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SociedadeCamarões

Violência quotidiana nos Camarões sem fim à vista

Adrian Kriesch
5 de janeiro de 2021

A guerra civil prolonga-se há quatro anos nos Camarões, onde os separatistas lutam pelo seu próprio Estado. Governo e rebeldes recusam-se a encetar um diálogo sério. E quem paga é a população, que continua a sofrer.

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Funeral de Nsoh Macpeace, de 8 anos, em BamendaFoto: Adrian Kriesch/DW

"Continua a conduzir", grita um soldado em pleno centro de Bamenda, o centro económico do noroeste dos Camarões. Parámos porque há uma enorme poça de sangue no chão da rua. "Talvez seja apenas sangue animal, ainda estamos a investigar", diz o soldado.

Os soldados vão de casa em casa. Uma rua acima, muitos jovens são levados para um camião porque não têm identificação. "Temos medo dos militares", confessa um jovem moto-taxista.

A violência tem vindo a aumentar nos Camarões desde 2016. Nessa altura, um grupo de advogados saiu à rua em Bamenda para protestar contra a negligência a que tem sido votada a minoria de língua inglesa no oeste deste país da África Central. Muitos setores da sociedade civil aderiram ao protesto.

Na década de 1960, os Camarões tornaram-se independentes, e um antigo território francófono e outro de língua inglesa fundiram-se. Oficialmente, desde então há duas línguas oficiais, dois sistemas educativos e dois sistemas jurídicos.

Mas na realidade, a minoria no Ocidente anglófono dos Camarões sente-se oprimida e desfavorecida há anos. Em 2016, o Governo reagiu com violência aos protestos pacíficos, que fizeram pelo menos seis vítimas mortais. Como resultado, formaram-se vários grupos de resistência armada. A situação continua a agravar-se e está fora de controlo.

Uma figura paterna ausente

O presidente da câmara de Bamenda, Paul Achobang, é membro do partido do Presidente da República, Paul Biya, que está no poder nos Camarões há quase 40 anos. Desde que a crise começou, o governante de 87 anos não visitou a região uma única vez, mas passou semanas alojado em hotéis de luxo na Suíça, onde reservou andares inteiros.

Paul Biya - cujo retrato olha permanentemente por cima do ombro do presidente da câmara, atrás da sua secretária - é uma típica figura paterna. Ele quer o melhor para todos, diz, e ofereceu a todos uma amnistia. Se a região foi negligenciada, foi porque os parlamentares eram demasiado preguiçosos ou o bolo era demasiado pequeno, acredita o autarca.

Bamendas Bürgermeister Paul Achobang
O autarca de Bamenda, Paul Achobang, continua a apoiar o Presidente Paul BiyaFoto: Adrian Kriesch/DW

Afinal de contas, o Governo até gostaria de reparar as estradas, mas nenhuma empresa quer aceitar este trabalho demasiado perigoso. "Será Paul Biya a razão?", pergunta Achobang, respondendo imediatamente a si próprio: "Não, o povo de Bamenda".

Além disso, diz o autarca, a situação na cidade já melhorou significativamente, em parte graças à "Operação Bamenda Limpa", na qual os militares têm vindo a aumentar a sua presença nas últimas semanas. "Mais cedo ou mais tarde, deixaremos de ouvir tiros aqui na cidade", anuncia Paul Achobang.

Algumas horas depois, voltamos a ouvir tiros e uma explosão em Bamenda. Dois dias mais tarde, Nsoh Macpeace, de 8 anos, foi a enterrar. Foi vítima dos combates entre separatistas e soldados, mesmo à porta da sua casa. Uma granada explodiu quando a criança saiu de casa. "É como se esta explosão estivesse à espera da criança", diz a sua tia Gladys Kum, que mal consegue ficar de pé devido à dor e às lágrimas. "Quanto tempo é que isto vai durar? Quanto tempo?", pergunta.

A cidade do medo

Bamenda é uma cidade com medo - de ataques de soldados e de ataques de separatistas. Todos aqui conhecem alguém que foi raptado. Até as crianças têm medo de raptos e ataques de separatistas quando passeiam pela cidade em uniformes escolares.

No campo, a maioria das escolas ainda estão fechadas. Já é assim há quatro anos. Um encerramento forçado por separatistas que querem exercer pressão sobre o Governo desta forma. Em outubro de 2020, sete estudantes foram mortos num ataque a uma escola na cidade de Kumba.

Kamerun Beerdigung Nsoh Macpeace in Bamenda
Nsoh Macpeace, de 8 anos, foi vítima do fogo cruzado entre separatistas e soldados Foto: Adrian Kriesch/DW

Soldados bêbados, separatistas armados

Conduzimos até à aldeia de Numba. A estrada está cheia de postos de controlo, onde as forças de segurança bebem álcool e recolhem subornos abertamente. Pouco tempo depois, um grupo de separatistas, armados com espingardas e catanas, detém-nos. O seu líder, Kevin, apresenta-se como antigo aluno na Universidade de Bamenda, enquanto ao seu lado outro separatista conta as notas recolhidas nos carros que passam. Isto não é dinheiro de proteção, diz Kevin, mas sim uma contribuição voluntária da população para os combatentes. Os maus da fita são apenas os soldados, diz: "Violam, queimam casas. Até mulheres jovens violam".

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Em Numba, o pastor Roland Arrey está cansado de ouvir estas recriminações. "Ambos os lados querem contar a sua história para afirmar que estão a ganhar", diz Arrey. "Mas ninguém quer um verdadeiro diálogo. As crianças estão a morrer e culpam-se uns aos outros. Eles estão a brincar com a vida das pessoas".

Tanto os militares como os separatistas, alegadamente, estarão a beneficiar financeiramente do conflito. O Governo prendeu importantes líderes separatistas. Entretanto, os muitos grupos já não falam a uma só voz, alguns já agem como bandidos.

Inicialmente, muitos habitantes da aldeia simpatizavam com os separatistas, mas isso mudou. O padre Arrey caminha pela escola destruída na aldeia com os olhos abatidos. Há livros de exercícios rasgados no chão e bancos destruídos. A escola deveria reabrir em setembro, mas os separatistas afastaram os professores. "Como é que uma comunidade como esta pode construir um futuro com crianças que não frequentam a escola?", pergunta o clérigo.

Diálogo?

Apesar de toda a frustração, Roland Arrey construiu um centro de lazer em Numba - um sinal de esperança. Aqui, os jovens recebem formação, como cabeleireiros ou alfaiates, e também existe um programa escolar alternativo para as crianças três vezes por semana. As aulas são dadas por dois voluntários da aldeia: num canto, uma mulher ensina os mais velhos a escrever, noutro, uma mulher lê um livro aos mais novos.

Este centro é uma bênção, diz o padre Arrey de Numba e sorri. Sem esperança, a vida deixaria de ter qualquer valor, conclui.

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