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Cabo Delgado: De onde vêm as armas dos insurgentes?

Nádia Issufo
29 de abril de 2020

Parte das armas são frequentemente tomadas do frágil Exército moçambicano, e portanto, financiadas involuntariamente pelo Estado. Quanto ao resto, a que circuito obedecem? Especialista em armas tenta explicar. 

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(Fotografia de arquivo, ataque na província de Cabo Delgado em agosto de 2018)Foto: DW/A. Chissale

Em Cabo Delgado, sem resistência à altura, os insurgentes têm-se apoderado frequentemente de armas, fardamento e outros equipamentos militares das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e da Polícia da República de Moçambique (PRM).

Mas, embora a insurgência seja assim alimentada pelos fundos do Estado moçambicano, através dos impostos do contribuinte vítima dos próprios insurgentes, parte do seu arsenal tem outras origens - afinal, terão precisado de outras armas para começar esses ataques.

Mentira da PRM

Esse material já foi capturado pelas autoridades moçambicanas algumas vezes - poucas - pelo menos pelo que foi dado a conhecer publicamente. Por exemplo, em novembro de 2017, no início das incursões armadas à província nortenha, a PRM informou, na sua habitual conferência de imprensa semanal, que apreendeu quatro armas de fogo e 100 munições.

No entanto, quando questionado na última semana pela DW sobre as caraterísticas dessas armas, o porta-voz do comando-geral da PRM, Orlando Mudumane, respondeu: "Não tenho nenhuma informação sobre as caraterísticas das armas dos malfeitores."

Uma mentira grosseira da PRM, se considerarmos os informes que a corporação fazia sobre as armas que inicialmente conseguia capturar. As notícias estão aí como prova. Mas, como os insurgentes partilham regularmente vídeos em que aparecem altamente artilhados, é possível saber que tipo de equipamento usam, para além do que é tirado às FDS. 

Por outro lado, insistir em chamar os atacantes de "malfeitores" parece um negação da polícia da crescente violência que a população tem vivido em Cabo Delgado: decapitações, raptos, destruições, violência religiosa, tomada dos símbolos e instituições do Estado e o içar de uma bandeira de um "Estado" que não é moçambicano. O Conselho Nacional de Defesa e Segurança já admitiu que os ataques são uma "agressão externa perpetrada por terroristas".

É possível rastrear as armas?

A DW ouviu um especialista internacional em armas, que prefere não ser identificado. Descreve que os insurgentes usam "tipicamente armas pequenas, desde pistolas a armas pesadas, mas normalmente espingardas de assalto de padrão AK. E RPGs também". Outras fontes ouvidas pela DW, no terreno e/ou ligadas à segurança, falam ainda de armas do tipo G3.

Pelas características das armas, será possível perceber, através de um rastreamento, o seu circuito de produção, venda e potenciais compradores?

"É tão simples quanto vender às autoridades moçambicanas, usar e depois capturar. Acredito que com alguma corrupção por aí também. Obviamente que há venda ilegal de armas no mercado negro, mas é muito difícil dizer com precisão o percurso que a arma seguiu", responde o especialista em armas. 

Abate de helicóptero sul-africano: um golpe de sorte?

No começo deste mês de abril, os insurgentes abateram um helicóptero de mercenários sul-africanos, supostamente ao serviço das autoridades moçambicanas, que efetuaram um ataque contra algumas bases suas.

Essa proeza evidencia um incremento da capacidade bélica e operativa dos insurgentes? O especialista internacional em armas diz que "não particularmente, pois informações disponíveis indicam que foram apenas os disparos de armas pequenas que derrubaram o Gazelle, que não é exatamente um aparelho blindado."

E esclarece ainda que "o disparo de armas leves pode derrubar muitas aeronaves se um componente de combustível for atingido. O evento foi uma surpresa, já que os abates de aviões de pequenos grupos como o Estado Islâmico na África Central [EI AC] são bastante raros no geral."

Quem são realmente os insurgentes?

Desde outubro de 2017, quando os insurgentes iniciaram as suas incursões armadas, até hoje, é difícil perceber claramente quem eles são, embora muito recentemente os próprios se identifiquem como "Estado Islâmico". A cada vitória alcançada, e não são poucas, os insurgentes fixam a sua bandeira do "EI" nas regiões "conquistadas". Contudo, são também identificados como Al-Shabab e como Al-Suna Wa-Jama.

Através do seu modus operandi, dará para descodificar quem está, realmente, por detrás dos atacantes e lhes dá suporte? "O Al-Suna Wa-Jama é absolutamente uma filial do 'Estado Islâmico', uma província/filial do 'Estado Islâmico' na África Central. Os seus ataques são reinvindicados diretamente pelo aparato de média do 'Estado Islâmico'. E parte dos combatentes do grupo foi visto a fazer bay'ah [promessa de fidelidade] a Abu Bakr Al-Baghdadi [líder do Estado Islâmico]", diz o especialista. 

Contudo, o entrevistado acredita que "eles obviamente são um grupo local anterior, mas que foi cooptado pelo EI. Não acredito que eles estejam realmente muito ligados ao EI AC no Congo, exceto para fins de média. Quaisquer ligações a outras filiais do EI têm maior probabilidade de ser Somália, etc."