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SociedadeQuénia

Consumo de drogas: Uma crise silenciosa cresce em África

Chrispin Mwakideu | Edith Kimani | Elizabeth Shoo
20 de julho de 2022

A Organização Mundial de Saúde alerta que muitos jovens africanos estão a consumir cada vez mais drogas. A ONU estima que até 2030, o número de consumidores de drogas em África terá aumentado substancialmente.

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Foto: Westend61/imago images

O cenário é bizarro quando se entra em casa de Asia Bianca e do seu marido, na cidade costeira de Malindi, no Quénia. Veem-se os chinelos de uma criança cheios de pontas de cigarro e parafernália de drogas. Esta não é uma casa comum.

Os chinelos pertenciam à filha do casal, que morreu seis meses após o nascimento.

"Quando fomos para a cama, ela estava bem. Depois, quando acordei, ela estava a espumar da boca. Fiquei com medo e rezei para que, quando estava drogada com heroína, não lhe tivesse tocado com a mão ou a perna, sufocando-a", diz Bianca, visivelmente abatida, à DW.

Apesar de os médicos terem excluído essa possibilidade como causa da morte da criança, Bianca ainda carrega a culpa. A jovem de 20 anos e o marido estão entre os 3.000 utilizadores ativos de drogas injetáveis em Malindi.

Asia Bianca revelou que começou a consumir drogas com o ex-namorado, que lhe oferecia secretamente cigarros com heroína. Quando se apercebeu do que estava a acontecer, já estava viciada.

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Asia BiancaFoto: DW

O que é o abuso de drogas e substâncias?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreve o abuso de substâncias como o uso nocivo ou perigoso de substâncias psicoativas, incluindo álcool e drogas ilícitas.

A OMS também diz que o consumo de drogas ilícitas tem consequências nefastas para a saúde e para a sociedade, uma vez que constitui uma despesa financeira não só para os seus utilizadores, mas também para as suas famílias e para a sociedade em geral.

"O Governo esqueceu-se de nós. Somos abandonados sem casa, andamos doentes pelas ruas, pelo que não temos outra escolha senão apoiarmo-nos uns aos outros", explica Yassir Abdallah, consumidor de drogas que se encontra em recuperação em Malindi.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que até 2030o número de consumidores de drogas em África terá aumentado em 40%.

Em África, os toxicodependentes sofrem frequentemente de discriminação e falta de apoio, o que dificulta a recuperação das suas vidas.

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A partilha de agulhas ao injectar drogas pode levar a infeções por HIV/SIDA e hepatite.Foto: picture-alliance/dpa/M. Simaitis

"Normalmente, estas pessoas precisam de tratamento e de muita atenção", afirma Richard Opare, profissional de gestão de toxicodependentes na capital do Gana, Acra. "Quando entram nos centros de reabilitação, muitos dos toxicodependentes vêm quando não estão prontos", acrescenta.

Opare, ex-toxicodependente, explica que o rastreio é realizado para determinar o tipo de droga que o toxicodependente está a consumir.

Após o rastreio, os terapeutas realizam uma avaliação para determinar a gravidade do problema. Depois disso, a pessoa entra numa fase de desintoxicação, onde obtém cuidados médicos para garantir o seu bem-estar. 

Heroína e cocaína em trânsito

A cidade de Malindi, mais conhecida pelas suas praias de areia branca e turistas italianos, regista um dos maiores números de viciados em heroína do Quénia.

Tal como a maioria das cidades costeiras do país da África Oriental, os traficantes internacionais utilizam-na como ponto de tráfico para as drogas que provêm do Afeganistão para o Ocidente.

De acordo com a agência das Nações Unidas contra a droga (UNODC), a droga ilícita mais frequentemente consumida no continente é a canábis. A segunda classe de drogas mais frequentemente consumida em África, atualmente, é a dos estimulantes do tipo anfetaminas (ATS), que incluem "ecstasy" e metanfetaminas.

Há também um número crescente de utilizadores de drogas que injetam substâncias. A prática é considerada particularmente arriscada, uma vez que a partilha de agulhas e seringas contaminadas é um dos principais modos de transmissão de vírus como o VIH, hepatite B, e C.

Na África Ocidental, a Guiné-Bissau é considerada um importante centro do tráfico de droga, especialmente de cocaína.

A Guiné-Bissau começou a sua transformação num narcoestado em 2005, quando o Presidente João Bernardo "Nino" Vieira - que governou o país entre 1980 e 1999 - foi reeleito, após regressar de seis anos de exílio em Portugal.

"Os senhores da droga sentem-se em casa na Guiné-Bissau, é como se estivessem no paraíso", afirma Calvario Ahukharie, antigo chefe da Interpol na Guiné-Bissau.

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​​​​Sala de aula transformada em galinheiro durante o confinamento, em 2020, no Quénia.Foto: Baz Ratner/Reuters

COVID e abuso de substâncias

Especialistas dizem que a pandemia, o desemprego, o elevado custo de vida e a falta de perspectivas criaram uma "tempestade perfeita" para o consumo de drogas e substâncias ilícitas em África.

"Quando as escolas fecharam [durante o confinamento da Covid-19], o número de jovens consumidores de drogas disparou", diz Alphonse Maina, voluntário do Projecto Omari, um centro de reabilitação comunitário em Malindi. "Em Malindi, se não se consome heroína, consome-se Khat, fuma-se marijuana ou cigarros", explica.

Observadores como Maina dizem que as pessoas devem tratar o abuso de drogas como uma condição médica, e não como um crime. Além disso, os peritos consideram fundamental combater o estigma e proporcionar aos indivíduos reabilitação e cuidados médicos gratuitos.

"Se fores detido com uma pequena quantidade de heroína ou cocaína para uso pessoal és detido por 15 anos", aponta Wamala Twaibu, da Rede de Redução de Danos do Uganda.

A sua iniciativa tem sido criticada por oferecer apoio legal aos detidos por injeção de drogas como a heroína.

"Portanto, a lei não é justa. E o que está a acontecer é que a aplicação da lei está a usar a lei para extorquir. Obter dinheiro destas comunidades, já de si desfavorecidas", acusa Wamala Twaibu.

Para Asia Bianca, o seu único apoio neste momento é o marido, também consumidor de drogas.

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