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"Sucesso da AfD é comparável à ascensão dos nazistas"

Sarah Judith Hofmann ca
28 de setembro de 2017

Forma como se reagiu em 1930 às crises, à insegurança e aos preconceitos é comparável ao que aconteceu na Alemanha entre 2015 e 2017, afirma o historiador teuto-israelense Moshe Zimmermann em entrevista.

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Alexander Gauland
Líder da AfD Alexander Gauland ficou conhecido por suas polêmicas declarações antes do pleito federalFoto: picture-alliance/dpa/G. Fischer

Em entrevista à Deutsche Welle, o historiador teuto-israelense Moshe Zimmermann, autor do livro Deutsche gegen Deutsche (Alemães contra alemães), afirma ter ficado angustiado com a ascensão do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) ao Bundestag (Parlamento)

Nas eleições parlamentares realizadas na Alemanha no último domingo (24/09), a AfD obteve 12,6% dos votos, sendo o terceiro partido mais votado e superando a cláusula de barreira de 5% para entrar no Parlamento. Segundo Zimmermann, "um potencial nazista entrou no Bundestag."

Leia também: Seis explicações para o sucesso da AfD

Quanto ao silêncio do governo em Tel Aviv sobre a ascensão do populismo de direita na Alemanha, Zimmermann afirmou: "Israel aprendeu com o tempo a ver antissemitismo e racismo somente onde se percebem críticas aos israelenses."

DW: Na noite da eleição, o que lhe passou pela cabeça quando as projeções iniciais indicaram quase 13% dos votos para o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD)?

Moshe Zimmermann
Moshe Zimmermann: "Pode-se esperar que a resistência de hoje aos radicais de direita seja mais enérgica e mais ampla que na década de 1930"Foto: DW/Sarah Hofmann

Moshe Zimmermann: Fiquei aliviado. Porque eu esperava 15%. Pelo menos foram dois pontos percentuais a menos.

Ou seja, você não ficou chocado?

Eu sou um historiador, sigo de perto a história. Antes da eleição, examinei todos os dias os resultados das pesquisas de intenção de voto. Sabia qual era a direção. Anteriormente, estive duas semanas em Berlim, pude ver os cartazes eleitorais da AfD e assistir aos debates na TV. Para mim, foi muito angustiante a certeza de que, pela primeira vez, um partido radical de direita ultrapassaria a cláusula de 5% dos votos para entrar no Bundestag [Parlamento alemão].

Antes da eleição, o ministro do Exterior e vice de Merkel, Sigmar Gabriel, havia afirmado que se a AfD entrasse no Bundestag, seria "a primeira vez em mais de 70 anos que os nazistas falarão no prédio do Reichstag". Como historiador, como você vê essa comparação com os nazistas? É legítimo?

Sempre que se usa a palavra nazista, exagera-se naturalmente. Os nazistas de hoje não são os nazistas de antigamente. Esse exagero faz com que tais comparações sejam retiradas posteriormente. Mas eu diria cautelosamente: um potencial nazista entrou no Bundestag. Nesse sentido, Gabriel tem razão.

Pode-se comparar o nosso tempo ao da República de Weimar?

O historiador vive da comparação. Dizemos somente que sempre vale o mutatis mutandis [com as substituições necessárias]. Isso significa que as circunstâncias mudam, mas os fenômenos são semelhantes. E a forma como se reagiu em 1930 às crises, à insegurança e aos preconceitos é comparável ao que aconteceu na Alemanha entre 2015 e 2017. Ativam-se preconceitos, estimulam-se medos, usam-se slogans e simplificações para oferecer uma solução radical de direita.

Também a surpresa que houve agora pode ser comparada àquela de setembro de 1930. Trata-se de percentuais semelhantes [Nota do editor: na eleição para o Reichstag em setembro de 1930, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), de Adolf Hitler, obteve 18,3% dos votos. Isso foi um aumento de 15,7 pontos percentuais em relação às eleições de 1928]. Para a sociedade democrática, há sempre o perigo de que tendências antidemocráticas ganhem terreno.

Agora vem a diferença: em 1930, não havia suficientes apoiadores da livre democracia, de modo que a resistência à pressão da direita foi, no final, muito fraca. Pode-se esperar que a resistência de hoje seja mais enérgica e mais ampla, como também se vê agora na cena política. Nesse sentido, a comparação leva a mais otimismo.

Justamente os alemães se orgulham de terem aprendido com a história. O que aconteceu de errado para que frases como a proferida pelo candidato da AfD Alexander Gauland – "o direito de ter orgulho do desempenho de soldados alemães em duas guerras mundiais" – conseguissem tanta popularidade?

