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A sombra dos nazistas na Justiça alemã do pós-guerra

18 de novembro de 2021

Relatório aponta que antigos membros do partido nazista eram maioria no Ministério Público Federal da Alemanha Ocidental até o início da década de 1970. Último ex-nazista só deixou o cargo em 1992.

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Gabinete da Procuradoria-Geral Federal da Alemanha
O Gabinete da Procuradoria-Geral Federal da Alemanha é uma das instituições mais poderosas da AlemanhaFoto: Uwe Anspach/dpa/picture alliance

O Gabinete da Procuradoria-Geral Federal da Alemanha (GBA) foi dominado nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial por procuradores que haviam sido filiados ao partido nazista, aponta um extenso estudo encomendado pelo atual procurador-geral, Peter Frank. As conclusões foram reveladas nesta quinta-feira (18/11).

Na apresentação do relatório de 600 páginas encomendado em 2017, Frank alertou que os atuais procuradores federais devem encarar o relatório como um alerta.

O relatório, que aborda especialmente o período de 1950 a 1974, revelou que, na década de 1950, cerca de 75% dos procuradores do GBA - equivalente à PGR no Brasil - haviam sido membros do partido nazista. Levaria até 1972, mais de 25 anos após a guerra, para que eles não fossem mais maioria.

Entre os procuradores federais responsáveis ​​por processos criminais em 1966, dez entre cada 11 haviam sido filiados ao partido nazista. Em 1974, esse número caiu, mas ainda era significativo: 6 de cada 15 procuradores nessa área eram ex-nazistas.

Foi somente em 1992, dois anos após a reunificação da Alemanha, que o último procurador associado ao nazismo deixou o cargo.

"Nunca houve uma ruptura clara e consciente com o passado nazista", apontaram o jurista Christoph Safferling e o historiador Friedrich Kiessling, que assinam o relatório, acrescentando que expurgar os nazistas do Ministério Público não era considerado uma grande prioridade nos primeiros anos do pós-guerra.

Nesse ponto, a antiga filiação ao partido nazista pesava menos na manutenção do emprego que outros critérios, como experiência profissional e jurídica anterior.

Com mais de 100 procuradores, o GBA é uma das instituições mais poderosas da Alemanha, lidando com os casos de segurança nacional mais graves, incluindo aqueles que envolvem terrorismo e espionagem.

As atividades dos procuradores do pós-guerra

Nos anos 1950 e no início dos anos 1960, os membros do Ministério Público Federal se dedicaram principalmente à apresentação de denúncias criminais contra comunistas.

Foi uma "continuidade do que eles já haviam praticado sob o nazismo", observou o estudo.

"Na década de 1950, o escritório do promotor federal tinha uma missão de combate - não legal, mas política: perseguir todos os comunistas do país", apontou o jornal Süddeutsche Zeitung em um resumo do relatório.

A Guerra Fria e o conflito Leste-Oeste dominavam a política da época. Para os procuradores, proteger o Estado significava, acima de tudo, "proteção contra a subversão e infiltração comunista por um Oriente ameaçador", aponta o estudo.

O Gabinete da Procuradoria-Geral Federal da Alemanha conduziu milhares de investigações e obteve centenas de condenações criminais junto ao Tribunal de Justiça Federal da Alemanha, concluiu o estudo, acrescentando que a apresentação de acusações contra criminosos nazistas era comparativamente bastante baixa.

Nazistas em altos-cargos

O fato de a Alemanha Ocidental ter usado amplamente ex-funcionários do regime nazista em sua administração do pós-guerra era conhecido há muito tempo. Alguns casos, inclusive, geraram repúdio mesmo à época.

Por exemplo, Hans Globke serviu como chefe de gabinete e assessor de confiança do ex-chanceler federal da Alemanha Ocidental Konrad Adenauer, entre 1953 e 1963, e foi responsável por recrutar funcionários para cargos importantes.

No entanto, Globke também havia sido um alto-assessor no Ministério do Interior durante a era nazista e esteve envolvido diretamente na elaboração das Leis Raciais de Nurembergue de 1935, que impuseram as primeiras restrições para excluir os judeus da sociedade alemã

Um relatório do governo federal revelou em 2016 que em 1957, mais de uma década após o fim da guerra, cerca de 77% dos altos funcionários do Ministério da Justiça haviam sido membros do partido nazista.

Esse estudo também revelou que o número de ex-nazistas no ministério não diminuiu após a queda do regime, mas chegou até a aumentar na década de 1950.

Parte da justificativa era um pragmatismo cínico: a nova república precisava de funcionários públicos experientes para estabelecer um sistema de Justiça para a Alemanha Ocidental.

Além disso, as prioridades dos Aliados que ganharam a guerra e libertaram o país dos nazistas foram rapidamente deixadas de lado no contexto da Guerra Fria. Depois de algumas tentativas de desnazificar a Alemanha Ocidental imediatamente após 1945, a prioridade mudou gradualmente para a construção de um baluarte capitalista contra a ameaça comunista, tendência que se acentuou em 1949, com a criação da República Federal da Alemanha.

Essa abordagem muitas vezes significava fechar os olhos para o envolvimento anterior de muitos alemães no Terceiro Reich.

jps/lf (DW, AFP, ots)