1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
ConflitosIémen

Ataques no Mar Vermelho: Quem são os houthis?

Kersten Knipp
20 de dezembro de 2023

A milícia radical, que mergulhou o Iémen numa guerra civil, começou a atacar cargueiros no Mar Vermelho, que consideram ter uma ligação com Israel. Quem são os houthis e o que pretendem alcançar?

https://p.dw.com/p/4aOvS
Iemenitas armados numa marcha de solidariedade com a população da Faixa de Gaza
Iemenitas armados numa marcha de solidariedade com a população da Faixa de GazaFoto: Mohammed Huwais/AFP/Getty Images

Na senda da guerra entre Israel e a organização terrorista islâmica Hamas, as milícias houthi do Iémen começaram a atacar, há semanas, barcos no Mar Vermelho com drones e outras armas. Em meados de novembro, o grupo sequestrou um cargueiro, o "Galaxy Leader", propriedade de uma empresa israelita. Os houthis ameaçam agora atacar qualquer navio a caminho de Israel, se não for autorizado o transporte de mais alimentos e medicamentos para a Faixa de Gaza.

Os ataques dos houthis à navegação internacional são tão ferozes que quatro companhias de navegação internacionais anunciaram que vão passar a contornar uma das mais importantes rotas marítimas do mundo: o estreito de Bab al-Mandab, que liga o Golfo de Aden ao Mar Vermelho.

Mas quem são os houthis? Que objetivos perseguem?

Origem e identidade

Os houthis formaram-se a partir de uma organização tribal de uma região montanhosa do norte do Iémen, que faz fronteira com a Arábia Saudita. Esta organização tribal é adepta do zaidismo, uma escola jurídica do Islão xiita.

Ao contrário de muitos outros xiitas, os zaiditas não acreditam no regresso messiânico do Décimo Segundo Imã, chamado Mahdi. Mas a fidelidade dos houthis ao Islão xiita é uma base importante para as suas boas relações com o Irão, que se considera o poder supremo e o representante dos interesses xiitas na região.

Abordagem do cargueiro Galaxy Leader
Uma foto colocada à disposição pela milícia mostra a abordagem do cargueiro Galaxy Leader pelos houthisFoto: Houthi Media Center/AP/picture allaince

Os zaiditas constituem cerca de um terço da população do Iémen. A história do movimento houthi enquanto movimento político, e depois militar, oriundo das fileiras zaiditas, remonta à década de 1990. O movimento foi antecedido por uma organização fundada em 1994 por Hussein Badredddin al-Huthi, ex-deputado iemenita que se opôs à política do então Presidente Ali Abdullah Saleh.

Os houthis e a guerra civil

A partir da chamada Primavera Árabe, em 2011, os houthis começaram a acusar o Governo iemenita em Sanaa de marginalizar os zaiditas e de suprimir os seus direitos. Ao mesmo tempo, acusavam o Executivo de ser demasiado próximo de Israel e dos EUA. Com base nestas acusações, os houthis insurgiram-se contra o Governo do então Presidente Abed Rabbo Mansur Hadi em 2014. Este último só conseguiu manter-se no cargo graças a uma aliança militar internacional liderada pela Arábia Saudita. Desde 2015 que a aliança combate os houthis - em última análise, sem sucesso.

O Governo apoiado pela Arábia Saudita controla o sul do país, enquanto os houthis controlam o norte. Os rebeldes são apoiados por Teerão, pelo que a guerra civil no Iémen é considerada também uma guerra por procuração entre a Arábia Saudita e o Irão. Os houthis possuem tanques, veículos blindados e mísseis teleguiados, que dizem ter capturado do Exército regular iemenita.

Segundo as Nações Unidas, a guerra no Iémen causou uma das piores crises humanitárias do mundo. Em abril de 2022, as partes em conflito negociaram um cessar-fogo de seis meses. Embora este tenha expirado há muito tempo e as partes beligerantes não tenham conseguido chegar a acordo sobre uma prorrogação, desde então praticamente cessaram os combates armados.

