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Waterboarding

11 de novembro de 2010

Para o jurista austríaco Manfred Nowak, ao reconhecer que ordenou o uso da prática conhecida como afogamento simulado, Bush também reconhece que é culpado por tortura.

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Segundo Bush, 'waterboarding' trouxe muitas informaçõesFoto: AP

A declaração do ex-presidente George W. Bush – que em seu livro de memórias afirmou ter ordenado o uso do método de tortura conhecido como waterboarding (afogamento simulado) – é suficiente para dar início a um processo penal contra ele, avalia o jurista austríaco Manfred Nowak.

"Ao reconhecer que ordenou o waterboarding, Bush também reconheceu claramente que é culpado por tortura", declarou Nowak à Deutsche Welle. Após a publicação do livro de memórias do ex-presidente, a Anistia Internacional pediu a abertura de um inquérito.

Bush Memoiren
Capa do livro de memórias de BushFoto: KINDLE

Bush descreve o waterboarding como um método eficiente, que trouxe muitas informações. Ele afirma que ordenou a prática após ter consultado assessores jurídicos. Em entrevista ao jornal londrino The Times, Bush diz que o método é moralmente defensável, legal e eficiente.

De 2004 a outubro de 2010, Nowak foi relator especial das Nações Unidas sobre a tortura e um dos autores de um relatório sobre a prisão de Guantánamo. Publicado em 2006, o relatório trouxe críticas ao governo do então presidente Bush.

Nowak não pôde visitar a prisão, e o relatório baseia-se principalmente em depoimentos de detentos e advogados e em documentos do Pentágono.

Deutsche Welle: O presidente George W. Bush reconheceu em seu livro de memórias que ordenou métodos como o chamado waterboarding após consultar assessores jurídicos e afirmou que se trata de um método muito eficiente, pois trouxe muita informação. Do ponto de vista do Direito Internacional, essa declaração é suficiente para iniciar uma investigação do ex-presidente dos Estados Unidos?

Manfred Nowak: Sim, sem dúvida. Ao reconhecer que ordenou o waterboarding, Bush também reconheceu claramente que é culpado por tortura. Essa culpa não recai exclusivamente sobre os executores, mas também sobre quem autoriza ou ordena a tortura.

Segundo a Convenção contra a Tortura das Nações Unidas, todos os países signatários, incluindo os Estados Unidos, comprometem-se a investigar qualquer caso de tortura, a criminalizá-lo e a levar os responsáveis a um tribunal penal nacional e, com base na legislação nacional, puni-los. E nos Estados Unidos existe uma legislação que pune a tortura.

Essa é a responsabilidade legal, que, é óbvio, o governo Obama tem, assim como o governo Bush a tinha. Durante o governo Bush, militares acusados de tortura na prisão de Abu Ghraib foram levados a tribunal e condenados. Se agora ele reconhece que foi ele que ordenou essas práticas, tem-se uma prova muito forte.

Mesmo que ele sustente que não se tratava de tortura. Ele se apoia em John Yoo, Jay Bybee e outros que, por meio de documentos muito questionáveis, o certificaram de que a definição de tortura era outra. Depois que o escândalo de Abu Ghraib se tornou público, esses documentos foram oficialmente postos de lado.

Ou seja: o Departamento de Justiça informou-o já em 2004 que esses documentos não são de fato confiáveis e ninguém, nem Bush nem Donald Rumsfeld, poderia apoiar-se neles de boa fé.

O senhor instou o governo Obama a iniciar uma investigação sobre os abusos cometidos durante a era Bush. Mas até agora Obama não fez nada. Que outras alternativas há do ponto de vista legal?

Manfred Nowak
Nowak: culpa também é de quem ordena a torturaFoto: picture-alliance/APA/GEORG HOCHMUTH

Obama não fez nada por causa de questões políticas. Obama anunciou a mudança e realmente há muitas mudanças. As práticas de tortura do governo Bush não são mais, desde o início do governo Obama, cometidas, assim como as extradições para prisões secretas. Pelo que sei, não há mais prisões como essas sob a supervisão da CIA. A prisão ilegal de Guantánamo segue de pé, apesar de Obama já ter deixado claro que gostaria de fechá-la imediatamente. Mas isso não depende só dele, mas também do Congresso.

O atual presidente deixou claro que não é seu interesse ajustar contas com o governo Bush, mas olhar para o futuro e transformar as coisas. Por um lado, é louvável que não busque o confronto com os republicanos, ainda que, por outro lado, viole assim suas obrigações legais.

Há poucas alternativas. Nem o governo americano nem o iraquiano reconhecem o Tribunal Penal Internacional, mas cada um dos 147 países signatários da Convenção contra a Tortura da ONU tem a obrigação de pôr em prática o princípio do direito penal internacional. Ou seja, se o presidente Bush chegar amanhã à Alemanha ou à Áustria, deveria ser detido e as autoridades judiciais desses países teriam que fazer uma investigação inicial.

A partir daí há várias possibilidades. Ou extraditá-lo para os Estados Unidos ou um outro país que solicite sua extradição para processá-lo por essas práticas; ou, caso não houvesse pedido de extradição, a Alemanha, Áustria ou qualquer outro país onde ele estivesse teriam a obrigação de processá-lo segundo sua legislação nacional.

Isso é o que prevê a Convenção contra a Tortura a ONU. Mas é uma questão política, depende de os governos estarem dispostos a fazer algo assim.

Práticas de tortura como o waterboarding foram proibidas pela Convenção da ONU contra a Tortura, mas alguns países contestam que se trate de tortura. Ela segue sendo praticada?

É um método que já era usado na Idade Média, durante a Inquisição espanhola, e infelizmente continua sendo usada hoje. Provoca um grande sofrimento e não há dúvidas de que se trata de tortura, ainda mais se usado para obter informações da vítima. O governo britânico não questiona isso, ainda que Bush tenha escrito em suas memórias que esse método ajudou a evitar ataques terroristas no Reino Unido. Nenhuma pessoa sensata colocaria em dúvida que waterboarding é um método de tortura, um método ilegal para obter informação.

Autoria: Eva Usi (as)
Revisão: Carlos Albuquerque