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Moçambique: Prolongamento da missão da UE é medida paliativa

15 de maio de 2024

João Feijó considera que prolongar a missão da União Europeia em Moçambique até 2026 não ataca a raiz do problema. O treino militar "é uma espécie de paracetamol, quando o utente está com cancro", diz o investigador.

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Militares em Cabo Delgado
Foto: Roberto Paquete/DW

A União Europeia vai prolongar a missão militar em Moçambique por mais dois anos, no âmbito do combate ao terrorismo no norte do país. Os 27 vão ainda transformar a missão de treino militar numa missão de assistência militar, que inclui aconselhamento e treino especializado.

Em entrevista à DW África, João Feijó, investigador da ONG Observatório do Meio Rural (OMR), questiona o facto de a UE não investir em reformas políticas e no diálogo que permitiriam, de facto, uma melhoria em Cabo Delgado. Fala ainda em falta de transparência no contexto desta ajuda.

DW África: O vácuo militar causado pela saída paulatina das forças da SADC e o recente ataque a Macomia terão precipitado a decisão da UE, que há algum tempo estava num debate sem consenso?

João Feijó (JF): É possível que sim. Mas já se estava a adivinhar que mais tarde ou mais cedo Macomia ia ser atacada porque a insurgência já andava ali a cercar o acesso à vila sede distrital, com ataques em Ancuabe, mais a norte. E era óbvio que eles iriam tirar partido da retirada dos sul-africanos para fazer um ataque surpresa e provocar pânico e jogar com esta coisa psicológica. Agora, talvez isso tenha precipitado a União Europeia a prolongar o apoio e imagino que por pressão dos países que têm interesses económicos ali, nomeadamente a França, a Itália e Portugal nos corredores diplomáticos do Conselho Europeu.

João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural
João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural Foto: DW

DW África: O recrudescimento da insurgência foi determinante para a transformação da missão de treino militar em missão de assistência militar?

JF: Eu não sei qual é bem a diferença entre assistência militar e treino militar. Assistência militar parece-me que é um pouco mais abrangente e vai a aspetos organizativos. O que eu tenho a dizer é que primeiro é óbvio que isto não vai ter uma solução militar e todos os militares portugueses e outros que participam no treino eles próprios em off reconhecem isso mesmo: que isto aqui precisa de uma solução política e que isto é uma guerra de paciência e que não é só meramente através das armas que se lá vai. É a partir de reformas que tardam.

Em segundo lugar, o investimento atrativo é mais causa do problema do que da solução, portanto, o treino militar é uma solução meramente paliativa, uma espécie de um paracetamol, quando o utente está com um cancro. Eu acho que isto só vai atenuar o problema, não vai resolver o problema. E por fim, as próprias Forças de Defesa e Segurança necessitavam de reformas internas e a EUTM não tem essa missão, Moçambique é um Estado soberano. Poranto, isto vai fazer com que o investimento não tenha eficácia, até porque o apoio que dão é em material não letal e a tropa moçambicana precisa de armas no terreno para combater a insurgência.

DW África: Na sua opinião, como deveria ser feita essa ajuda da União Europeia?

JF: Há uma coisa que a União Europeia nunca ouviu falar que é a questão do diálogo, a questão de negociações, a questão de reformas, a questão de diversificação da economia e a questão de inclusão dos grandes investimentos. Moçambique é um país rico em recursos naturais, estes recursos são extraídos e são levados para o norte global, mas não são consumidos ali pela população.

DW África: A seu ver, as mais de 1.650 forças especiais formadas pela missão de treino da União Europeia colmatam o vazio parcial deixado pela saída das forças sul-africanas da SAMIM, se não em número, pelo menos em termos de competências?

JF: Não sei, nós não temos uma avaliação do impacto da formação. Até mesmo os contribuintes europeus acho que deveriam ser os primeiros a ter essa preocupação, porque isto é dinheiro dos impostos dos contribuintes europeus, em saber qual foi a avaliação do impacto da formação anterior. A pergunta que poderíamos fazer é quantos militares moçambicanos que foram treinados pela UTM não terão desertado,? É uma pergunta que gostávamos que fosse respondida. Eu não sei responder essa pergunta porque aqui falta de transparência.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África