Rebeldes houthi no Iémen
Os ataques nos Mar Vermelho servem de propaganda interna aos houthisFoto: Hani Mohammed/dpa/AP/picture alliance

Ideologia radical anti-israelita

A ideologia houthi está expressa na palavra de ordem do grupo: "Deus é o maior, morte à América, morte a Israel, maldição dos judeus, vitória do Islão". O território que controlam, no norte do país, está subjugado a uma ordem islâmica rigorosa. À militância religiosa junta-se uma política rígida antiocidental e anti-israelita.

Os rebeldes denominam-se "Ansar Allah", o que, numa tradução livre, significa acólitos de Deus.

Tal como a maioria dos Estados árabes, já antes da reunificação em 1990, o Iémen defendia uma posição claramente pró-palestiniana. Mas, em seguida, os houthis radicalizaram-se. O que lhes valeu uma grande simpatia por parte da população.

Relação com o Irão

Os houthis são considerados aliados próximos do Governo iraniano. Eles próprios consideram-se parte do chamado "eixo de resistência" contra Israel e os EUA, que também inclui o Hezbollah no Líbano, várias milícias iraquianas e o regime sírio, disse, à DW, o politólogo Hamidreza Azizi, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), sediado em Berlim.

Mas há diferenças: os houthis são menos dependentes do Irão do que, por exemplo, o Hezbollah. Além disso, não estão diretamente sujeitos ao sistema de comando e controlo iraniano, diz Azizi.

Deslocados internos em Sanaa, capital do Iémen
A guerra civil no Iémen colocou o país à beira de uma "catástrofe", avisam as Nações UnidasFoto: Xinhua/picture alliance

É difícil avaliar o grau exato de dependência e obediência a Teerão, ressalva.

Mas os analistas concordam ser pouco provável que o Irão tenha desempenhado um papel importante nos ataques recentes dos houthis a barcos no Mar Vermelho, afirma Fabian Hinz, especialista em defesa e análise militar no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).

Expediente político

Os houthis deitam todas as culpas pela guerra na Faixa de Gaza exclusivamente para Israel, ignorando a chacina de cerca de 1.200 israelitas pelo Hamas a 7 de outubro passado. O Hamas é classificado como organização terrorista na Alemanha, na União Europeia, nos EUA e outros. Os houthis consideram os ataques a navios e os mísseis que disparam contra Israel uma "retaliação" a ataques israelitas à Faixa de Gaza.

Os ataques dos houthis ainda não são uma ameaça militar séria para Israel. Até agora foram todos intercetados.

Farea al-Muslimi, investigador para o Médio Oriente e Norte de África na Chatham House, um grupo de reflexão com sede em Londres, diz que a agressão deve ser vista no contexto da política interna dos houthis. "A guerra é para eles uma oportunidade única para demonstrar a posição radical pró-palestiniana, anti-israelita e antiamericana à sua população local", disse al-Muslimi, que acrescenta ser improvável que Israel se veja confrontado "com uma nova frente de guerra substancial".

Navio de guerra USS Carney
Os EUA reforçam a sua presença militar no Mar Vermelho para proteger o comércio marítimoFoto: .S. Navy photo/abaca/picture alliance

Risco de escalada no Mar Vermelho

Os EUA e outros países, incluindo a Alemanha, estão a avisar os houthis para não continuarem os seus ataques. Washington formou uma aliança marítima com vários outros países para proteger a navegação no Mar Vermelho e assinalar que os ataques não serão tolerados.

Até agora, os houthis não se mostraram impressionados. Apesar das "ameaças dos EUA, de Israel e do Ocidente", querem continuar a "apoiar a causa palestiniana", explicou um porta-voz da milícia. As ações hostis "contra o Iémen" teriam consequências graves, ameaçou Al Mayadeen na estação de televisão pró-iraniana de língua árabe.

Trata-se de uma estratégia de risco para os rebeldes. Um confronto direto com uma aliança internacional liderada pelos EUA poderia causar aos houthis enormes danos militares. Mas poderia também reforçar o apoio aos houthis por parte da população iemenita e consolidar o seu domínio regional. E, caso o confronto venha a acontecer, resta ainda saber qual seria a reação do aliado e mentor dos houthis, o Irão.