Nigerinos já estão a pagar o preço do golpe de Estado
7 de agosto de 2023Cerca de duas semanas depois de o Presidente democraticamente eleito do Níger, Mohamed Bazoum, ter sido deposto num golpe de Estado, a população do vasto e empobrecido país do Sahel já está a sentir o impacto económico.
Nos mercados, as bancas continuam cheias de produtos, mas os consumidores dizem que os preços dos alimentos estão a aumentar.
Na agitada cidade de Maradi, no sul do país, a cerca de 40 quilómetros da fronteira com a Nigéria, um residente ouvido pela DW diz-se chocado com o aumento do preço do arroz desde que os militares tomaram o poder.
Um saco que custava 11.000 francos CFA (o equivalente a €16,75) passou a custar 13.000 francos em apenas alguns dias, explica Moutari, que prefere não revelar o seu apelido. É um aumento de 20%.
"Tenho o suficiente para comprar este arroz, mas tenho pena das pessoas mais pobres, que não conseguem comprar um saco", afirma. "Os próximos dias vão ser muito difíceis. Resta-nos rezar para que tudo se resolva".
A 30 de julho, quatro dias depois do golpe de Estado, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) impôs sanções severas ao Níger, incluindo o encerramento de várias fronteiras.
São dificuldades adicionais para o país sem costa marítima, onde a maioria das importações principais, incluindo de produtos básicos como o arroz, chega normalmente em camiões dos países vizinhos.
Fronteiras vitais ainda encerradas
Os líderes do golpe, que encerraram todas as fronteiras terrestres e o espaço aéreo a 26 de julho, anunciaram na passada terça-feira (01.08) que as fronteiras com alguns vizinhos foram reabertas.
Pessoas e bens podem circular novamente pela Argélia, Líbia e Chade - que não fazem parte da CEDEAO - bem como o Mali e o Burkina Faso, que apesar de serem membros do bloco, apoiam a junta no poder.
As importantes fronteiras com o Benim e a Nigéria, no entanto, continuam encerradas devido às sanções da CEDEAO.
Os portos atlânticos dos dois países são essenciais para as importações e exportações do Níger, lembra Abdoul Aziz Seyni, economista da Universidade de Niamey, em entrevista à agência de notícias Reuters.
"Não somos um país com acesso direto ao mar", explica. "Tudo o que compramos chega aos portos dos países vizinhos e daí é transportado para o Níger. Se esses países decidirem fechar as suas fronteiras, isto terá um impacto na vida socioeconómica dos nigerinos".
Moussa Halirou, condutor de uma carrinha que transporta passageiros na rota Maradi-Nigéria, já está a sentir os efeitos do encerramento da fronteira nigeriana. O aumento drástico do preço do combustível no mercado clandestino está a prejudicar os seus lucros.
Antes do golpe, pagaria 350 nairas (a moeda nigeriana, o equivalente a €0,40) por um litro de gasolina, diz à DW. Agora, o preço subiu para 620 nairas.
Halirou afirma que, apesar de ter duplicado o preço do transporte de passageiros para compensar o aumento do combustível, só lucra cerca de 4.500 nairas (€5,20) por viagem.
Presos na fronteira
Para outras pessoas, a situação é ainda mais complicada. Cerca de mil veículos por dia, muitos transportando produtos para os mercados, circulam normalmente no corredor entre o porto de Cotonou, no Benim, e a capital do Níger, Niamey. É uma das rotas mais movimentadas da África Ocidental, segundo a Reuters.
No entanto, desde o golpe no Níger, está tudo parado.
"Mesmo que um camião esteja carregado, tem de ficar estacionado, porque não se pode mover", diz Salissou Idrissa, um dos muitos camionistas retidos na passagem fronteiriça de Malanville, entre o Benim e o Níger. "Há filas de veículos na fronteira a perder de vista".
Às escuras
A Nigéria também cortou o fornecimento de eletricidade ao Níger, que depende do vizinho para a maior parte da sua energia. Muitos distritos já sofriam com apagões ainda antes do golpe, embora menos de uma em cada cinco pessoas tenha acesso à energia elétrica no país, segundo o Banco Mundial.
Além disso, a CEDEAO suspendeu as transações comerciais e financeiras entre os Estados-membros e o Níger e congelou os bens do país nos bancos centrais e comerciais do bloco.
A CEDEAO ameaçou ainda usar a força se o Presidente Mohamed Bazoum não regressar ao poder.
Pobreza extrema e dependência de ajuda
A população do Níger dificilmente conseguirá suportar a subida dos preços, aliada à incerteza económica e política numa região assolada pela instabilidade. O Níger, um dos países mais pobres do mundo, já atravessava a sua pior crise humanitária da última década antes do golpe militar.
Dois terços do território nigerino são deserto: o país sofre com secas intensas e tem pouco terreno arável. Cerca de 4,3 milhões de pessoas, 17% da população, dependem de ajuda alimentar para sobreviver.
As operações humanitárias da Organização das Nações Unidas não foram interrompidas, garantiu um porta-voz na quarta-feira (02.08), acrescentando que "os acessos rodoviários são possíveis e foram autorizados".
No entanto, alguns dos maiores doadores, incluindo a União Europeia, Alemanha, França e Reino Unido suspenderam diferentes tipos de ajuda ao desenvolvimento e apoio orçamental desde o golpe.
O Níger recebe quase 2 mil milhões de dólares por ano em ajuda oficial ao desenvolvimento, estimando-se que cerca de 40% do orçamento do Governo nigerino provenha de ajuda externa.
O Governo alemão frisou, no entanto, que continuará a prestar ajuda humanitária à população necessitada do Níger.
Ali Abdou, em Maradi, no Níger, contribuiu para este artigo.