1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Cultura

António Marcos: de pugilista a músico de marrabenta

9 de agosto de 2019

Pugilista no tempo colonial, António Marcos é hoje um músico de referência a nível nacional e internacional. É um promotor da marrabenta, ritmo e dança tradicionais moçambicanas que quer passar às novas gerações.

https://p.dw.com/p/3NN2e
António Marcos no Festival Músicas do Mundo de Sines (Portugal), em julho de 2019Foto: Mário Pires/CMSines

Foi pugilista entre 1967 e 1980. Conquistou o título de campeão nacional. Desse período não gosta de falar, mas confessa com orgulho que só sabia bater. Batia dos 59 a 64 quilos. Também foi empregado doméstico no tempo colonial.

O gosto pela música começa aos oito anos.

António Marcos: de pugilista a músico de marrabenta

António Lodingue Matusse, mais conhecido como António Marcos, diz que não gostava dos trovadores, "porque um trovador era aquele que pegava na viola, ia e nunca mais regressava". A mãe, Rosa Mugabe, não queria que ele fosse um trovador.

"Cada vez que eu fazia uma guitarra de lata de azeite de oliveira de um litro a minha mãe partia. Eu fazia e a minha mãe partia", recorda o músico, natural da cidade de Gaza.

A viola que "fabricava" com persistência acabou por ser útil porque servia para espantar os macacos que se aproximavam da horta da família à procura de alimento. Era ao som desse instrumento que os afugentava.

"Com aquela viola de lata, corria à volta da machamba a tocar, espantando os macacos, antes de ir para a escola ou quando regressava", conta António Marcos.

Da inspiração ao primeiro disco

Mais tarde, a sorte bateu-lhe a porta. O tio, Carlos Mugabe, que trabalhava nas minas da África do Sul, aposta nele. Ofereceu-lhe uma viola em 1962. No ano seguinte, foi a Lourenço Marques (atual Maputo) e entrou em contacto com outros músicos.

"Um deles, que me dava ânimo de fazer música, chamava-se Feliciano Bendá", diz. "Esse homem descobriu-me quando eu trabalhava como empregado doméstico. Veio ter comigo e disse 'vamos continuar'. E continuámos a tocar. Foi-me ensinando cada vez mais sem eu me aperceber que ia ser um músico. Tocava aquilo por divertimento."

Santinho quer levar a marrabenta além-fronteiras

A sorte coloca-o noutro patamar quando é identificado por um empresário que procurava novos talentos. Acaba por ser recrutado e levado para os estúdios de gravação das Produções Golo, onde gravou o seu primeiro disco (single) em vinil.

"Veio depois o Fernando Ferreira, das Produções 1001. Rebocou-me também, fui gravar. É aí que começou a música. Senti-me já músico. Lancei o primeiro disco em 1970. Faço agora 49 anos de carreira profissional."

António Marcos, a caminho dos 70 anos de idade, foi evoluindo com o tempo, como ele próprio afirma. Mas não se lembra quantos discos single gravou. Lembra-se sim do seu primeiro concerto na África do Sul.

"Depois fui para a Suazilândia, no festival suazi. E começou aí a festa…"

Daí nunca mais parou. Até 2005, integrou o projeto Mabulu, do qual foi um dos fundadores. Para lá do norte de África, que conhece como as palmas das mãos, também guarda muitas referências de vários países europeus por onde passou, entre os quais a Alemanha, Áustria, Polónia, França, Itália, Holanda, Suíça, Inglaterra e Portugal.

"A música planta-se no coração"

Este natural da província de Gaza canta sempre em changana, a sua língua materna. E não vacila em relação à linha das canções que compõe, suportadas pela força da marrabenta.

"Quero manter a marrabenta, porque a marrabenta é aquilo que me identifica. Não só a mim. Identifica também Moçambique", afirma António Marcos.

Para ele, este estilo de música dançável "não é coisa passageira como o vento que passa. Nasceu para ficar", reforça. Por isso, com a idade que tem, decidiu passar a sua experiência aos mais jovens, em defesa da preservação da marrabenta original feita à guitarrada e com bateria manual.

Lady Cee: Uma DJ num meio de homens

"Eu trabalho com os meus filhos, meus netos e filhos dos outros conterrâneos", diz. "É o caso de Domingos Honwana. Temos o Bernardo Domingos [filho do popular músico moçambicano Xidiminguana]; tenho o Sérgio Marcos, meu filho, e o meu neto também, o Joaquim. Todos são jovens."

"Estou a semear, a plantar tudo aquilo, porque a música não se planta no chão, planta-se na mente de cada um de nós ou no coração", acentua António Marcos.

É com coração e humildade que retrata os problemas sociais, assim como também fala da paz em Moçambique. Sente essa paz mais na região sul e centro. No norte, existem "algumas confusões", algo que não sabe explicar. Refere-se aos ataques terroristas que abalam a vida das populações.

"Tem essa confusão, mas cedo ou tarde tudo vai se acalmar. Nós rogamos para isso", afirma.

António Marcos regressou a Moçambique depois de ter participado na última edição do Festival Músicas do Mundo de Sines, em Portugal. Sobre novos concertos não fala. É assunto que está nas mãos do seu agente, também músico, Joni Schwalbach. Nem sequer revela quais os novos projetos futuros - são ideias que guarda a sete chaves e só divulga no momento certo. Apenas insiste que a marrabenta vai expandir-se, porque há músicos como ele que a estão a semear.