1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Portugal também devia congelar bens de Isabel dos Santos?

6 de janeiro de 2020

Analistas dizem que há "muitos cúmplices em Portugal" e que o arresto de bens de Isabel dos Santos pode ter consequências sérias. Autoridades portuguesas têm de "abrir os olhos", diz a ONG Transparência Internacional.

https://p.dw.com/p/3Vlga
Isabel dos Santos tem participações relevantes em várias empresas portuguesas: EuroBic (banca), NOS (telecomunicações), Galp e Efacec (energia e engenharia)Foto: picture-alliance/dpa/Unitel Angola

O Banco de Portugal diz estar atento a eventuais "factos novos", depois de no final de 2019 ter aberto uma inspeção por branqueamento de capitais ao EuroBic, banco português onde Isabel dos Santos detém uma participação maioritária de 42,5%.

A inspeção surge na mesma altura em que a justiça angolana ordenou o arresto de bens e congelamento de contas da filha mais velha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, no âmbito de um processo para avaliar se a empresária angolana, detentora de capitais em setores importantes da economia portuguesa, lesou o Estado angolano num total de mil milhões de euros.

Mas João Paulo Batalha, presidente da Transparência Internacional Associação Cívica (TIAC-Portugal), é crítico em relação à atuação das autoridades portuguesas, que, a seu ver, há muito têm sido cúmplices pelo silêncio face às suspeitas de eventuais manobras de branqueamento de capitais envolvendo a empresária angolana.

"A ação das autoridades portuguesas, quer dos reguladores, quer na justiça, quer do próprio sistema político tem sido sempre de pactuar com estes negócios e não de investigá-los. Portanto, gostaria muito que as autoridades portuguesas fizessem o seu trabalho e abrissem as investigações e, desde já, também congelassem alguns bens para garantir que eles não são tirados do país", diz em entrevista à DW África.

"Chamada de atenção" às autoridades portuguesas

"É perfeitamente natural que, ao abrigo dos mecanismos de cooperação judiciária, Angola peça a outros países, começando por Portugal, onde haja património relevante - e em Portugal há - para também congelarem esse património", diz João Paulo Batalha, que lembra que já houve "uma transferência de dinheiro do Banco Comercial Português que foi já travada para não sair de Portugal rumo à Rússia."

João Paulo Batalha Transparência e Integridade
João Paulo Batalha: "Ação do tribunal em Luanda é uma chamada de atenção para as autoridades portuguesas abrirem os olhos"Foto: Transparência e Integridade

Por outro lado, o dirigente da TIAC diz que é preciso ir mais além na investigação, "porque Isabel dos Santos acumulou durante os últimos anos em Portugal um vasto património empresarial, com suspeitas sobre a origem ilícita desse património", indexado a operações de lavagem de dinheiro.

"Esta ação do tribunal em Luanda é, também ela, uma chamada de atenção, apesar de não envolver diretamente bens em Portugal, para as autoridades portuguesas abrirem os olhos e fazerem as investigações que há muito tempo se exigem sobre o património de Isabel dos Santos em Portugal", afirma João Paulo Batalha, sublinhando ainda que esta é "uma urgência que as autoridades devem assumir de imediato sem esperar por eventuais pedidos de cooperação que venham de Angola."

No caso de existr uma "dívida substancial" de Isabel dos Santos ao Estado angolano, João Paulo Batalha admite que o património arrestado em Angola não seja suficiente para cobrir essa dívida.

Além do Banco de Portugal, também a Bolsa de Valores de Lisboa diz estar atenta a eventuais implicações da decisão judicial de arresto em Angola dos bens de Isabel dos Santos.

"Origem duvidosa" dos bens

Para o jurista português Rui Verde, o problema de fundo está na "origem duvidosa" dos bens de Isabel dos Santos, obviamente com implicações em Portugal. "Todo o dinheiro que Isabel dos Santos tem investido em Portugal passa a estar sob escrutínio a partir do momento em que a sua fonte é duvidosa. O dinheiro que está investido no EuroBic passa a estar sujeito a escrutínio. O dinheiro que está na Galp é referido diretamente na sentença. Portanto, pode-se considerar que a participação de Isabel dos Santos na Galp é ilícita", explica.

Agora, defende o professor visitante da Universidade de Oxford, "só resta às autoridades portuguesas, quer as autoridades de supervisão, quer as autoridades de investigação criminal atuar, porque neste momento a fonte da fortuna de Isabel dos Santos já declarou que há fortes suspeitas de ilegalidades."

Portugal Power Solutions Oeiras
Sede da Efacec em Oeiras, PortugalFoto: DW/J. Carlos

Para Rui Verde, "a partir do momento em que Angola se declara que a fortuna de Isabel dos Santos foi obtida com o conluio do Presidente [José Eduardo dos Santos] e de forma ilícita, automaticamente as autoridades portuguesas são obrigadas a atuar. É um imperativo legal. E será Isabel dos Santos que terá que justificar a origem dos seus fundos em Portugal e em Angola."

O jurista esclarece que apenas os fundos que não tenham origem em Angola poderão escapar a esta vigilância renovada. Para Rui Verde, "o facto formal novo" é a decisão de um tribunal angolano, "que coloca em crise toda a origem da fortuna de Isabel dos Santos".

Um problema de "prestígio e credibilidade"

Por sua vez, o economista angolano Jonuel Gonçalves, considera que o simples facto de os reguladores - Banco de Portugal e Bolsa de Valores de Lisboa -  serem obrigados a tomar medidas de precaução face ao arresto de bens de Isabel dos Santos em Angola "já levanta muitos problemas de prestígio e de credibilidade" em relação à empresária angolana.

"Vai ser muito difícil que ela movimente para fora da zona euro - isto no caso de Portugal - capitais importantes a partir das suas contas bancárias", afirma Jonuel Gonçalves. Quanto ao congelamento de bens, entende que vai depender do nível mais alto nas acusações em Angola fruto do julgamento em relacionadas com estas acusações, de modo a demonstrar que há uma relação entre todas as empresas ligadas a ela ou que são propriedade de Isabel dos Santos.

Em entrevista ao jornal português "Público", Isabel dos Santos garantiu que o arresto de bens "não tem nenhum impacto ou efeito em investimentos fora de Angola, pelo que não produz efeito, direto ou indireto, em Portugal ou em outros países".

Nas redes sociais, correm comentários segundo os quais o arresto de bens de Isabel dos Santos ajudará a expor a "bajulação" da elite portuguesa.