Após 1945, também na antiga Alemanha Ocidental havia vozes que tentaram relativizar o passado sombrio. Isso não é novidade. A questão é, na verdade, como é possível que, em nível federal, essa tendência consiga obter [quase] 13% de aprovação. Esse é um problema de todo o mundo democrático ocidental. Pode-se pensar: se as falas de Trump cheias de patriotismo, egoísmo e etnocentrismo são aceitáveis, então os europeus também podem fazê-lo. E se os europeus podem, no final, os alemães também devem poder.

Desta vez, isso acontece na Alemanha, o país dos algozes. Isso é percebido de forma diferente em Israel?

Esse deveria ser o caso. Mas, absurdamente, não é. Israel aprendeu com o tempo a ver o antissemitismo e o racismo somente ali onde se percebem críticas aos israelenses. Quando não há uma posição crítica a Tel Aviv, como no caso da AfD e de outros partidos populistas de direita na Europa, então Israel perde a sua sensibilidade e olha a coisa de forma relaxada. Isso é um absurdo. E não teria acontecido 30, 40 anos atrás.

Alemanha tem protestos contra partido populista de direita

Mas Gauland disse ter certos problemas com o fato de que Angela Merkel tenha descrito a existência de Israel como razão de Estado da Alemanha. Afinal, isso significaria "empregar soldados alemães para a defesa do Estado de Israel."

E daí? Você escutou a reação do [primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu a isso?

Não.

Porque não houve nenhuma. Netanyahu é partidário da realpolitik. A primeira consideração é sempre: isso se direciona ou não contra a política israelense? E enquanto a AfD não adotar nenhuma posição clara contra Israel, nada acontece. Gauland disse que a Alemanha deve apoiar Israel. E que ele teria um problema somente com a afirmação de Merkel. Netanyahu reagiu às eleições de 24 de setembro somente dois dias depois, dizendo: nós somos contra o antissemitismo de direita e de esquerda. Ele nem sequer mencionou a palavra AfD.

Qual deveria ser a reação do governo israelense?

O governo israelense deve dizer claramente que está muito preocupado com o sucesso de uma legenda populista de direita na Alemanha. Que um partido que tolera declarações racistas e antidemocráticas não pode ser aceito por um judeu. Este é o mínimo que se pode esperar. E deve ficar claro que, como político israelense, não se manterão contatos com os políticos da AfD.

As polêmicas da AfD se dirigem principalmente contra os muçulmanos e menos contra os judeus. Talvez o antissemitismo desse partido não seja percebido?

Esta é a causa comum do populismo de direita dentro e fora Europa. O inimigo comum é o islã, os árabes. Todo o resto é secundário. Infelizmente, aqui também é assim.

No seu livro Deutsche gegen Deutsche (Alemães contra alemães, em tradução livre), você descreve o que significou a era nazista principalmente para os judeus alemães. Eles eram alemães e, de repente, se viram privados de sua identidade e combatidos pelos próprios vizinhos. Existe o perigo de que isso aconteça novamente – desta vez com os muçulmanos alemães?

Ainda que os judeus não estejam agora na mira, o tema "alemães contra alemães", que foi o foco da minha visão histórica sobre os desenvolvimentos nos anos 1930, está se repetindo há muito na Alemanha. Embora os próprios apoiadores da AfD também digam que qualquer pessoa que tenha um passaporte alemão também é alemã, não importando se ela possui histórico migratório, eles também fazem a restrição de que a dupla cidadania é outra coisa.

Eu tenho dois passaportes. Ou seja, para a AfD, eu não sou automaticamente um alemão. Ainda pior é a afirmação no caso Özoğuz [Aydan Özoğuz, deputada alemã de origem turca]. Embora ela tenha um passaporte alemão, Gauland quer definir quem é suficientemente alemão ou não.

Você está se referindo à frase de que a comissária de integração do governo federal, Aydan Özoğuz, poderia ser "descartada" na Anatólia.

Sim. E não estou falando sobre essa linguagem vulgar sobre o que se pode descartar. Falo sobre a ideia de que no momento em que a deputada social-democrata expressa a sua opinião sobre o tema da cultura alemã e isso não agrada ao político da AfD, ele recomenda que ela seja removida da Alemanha. Volta-se então à antiga questão.

Você tem um passaporte alemão e um israelense. Você votou na última eleição para o Bundestag?

Eu moro em Israel e voto no país, não na Alemanha. Seu eu morasse na Alemanha, eu teria sabido exatamente em quem votar.