on Foreign Relations
"Estão a tentar prender os EUA numa determinada direção para evitar que Biden a reverta", Julian Barnes-DaceyFoto: ECFR

Mas será que a próxima administração de Biden reverterá essas políticas? E mesmo se a reversão estiver nos planos, quanto tempo e quão complicado seria esse processo?

Mudanças podem ser rápidas

"Em teoria, algumas mudanças podem ser muito fáceis”, explica Marina Henke, professora de Relações Internacionais da Hertie School, um instituto de ensino superior que ensina políticas públicas em Berlim. "Tecnicamente, muitos poderiam ser feitos em apenas um dia."

Por exemplo, a decisão sobre Marrocos e o Saara Ocidental foi avançada na forma de uma proclamação feita pelo Presidente Trump - o que, na prática, não tem força de lei, a menos que o Congresso dos EUA o autorize. A decisão pode ser revertida por outra proclamação do novo Presidente.

Memorandos presidenciais funcionam da mesma maneira. Podem ser revertidos com outro memorando do recém chegado Presidente, Joe Biden.

Já designar uma organização como grupo terrorista é um pouco mais complicado. O processo é o seguinte: o Secretário de Estado deve anunciar sua intenção de fazê-lo e, de seguida, os membros do Congresso têm sete dias para apresentar objeções. O Congresso teve até o último domingo para se opor à designação, embora ninguém o tenha feito.

"O Congresso obviamente tem estado ocupado com outras coisas”, ironiza a docente Henke.

O secretário de Estado Michael Pompeo "uma narrativa" em torno de questões delicadas de política externa, questões que interessam aos eleitores dos EUA, explica Henke - como no Irão, China e Cuba.

"Se Biden agir rápido demais, os republicanos podem alegar que ele está disposto a negociar com terroristas. E nenhum membro do Congresso quer ser descrito assim. Mas se eles esperarem mais alguns dias, o presidente pode mudar isso", disse Marina Henke à DW.

Normalização das relações árabes com Israel

Também pode haver alguns pontos de política externa por parte do governo Trump que a nova presidência dos Estados Unidos não deseja reverter. "A normalização das relações árabes com Israel é algo que detem apoio bipartidário", disse Barnes-Dacey à DW. O plano de transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém também não deverá ser desfeito, acrescenta.

USA Wilmington, Delaware | Joe Biden, Vorstellung Team | Anthony Blinken
Antony Blinken (à direita) foi a escolha de Joe Biden para o cargo de secretário de Estado dos EUAFoto: Chandan Khanna/AFP/Getty Images

Onde reside maior preocupação, nomeadamente quanto à situação humanitária no Iémen, "Biden pode acabar por tentar algum tipo de solução alternativa em vez de confrontos diários. Por exemplo, isenções ou renúncias seriam uma maneira de contornar os obstáculos à ajuda humanitária", Barnes -Dacey argumenta.

"É uma questão de vontade política”, concorda Arie Perliger, professor na Universidade de Massachusetts Lowell, nos Estados Unidos. "As ordens executivas podem avançar rapidamente numa direção específica e podem funcionar de forma muito rápida. O Congresso não precisa envolver-se. No entanto, se estivermos a falar de atores estatais - como o Irão ou a Síria, ou alguns dos atores no Iraque - isso será muito mais difícil", sublinha.

O tempo está a acabar 

"Na minha opinião, a questão chave é um retorno ao acordo com o Irão", argumenta Ian Black, um membro sénior do Centro do Médio Oriente da London School of Economics. "A pressão para tal é muito alta, embora o governo Trump tenha trabalhado muito para aliar os Estados do Golfo a Israel, contra o Irão."

Especialistas já alertaram que o acordo com o Irão - oficialmente, o Plano de Ação Conjunto Global - levará muito mais tempo para ser reativado. As complexas camadas de sanções a organizações e indivíduos iranianos, com muitas outras adicionadas antes e depois de o Presidente Trump ter retirado os EUA do acordo em maio de 2018, provavelmente levarão meses para serem concluídas.

"Pode demorar pelo menos um ano”, conclui Perliger. "Se alguém na Europa ou no Médio Oriente espera que as coisas sejam rápidas, ficarão desapontados."

Joe Biden toma posse esta quarta feira, (20.01) com a segurança reforçada em todo o país depois dos recentes incidentes no Congresso.

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