RDC despede-se de Étienne Tshisekedi
1 de junho de 2019O corpo do histórico líder da oposição da República Democrática do Congo (RDC), Étienne Tshisekedi - que morreu em Bruxelas em fevereiro de 2017, aos 84 anos de idade - foi levado de volta para Kinshasa na quinta-feira (30.05) a bordo de um jato particular, pondo fim à longa batalha de sua família para assegurar o seu repatriamento.
Milhares de pessoas acompanharam uma procissão de sete horas que seguiu os restos mortais do político até ao centro de Kinshasa. Na sexta-feira, o caixão foi levado até ao Estádio dos Mártires, com capacidade para 80 mil pessoas, onde foi exposto antes de uma missa à noite. Neste sábado, milhares de pessoas continuaram a prestar homenagens ao antigo líder, que será sepultado em um mausoléu em Nsele, nos arredores de Kinshasa.
"Não durmo há dois dias. Só vou dormir quando ele for enterrado", disse Lisette Kapinga, de 32 anos, que estava entre a multidão, em Kinshasa, onde muitos usavam roupas com a imagem de Tshisekedi estampada.
Étienne Tshisekedi era uma figura venerada pela sua resistência ao antigo ditador Mobutu Sese Seko e ao ex-Presidente Joseph Kabila. Ele não chegou a ver seu filho ascender à Presidência, após as eleições no final do ano passado que levaram à primeira transição pacífica de poder na história do país.
Presença inesperada de Kagame
O Presidente do Ruanda, Paul Kagame, esteve presente nas cerimónias fúnebres em homenagem ao antigo líder, oferecidas pelo seu filho e atual Presidente do país, Félix Tshisekedi.
Inimigo declarado da RDC no passado, Kagame juntou-se a Félix Tshisekedi e ao Presidente angolano, João Lourenço, para uma mini-cimeira da África Central antes da esperada homenagem. Os três juraram "reforçar o eixo Congo-Angola-Ruanda" para "eliminar os grupos armados congoleses e estrangeiros", disse um comunicado conjunto, referindo-se aparentemente a milícias brutais que assolam a fronteira RDC-Ruanda.
O Presidente do Congo-Brazzaville, vizinho da RDC, Denis Sassou Nguesso, também esteve presente na cerimónia. Kagame, que também é atual chefe da União Africana (UA), visitou Kinshasa pela última vez em 2010.
Relações estremecidas com o Ruanda
As relações entre o Ruanda e a RDC têm sido frias desde a década de 1990, quando o Ruanda invadiu o país para apoiar os rebeldes que tentavam derrubar o pai de Kabila, o antigo Presidente Laurent Kabila.
Apesar de uma melhoria no tom desde que Tshisekedi assumiu o poder a 24 de janeiro, os laços continuam a ser perturbados por ataques transfronteiriços às forças ruandesas pelas Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR), um grupo rebelde baseado na RDC.
Entretanto, a RDC acusou o Ruanda de pilhar coltan, um mineral lucrativo utilizado em produtos electrónicos, na região fronteiriça do Kivu Norte.
Trajetória de Tshisekedi
Étienne Tshisekedi foi ministro do Interior de Mobutu antes de se juntar à oposição. Foi co-fundador da União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS) em 1982, após uma passagem pela prisão, e na década de 1990 foi nomeado primeiro-ministro várias vezes. Ele boicotou as eleições do país em 2006 e foi derrotado na votação de 2011, que foi marcada por enormes irregularidades.
Morreu na Bélgica, a antiga potência colonial, onde buscou tratamento médico. Suas diferenças com o então Presidente Joseph Kabila eram tão grandes que os seus restos mortais não foram autorizados a regressar após a sua morte por uma embolia pulmonar em 2017, em Bruxelas.
Seu filho, Félix Tshisekedi, havia prometido repatriar os restos mortais do pai e enterrá-los em seu país natal, mas esse desejo foi frustrado por Kabila.
O funeral provocou homenagens de outras figuras da oposição, bem como de apoiantes de Kabila. Prémio Nobel da Paz, o congolês Denis Mukwege elogiou a luta de Étienne Tshisekedi pelos valores democráticos. "Cabe-nos a nós dar vida à nossa herança", escreveu ele na rede social Twitter.
Martin Fayulu, outra figura da oposição, que diz que um acordo de bastidores entre Félix Tshisekedi e Kabila roubou-lhe a vitória nas eleições presidenciais, prestou homenagem à "luta por justiça e democracia" de Étienne Tshisekedi.
O partido de Kabila, a Frente Conjunta para o Congo (FCC), também elogiou Tshisekedi. "Etienne Tshisekedi foi, sem dúvida, um dos principais atores políticos do nosso país - um lutador hiperativo, mas também um homem de diálogo", lê-se num comunicado. No entanto, nem Kabila nem Fayulu assistiram à homenagem.