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Migração, o sonho de viver na Europa - Parte 1 - A viagem

Vieira, Cristiane1 de junho de 2013

Por que as pessoas deixam sua terra natal africana e partem em direção à Europa, mesmo sabendo que podem pagar com a vida o seu sonho? Guerra, perseguição, pobreza, corrupção e fome são algumas razões, mas não só.

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Para muitos, a migração é o caminho para a educação, um bom trabalho ou mesmo para possuir um telefone celular elegante. Mas é, sobretudo, uma oportunidade para ser alguém, realizar o grande desejo de enviar dinheiro para casa e deixar os pais orgulhosos. Falhar parece-lhes mais dramático que se afogar no mar.

A travessia em barcos de madeira ou de borracha da África para a Europa tornou-se um negócio lucrativo e impiedoso. Continuamente migrantes no norte de Marrocos lutam para garantir um lugar numa arriscada travessia até a Europa, que pode terminar numa catástrofe.

Destino de muitos migrantes vira filme

Abou está sentado com seus amigos na praia de Dakar, no Senegal. Ele queima o próprio passaporte. Assim, espera, não poderão nem deportá-lo nem expulsá-lo mais tarde. Ele vai entrar num barco de pesca e seguir o seu caminho. Vai para a Espanha. Sua família está temerosa, mas pagou muito dinheiro pela travessia. A viagem pelo Atlântico será uma catástrofe.

Esta é a descrição de uma cena do filme "A Piroga", do diretor senegalês Moussa Touré, que foi a grande sensação do famoso festival de cinema FESPACO, no Burkina Faso. Mostra a incansável luta pela sobrevivência dos migrantes que diariamente viajam para a Europa em frágeis embarcações.

Touré conta que, para fazer o filme, conheceu pessoas que para não ter que ir ao banheiro e, assim, perder o seu lugar no barco, comeram apenas biscoitos durante dias. E eles beberam pouco - de qualquer maneira, a água é escassa nos barcos.

"Então, eles se sentaram lá, por seis ou sete dias - e pensaram, não em seu futuro, mas em se matar. O meu filme é sobre isso. Nós realmente nos sentamos com as pessoas no barco. O espectador tem que lidar com o existencial. Ele não recebe apenas um eco. Ele vê a si mesmo."

História que se repete

Milhares morrem de sede ou afogados a cada ano, apenas no Mediterrâneo. Quantos exatamente, ninguém sabe. Harouna conhece muitas dessas histórias. Todos os dias, diz ele, há uma nova. Recentemente, teve que enterrar amigos cujo barco virou. Harouna é ele mesmo um refugiado proveniente do Senegal.

No bairro decadente de La Feraille, a leste de Tanger, em Marrocos, ele trabalha para uma pequena organização de ajuda hispano-marroquina, se encarrega de "sans papiers", africanos que aqui vivem e esperam, sem recursos e marginalizados, ilegalmente entre Marrocos e a Europa.

"Aqui temos roupas, recebemos doações. Essas gavetas estavam todas cheias. Temos casacos, roupas de bebê, comida para bebê e assim por diante. As pessoas vêm aqui, nós distribuímos o que temos. Para isso estamos aqui, para que eles sobrevivam melhor," diz o senegalês.

Mas em algum momento, conta Harouna, alguns imigrantes, de repente, não aparecem mais. Isso mostra que eles seguiram seu caminho, embarcaram para a Europa.

Passagem pela fronteira de Marrocos com a Espanha

A cidade de Tanger é a porta de Marrocos para o Mediterrâneo. A cidade espanhola de Tarifa fica a apenas 14 quilómetros de distância. Com o luxuoso ferry rápido, os turistas levam apenas uma boa meia hora até lá e pagam 50 euros pelo transporte.

Frequentemente, os refugiados preparam suas viagens de barco com meses de antecedência e pagam somas exorbitantes para uma viagem a um destino que muitas vezes desconhecem.

O congolês Emmanuel Kabongo conhece bem o método dos passadores de fronteira. Segundo Kabongo, uma viagem organizada custa pelo menos 1.500 euros por pessoa. Apenas os negociadores, as pessoas que revelam aos passageiros exatamente quando e onde a viagem irá começar, conhecem o ponto de encontro na praia. Pela informação, recebem 250 euros antecipado.

