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ConflitosSudão

Guerra no Sudão sem fim à vista

Martina Schwikowski
14 de julho de 2023

Os analistas realçam que não há uma vontade real de paz no Sudão, onde, em vez de depor as armas, as partes beligerantes não cessam de procurar consolidar as suas posições.

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Combates em Cartoum
Foto: - /AFP/Getty Images

Após três meses de combates ferozes entre as Forças Armadas sudanesas e a organização paramilitar opositora Forças de Apoio Rápido, ou RSF, a crise humanitária no Sudão está a atingir proporções catastróficas.

Segundo Ahmed Soliman, do instituto de investigação Chatham House, em Londres, há cada vez mais pessoas a sofrer as consequências de uma guerra sem solução aparente.

"Os piores combates ocorrem em Cartum e nas cidades vizinhas, mas também em Darfur", disse Soliman à DW. A destruição de povoações e de infraestruturas na região contribuiu para a devastação geral causada pelo conflito, que já provocou deslocações maciças e graves violações dos direitos humanos.

Conflito no Sudão não tem solução rápida

Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), apesar da relativamente curta duração do conflito, mais de três milhões de pessoas já foram obrigadas a fugir das suas casas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) avisou que o agravamento da guerra civil pode levar à "desestabilização" de toda a região.

O analista Soliman realça que entre os refugiados estão dois milhões de deslocados internos, mais de metade dos quais crianças.

Refugiados sudaneses
Balanço do conflito: dois milhões de deslocados internos em três mesesFoto: AFP

Pelo menos 180.000 pessoas foram forçadas a refugiar-se no vizinho Chade. Trata-se de refugiados provenientes sobretudo da província de Darfur, assolada pela violência há 20 anos.

Esta circunstância torna o conflito ainda mais explosivo, disse Soliman. Como a violência em Dafur é de natureza étnica, com padrões cíclicos de violência, "não há uma solução rápida para este conflito sangrento", explicou.

Luta pelo poder

O conflito entre o chefe do exército sudanês, Abdel Fattah Burhan, e o seu adversário, o líder da RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido por "Hemeti", começou em meados de abril.

Todas as tentativas de pacificação que se seguiram falharam. Os dois lados violaram continuamente os vários cessar-fogos e os esforços de mediação não produziram qualquer efeito.

Na segunda-feira (03.07), a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento da África Oriental (IGAD) convidou as partes a participarem numa cimeira de paz na capital etíope, Adis Abeba.

Burhan e Dagalo não compareceram. A RSF enviou um representante, enquanto o Governo sudanês se recusou a participar no evento.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Sudão acusa o Quénia de tomar partido no conflito, e afirma que Governo não está disposto a participar nas conversações de paz enquanto Nairobi não renunciar à liderança dos do grupo de mediadores regionais. Numa declaração recente, o Governo sudanês afirmou que o Quénia "adotou as posições da milícia RSF, abrigou os seus membros e ofereceu-lhes várias formas de apoio".

Destruição em Darfur
Há 20 anos que os habitantes da província de Darfur não têm pazFoto: Str/AFP

Conversações de paz anteriores, em maio, em Jeddah, na Arábia Saudita, também não produziram resultados.

RSF acusa Forças Armadas de não quererem a paz

Segundo Soliman, nenhuma das partes beligerantes está disposta a depor as armas.

Youssif Izzat, conselheiro político do líder da RSF, Dagalo, discorda.

Izzat disse à DW que os líderes das Forças Armadas Sudanesas simplesmente não estão interessados em negociações. Durante as conversações na Arábia Saudita, em maio, foi acordado um cessar-fogo. Segundo Izzat, os comandantes do exército do sul do país rejeitaram as tréguas, mantendo o Sudão preso num ciclo de violência. "Apesar do cassar-fogo,a  força aérea atacou em todo o lado", disse Izzat.

Segundo o conselheiro, a questão subjacente não é uma rivalidade pessoal entre os dois generais militares de topo, mas sim o futuro global das forças armadas e do país em geral.

Burhan e Dagalo já estiveram do mesmo lado, com Dagalo a servir como adjunto oficial do líder militar. Em 2019, uniram forças para depor o autocrata Omar al-Bashir, enfraquecido por protestos em massa em todo o Sudão.

No golpe de Estado há um ano e meio, os dois militares continuaram a agir em sincronia: Burhan nomeou-se presidente do conselho de transição e Dagalo voltou à posição de adjunto.

Burhan comprometeu-se a devolver o poder a um governo civil após a realização de eleições. Mas não existe um plano para o efeito e as efetivamente não foram ainda marcadas.

Segundo Izzat, o conflito opôs as pessoas que apoiam a transição democrática àquelas que procuram fazer regressar os métodos autocráticos do antigo regime. Os militantes islâmicos e extremistas agravam ainda mais a volatilidade do cenário político, acusou.

"Chegou o momento de o Sudão se tornar verdadeiramente independente", disse Izzat à DW. "O país precisa de enveredar por um novo caminho. Não queremos que o terrorismo e o EI regressem. Temos de chegar a acordo sobre a nova política, reformar todas as instituições e criar um sistema federal democrático para o país. É esse o nosso objetivo".

Acrescentou que, se dependesse da RSF, as negociações de paz seriam retomadas imediatamente. E insistiu que a RSF que "estabelecer um sistema democrático que reflita toda a diversidade do Sudão".

Manobras políticas

Tanto a milícia RSF como as Forças Armadas do Sudão gostam de se apresentar como defensores dos valores democráticos.

O analista Soliman diz que o conflito tem menos a ver com política e mais com interesses económicos a longo prazo. As Forças Armadas Sudanesas e a RSF são os dois maiores empregadores do Sudão, o que torna ainda mais difícil qualquer previsão do resultado do conflito.

De acordo com Soliman, Burhan poderá estar em vantagem neste momento, uma vez que a sua força militar "oficial" conta com o apoio da maioria dos países da região e dispõe de uma melhor rede logística. Há indícios de que os islamistas e os membros do antigo regime também preferem uma vitória das Forças Armadas sudanesas, diz.

Sudão: A União Europeia podia fazer mais?

Dagalo não se pode dar ao luxo de recuar no conflito, uma vez que pretende candidatar-se a um cargo público quando as eleições finalmente se realizarem. Mas quer ganhe ou perca a guerra, a sua reputação pode já ter sofrido demasiado para obter um apoio significativo nas urnas.

"A RSF também é responsável por esta guerra sangrenta", salienta Soliman. "Cometeu violações terríveis dos direitos humanos, também com a ajuda do Grupo Wagner russo, que lhe fornece apoio logístico".

"Se o seu líder, Yevgeny Prigozhin, perder influência devido à sua rebelião contra o Presidente russo, Putin, pode dar-se ao caso que cesse o fornecimento de armas à força de Dagalo".

A DW tentou repetidamente contactar representantes do governo militar sudanês, não tendo obtido qualquer resposta até à data da publicação.

Colaboração de Wendy Bashi