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Órgão de proteção civil “esquecido” em plena pandemia

30 de março de 2021

Autarquia criada durante a Guerra Fria para lidar com catástrofes já tinha até plano de contingência para uma pandemia, mas acabou sendo ignorada. Órgão tenta se reconfigurar em busca de maior relevância.

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Bandeiras e placa com o nome em alemão do Departamento de Proteção e Ajuda em Desastres (BBK) da Alemanha, sediado em Bonn
Departamento de Proteção e Ajuda em Desastres (BBK) da Alemanha, sediado em BonnFoto: Christoph Hardt/Future Image/imago images

Os moribundos vivem mais tempo. Principalmente se o seu ramo for o da sobrevivência. Isso se aplica a uma autoridade federal alemã de nome extenso, o Departamento de Proteção e Ajuda em Desastres (BBK, na sigla em alemão).

O órgão de mais de 50 anos foi criado durante a Guerra Fria e foi dissolvido em 2001, somente para ser ressuscitado em 2004, e então, esquecido. Os cenários apocalípticos haviam saído de cena.

Mas, o BBK é um departamento que, rotineiramente, se mantém pronto para o pior, antecipando catástrofes e simulando cenários apocalípticos. de modo a estar preparado.

O órgão, inclusive, já havia simulado uma pandemia em 2007, em um amplo exercício. Em 2012, os especialistas do BBK, criaram em colaboração com o Instituto Robert Koch (RKI) – a agência governamental de controle e prevenção de doenças da Alemanha – uma análise de risco compreensiva, com um modelo bastante semelhante à pandemia de covid-19.

O cenário descreve um novo vírus se disseminando em todo o mundo a partir da Ásia, com a Alemanha sendo sacudida por três ondas da doença fictícia batizada de "vírus Modi-Sars”. Previu-se, entre outras coisas, problemas no abastecimento de produtos farmacêuticos, equipamentos de proteção e desinfetantes, o que se tornou real em 2020. Mas, como os alertas estavam muito distantes, o estudo acabou desaparecendo em alguma gaveta.

De quem é a responsabilidade?

A explicação para isso veio com a resposta do governo federal da Alemanha a um pedido da representação do partido A Esquerda no Bundestag (Parlamento alemão) em julho do ano passado. Os parlamentares queriam saber até que ponto o governo havia adotado medidas que estivessem de acordo com a análise de risco de 2012, para assegurar que a população estivesse abastecida de equipamentos de proteção.

O governo federal, porém, se eximiu de suas responsabilidades ao afirmar que "não tinha conhecimento de quaisquer medidas adotadas pelos estados [...] dentro do escopo de suas responsabilidades de saúde e controle de desastres”.

No que diz respeito à diferença de competências entre o governo federal e os estados, o problema central seria que, de acordo com a Constituição, o governo federal é responsável por proteger a população apenas em momentos de tensão em questões relacionadas à defesa. No caso de desastres e das medidas de precaução adequadas, a responsabilidade seria dos governos estaduais.

O resultado é uma situação paradoxal. Existe no BBK uma autoridade de proteção a catástrofes, como se tivesse sido criada justamente para lidar com o maior desafio imposto ao país desde a Segunda Guerra Mundial, que é como a chanceler federal, Angela Merkel, costuma se referir à crise do coronavírus.

Contudo, esse departamento não tem quase nenhuma competência, o que levanta a seguinte questão: o que fazem de fato os cerca de 400 funcionários do BBK? Para que são usados os seus 18 helicópteros? Por tudo isso, se fala cada vez mais em um "escritório esquecido”.

Estratégia para recuperar relevância

Armin Schuster, um politico da União Democrata Cristã (CDU) de Merkel, preside o BBK desde o ano passado. Em meados de março, o ex-policial, juntamente com o ministro alemão do interior, Horst Seehofer, apresentou um plano para a reconfiguração de sua autoridade.

Schuster anunciou uma "ofensiva de proteção civil”. Seu conceito para essa reconfiguração inclui um programa de oito pontos. O chefe do BBK tem pressa para a implementação. "Em vista da situação atual, queremos fazer as primeiras mudanças visíveis ainda neste período legislativo, assim, queremos implementar três ou quatro projetos rapidamente”, afirmou.

"É importante para mim que tenhamos iniciado muita coisa antes de que o foco principal esteja nas eleições federais [em setembro], negociações de coalizão e de formação do novo governo”, disse. Segundo ele, o maior objetivo a agência é "consolidar o BBK de modo muito mais firme na consciência da população, como a agência de administração de crises à qual se deve recorrer”.

Em todo o caso, nove milhões de alemães já possuem o BBK em seus bolsos. Eles baixaram o aplicativo NINA de alerta de catástrofes em seus smartfones. Ele não avisa somente sobre enchentes ou tempestades, mas também traz informações sobre o processo de infecção e as restrições que estão sendo aplicadas regionalmente.

Quadro geral da situação

Talvez o BBK possa ganhar seu um papel na crise do coronavírus com a tal ofensiva, chamada de Centro de Competência Conjunta para a Proteção Civil. Armin Schuster tem grandes expectativas.

 "Trabalhamos com a ideia de que podemos usá-lo para fornecer uma perspectiva bem mais compreensiva sobre a situação, como um quadro integrado de todas as competências, reservas e situações operacionais de todos os envolvidos, seja o governo federal, estados, municípios ou organizações de ajuda”.

De fato, uma perspectiva mas ampla é algo que está em falta. Há uma vasto número de atores que trabalham lado a lado em diferentes níveis e em uma ampla gama de autoridades. O BBK quer trazer todos estes sobre a mesma mesa. Já há, inclusive uma bem equipada central de controle na sede do órgão em Bonn.

Alguns políticos também defendem que o BBK deve obter maior relevância, de modo a melhorar a coordenação dos esforços em tempos de crise. Mas, o BBK não conseguirá alçar voos tão altos sem uma mudança através de uma emenda à Constituição que dê ao governo federal maiores poderes para lidar com catástrofes.

Schuster, por hora, conta somente com a boa vontade. O BBK quer ser a rede-matriz, impulsionador e coordenador da ajuda, afirma o chefe da agência. Para ele, a raiz do problema não é tanto a questão legal, mas sim, estaria centrada na pergunta: "o BBK é conhecido por sua competência e tem suficiente aceitação?”

O BBK somente pode agir em momentos de catástrofe, e se for requisitado a fazê-lo pelos estados ou ministérios. "Tudo o que sabemos sobre situações de tensão e de defesa podem, é claro, ser aplicados em grau bastante alto no caso de incêndios florestais, desastres naturais ou em uma pandemia. Por esse motivo, seria absurdo não utilizar esse know-how”, disse Schuster.

o Ministério da Saúde pediu agora há pouco a assistência administrativa do BBK. As duas entidades trabalham para uma reserva nacional de proteção. Isso, porém, poderia ter sido criado após os alertas da análise de risco de 2012. Mas, enfim, antes tarde do que nunca.