Biografia de Hitler lembra como uma democracia vira ditadura
24 de novembro de 2018A cultura alemã da memória está sob ataque dos populistas de direita. Eles querem o fim da abordagem autocrítica da era nacional-socialista, declarando-a um mero interlúdio numa história, de resto, gloriosa. Exemplo disso foi a declaração do presidente do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Alexander Gauland, minimizando Adolf Hitler e os nazistas como um "cocô de passarinho em nossa história mais do que milenar".
Para o historiador e jornalista Volker Ullrich, declarações como essa são perigosas do ponto de vista histórico-político: "Quem pratica esse tipo de manipulação eufemística da história deve saber que está balançando os fundamentos da república", condena Ullrich, que acaba de publicar o segundo e último volume de sua biografia de Hitler.
Ele apresenta o "caso Hitler" como um exemplo cautelar, demonstrativo da rapidez com que a democracia pode ser desmontada e de quão fina é a camada separando a civilização da barbárie.
Já em seu primeiro volume, lançado em 2013, sobre os anos anteriores à eclosão da Segunda Guerra Mundial, Ullrich colocara a pessoa do ditador no centro de sua análise – na contramão da tendência predominante na pesquisa sobre o nazismo, há anos concentrada de forma crescente nas condições estruturais que levaram à ascensão e domínio nacional-socialista.
O historiador não deixa essas questões de fora, mas ao mesmo tempo enfatiza as características pessoais de Hitler que fizeram dele um "Führer" tão atraente para tantos alemães: seu talento de ator, sua força como orador de massa e organizador, assim como a esperteza em adaptar-se rapidamente a mudanças na situação política.
Hitler como pessoa
Nas 894 páginas do segundo volume, Adolf Hitler – Die Jahre des Untergangs 1939-1945 (literalmente: Os anos da queda), o biógrafo prossegue de forma consequente, sobretudo na avaliação do papel do líder nazista como supremo senhor da guerra e no Holocausto.
Sua tese é que se, por um lado, o assassinato dos judeus europeus não teria sido possível sem milhares de ajudantes, ele tampouco o seria sem a pessoa do ditador nascido na Áustria. Já na radicalização da política para com os judeus até 1939, ele detinha o controle sobre a sequência das ações, como última instância – um padrão que se repetiu nos tempos de guerra.
Ullrich mostra que o genocídio não foi precedido apenas pela declaração geral de intenção de Hitler pelo extermínio sistemático dos judeus europeus: em diversos casos foi necessária sua aprovação pessoal – fosse para obrigar os semitas a portar a estrela de Davi ou para deportá-los do território do Reich.
Foi no papel de supremo senhor da guerra que vieram à tona os déficits pessoais do ditador, acredita Ullrich. Entre eles, não só a propensão a subestimar o adversário, como a muito mais grave tendência de apostar tudo numa carta só.
Hitler reagiu com acessos de ira e ódio às derrotas no front oriental, achando que sabia tudo melhor e punindo também pessoalmente os membros do comando supremo da Wehrmacht. Contrariando o costume até então, nas reuniões estratégicas ele não dava mais a mão a nenhum dos presentes, e durante um tempo deixou de participar do almoço e jantar coletivos.
O autonomeado "Feldherr" (comandante de campo) possivelmente se envergonhava diante dos militares de carreira, supõe Ullrich: "Ele permanecia longe do alto escalão não só por seu ressentimento para com os militares, mas também por não mais poder se apresentar diante deles na pose superior de comandante-gênio."
Sem desculpas para os alemães
Nascido em 1943, o historiador e jornalista Volker Ullrich dirigiu de 1990 a 2009 a seção "Livro político" no semanário hamburguês Die Zeit. Por sua atuação como publicista recebeu, entre outros, o Prêmio Alfred Kerr de 1992.
Para sua apresentação sobre Hitler, erudita e de leitura fluente, o autor pesquisou numerosos documentos de arquivo. Com essa avaliação pessoal, contudo, ele não deixa nenhuma brecha para desculpas – nem para os generais, que depois de 1945 tentaram minimizar a própria participação na catástrofe moral e militar, apontando para Hitler.
E tampouco para os alemães, em si, que após o Holocausto pretenderam de nada saber: "Desse modo, procede que apenas alguns poucos alemães sabiam tudo sobre a 'solução final', mas também eram muito poucos os que não sabiam de nada."
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