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Portugal: Jovem angolano denuncia violência policial

22 de janeiro de 2019

Hortêncio Coxi foi constituído arguido na sequência de confrontos entre moradores de bairro do Seixal e agentes da polícia, no domingo. Esta segunda-feira, manifestação contra violência e racismo acabou em desacatos.

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Hortencio Coxi
Foto: DW/J. Carlos

O jovem angolano Hortêncio Coxi, suspeito de arremessar pedras contra a polícia num incidente ocorrido este domingo (20.01) entre moradores do Bairro da Jamaica, na margem Sul do rio Tejo, e agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) saiu em liberdade, mas foi constituído arguido, depois de ter sido ouvido na segunda-feira, no Tribunal do Seixal.

Em declarações à DW África, a família Coxi afirma que vai levar o caso até ás últimas consequências, até que a justiça seja feita, condenando o comportamento brutal da polícia.

Entretanto, na tarde de segunda-feira (21.01), quatro pessoas terão sido detidas pela PSP depois de uma manifestação dos moradores do Bairro da Jamaica na Avenida da Liberdade, em Lisboa, para dizer "basta" à violência policial e "abaixo o racismo". A Polícia de Segurança Pública admitiu que teve de disparar projéteis de borracha "para o ar", na sequência do apedrejamento de agentes por moradores do bairro social.

Intervenção da PSP resulta em confrontos

O protesto teve como motivo a intervenção policial realizada no domingo de manhã no Bairro da Jamaica. Tudo começou quando a PSP foi chamada ao bairro devido a desentendimentos entre dois grupos de mulheres rivais que se encontravam numa festa de aniversário num café local, conta Hortêncio Coxi: "A dona do estabelecimento, como viu que aquilo podia dar briga, tirou todo o mundo para fora para acabar com a festa. Quando todo o mundo estava lá fora (eu estava a três metros, afastado da confusão) uma das raparigas telefonou à polícia".

Portugal: Jovem angolano denuncia violência policial

De acordo com uma das versões a circular na imprensa, os agentes da Esquadra de Cruz de Pau e Amora, reforçados com elementos da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão do Seixal, terão sido recebidos com arremesso de objetos, o que obrigou ao uso da força para fazer face ao clima de tensão que se gerou com a presença policial.

Um vídeo amador posto a circular pouco depois, através das redes sociais, mostra o momento das agressões entre a polícia e um grupo de moradores do bairro da Jamaica, no Seixal.

Família agredida

Hortêncio, entretanto constituído arguido e que vai responder em liberdade no âmbito deste processo, foi uma das vítimas, entre os elementos da família Coxi, com ferimentos na cabeça e na orelha.

"Um dos agentes empurrou-me, bati com a coluna num pilar. Quando volto, os outros dois colegas começaram a dar-me com um bastão de metal. Fui para o chão, começaram a dar-me pontapés. Quando me levanto, a atirar a mão para tentar arranjar uma maneira de fugir, um dos meus braços toca na boca de um dos agentes. Quando consegui fugir, eles foram de novo atrás de mim, apanharam-me e continuaram a bater-me", descreve.

No meio da confusão envolvendo outros jovens, a polícia também agrediu Fernando, o pai, e depois Julieta, a mãe, e uma irmã do jovem, a Aurora, que saíram em defesa de Hortêncio.

"Vejo polícias a bater no meu filho. Fiz todo o esforço, tive de puxar o miúdo para trás e o polícia começou a bater-me. Eu perguntei-lhe porquê, não saí com qualquer [objeto] de defesa na mão: faca, garrafa ou qualquer outra coisa", conta Fernando Coxi.

Na tarde desta segunda-feira, a DW África dirigiu-se à Esquadra da Polícia de Cruz de Pau e Amora para obter a versão das autoridades sobre os acontecimentos, mas sem sucesso. O agente remeteu-nos para o Núcleo das Relações Públicas do Comando Distrital de Setúbal.

Coxi Familie
Família Coxi com o advogado José Semedo Fernandes (ao centro) junto ao Tribunal do Seixal.Foto: DW/J. Carlos

Coxi avançam com queixa

Pouco depois da divulgação do vídeo nas redes sociais, a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública anunciou, através de comunicado, que mandou abrir um inquérito para averiguar internamente os factos da intervenção policial e todas as circunstâncias que a rodearam. De acordo com a nota, "o inquérito correrá os seus trâmites na Inspeção Nacional da PSP, sem prejuízo de outras averiguações que venham a ser instauradas por outras entidades competentes".

A família Coxi, que já denunciou a violência policial pela voz de Fernando, diz que não vai ficar de braços cruzados. Vai avançar com uma queixa pelo uso excessivo de força por parte dos agentes da polícia. "Isso não vai terminar assim, vamos recorrer. Nós também somos pessoas, não somos animais. Trabalhamos, contribuímos para o desenvolvimento deste país e eles não nos tratam como seres humanos. Ainda pensam que continuamos [sob] o jugo deles", afirma o pai de Hortêncio Coxi.

O advogado da família, José Semedo Fernandes, que defende Hortêncio Coxi neste caso, fala em responsabilização dos agentes envolvidos nas agressões: "É de se prever e é o que nós queremos. Essa responsabilização está em cima da mesa porque não é o primeiro caso que acontece algo desse género”.

Segundo Semedo Fernandos, os casos são vários e "a única diferença deste caso para outros casos é que foi filmado".

"É necessário que haja uma intervenção musculada por parte da própria instituição e a primeira coisa a acontecer é reconhecerem que há um problema grave dentro da instituição [policial] que deve ser resolvido, que é a violência sobre as pessoas que têm menos rendimentos e que vivem em bairros sociais", diz o advogado.

Portugal PSP - Polizeistation in Amora
Esquadra da PSP de Cruz de Pau, na Amora.Foto: DW/J. Carlos

Comunidade angolana atenta

Ainda no domingo, uma equipa do Consulado-Geral de Angola, encabeçada por Mário Silva, vice-cônsul para o setor das Comunidades, deslocou-se ao local dos incidentes para se inteirar do episódio e prestar apoio à família agredida.

David Gourgel, da Associação Fórum dos Jovens Angolanos em Portugal (AFJAP), também lamenta o excesso dos agentes da polícia portuguesa.

"Pretendemos agora que não haja mais tumultos, quer da parte da força policial quer dos próprios moradores do bairro da Jamaica. A intenção é passar uma imagem de paz e os tribunais vão então decidir quem tem razão. O nosso trabalho neste momento é esse", sublinha.

A SOS Racismo, que se deslocou ao bairro e ouviu os testemunhos das vítimas e dos cidadãos que presenciaram a ação dos agentes, também condena veementemente a atuação da PSP e, por este não ser um caso isolado, defende que as agressões policiais não podem ficar impunes, classificando-as como "absolutamente injustificáveis e inaceitáveis" num comunicado divulgado no domingo.

A associação  exige o apuramento das responsabilidades, "independentemente das circunstâncias e dos contornos em que aconteceu o caso". Perante mais este incidente e para que se faça justiça, o SOS Racismo fez saber que, nos próximos dias, irá apresentar queixa ao Ministério Público contra os agentes policiais envolvidos.