"Então, os passageiros precisam comprar coletes salva-vidas, se ainda têm dinheiro. Dependendo do preço, há barcos de borracha ou de madeira, sem capitão," revela.

Os passadores permanecem em Marrocos e os emigrantes são deixados à própria sorte. Às vezes, eles se confundem. "Sei de um grupo que achava que ela estava na Europa, mas havia desembarcado na Argélia. Quem paga mais, pode ter talvez um GPS e um telefone celular para ligar para o serviço espanhol de resgate marítimo," conclui.

Mas muitas vezes a última chamada de socorro não pode mais ajudar. Com muita frequência, as pessoas não apenas se afogam, diz Emmanuel, elas morrem por seu sonho.

Derrotas e persistência

Há pouco mais de cinco anos, Chantal fugiu da República Democrática do Congo. Em Kinshasa, era muito perigoso para ela que foi partidária do ex-presidente Mobutu Sese Seko. Por causa disso, uma pessoa pode ser assassinada nas ruas do Congo do Presidente Joseph Kabila ainda nos dias atuais. Foi o que aconteceu com o primo de Chantal.

No Congo, simplesmente não se pode viver, ela diz. "Temos medo, por isso fugimos para a Europa. Nós não gostamos de ir embora. Mas a guerra domina o Congo, especialmente no leste, mesmo que ninguém mais se dê conta disso. A situação é catastrófica, muitas pessoas não têm dinheiro para comprar sequer um único comprimido de aspirina."

Por mais de um ano, Chantal viajou do Congo, pela República Centro-Africana, o Chade, o Níger e a Argélia - até chegar a Marrocos. Em Nador, perto do enclave espanhol de Melilla, ela foi vítima de uma violação. Em seguida, sobreviveu à sua primeira tentativa de fuga em um barco de borracha.

Ela descreve o que se passou: "Éramos seis, quatro rapazes, uma jovem e eu. Nosso passador era um marroquino. Mas o barco que ele nos deu não era estável o suficiente, tinha buracos. Depois de vinte minutos na água, tombamos. Não sei nadar, mas me prendi a alguma coisa e Deus quis que eu sobrevivesse, assim como os rapazes. Mas a outra jovem se afogou. Não havia coletes salva-vidas ou algo assim."

O sonho permanece

A congolesa Chantal trabalhou como secretária em Kinshasa. Completou o ensino secundário, mas seus diplomas submergiram no Mediterrâneo durante a tentativa de travessia. Agora, ela trabalha como faxineira para uma família marroquina.

Oficialmente, não tem permissão para trabalhar. Vive com o equivalente a 45 euros por semana e divide um quarto com duas amigas. Ao fim do mês, não lhe sobra dinheiro algum. Aos parentes, no Congo, não pode enviar nada, o que lhe é particularmente embaraçoso. Com alguma sorte, diz ela, sairá daqui. Quando conseguir um lugar num "bom barco".

"Meu sonho é a Europa. Vou trabalhar, ganhar dinheiro e dar orgulho à minha família. Se Deus quiser, vou encontrar um bom homem e me casar, pois a mulher não deve ficar sozinha. E, então, ficarei na Europa," afirma.

Todo mundo quer provar do grande bolo da prosperidade - mesmo que seja apenas um pedaço pequeno, diz a escritora senegalesa Fatou Diome. Exatamente a esse respeito é o seu romance "O Ventre do Atlântico" ("Le Ventrede l'Atlantique", no original em francês).

Ir para voltar, para ter algo e ser alguém, explica a autora. "A família não está orgulhosa de que seu filho deixe o país. Mas a família está orgulhosa porque seu filho ou filha, então, talvez ganhe algum dinheiro na Europa," diz.

Esse dinheiro, eles podem mandar para casa e possibilitar aos pais uma vida boa. E, em África, um filho que ajuda a sua família é respeitado. "É menos sobre a migração do que sobre o fato de que a ela precisa estar conectado o sucesso. O fracasso não se aplica," finaliza.