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Tortura no Iraque é o fim da credibilidade dos EUA

av4 de maio de 2004

Imprensa e especialistas em conflitos da Alemanha são unânimes: a responsabilidade sobre os abusos contra presos no Iraque é fruto da política equivocada de Washington.

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Humilhação na prisão de Abu GhraibFoto: AP/Courtesy of The New Yorker

As fotos do presídio de Abu Ghraib, nas vizinhanças de Bagdá, correram mundo, causando indignação. Elas mostram soldados norte-americanos torturando, abusando sexualmente e humilhando civis e militares iraquianos, justamente nos locais de tortura e execução tradicionais de Saddam Hussein. No sábado (01/05), nova revelação: soldados britânicos também estariam envolvidos em práticas semelhantes. O ministério da Defesa do Reino Unido promete investigar a autenticidade das denúncias contra suas tropas.

Verdadeiras ou não, uma coisa é certa: a imagem do "bom ocupador" caiu definitivamente por terra. O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) compara o efeito dessas imagens na Europa e nos Estados Unidos às do massacre de civis em My Lai, que deram o golpe de misericórdia na guerra do Vietnã. Contudo, as conseqüências concretas dependerão do futuro trabalho de esclarecimento. "Até agora não está claro se as primeiras reações de Washington visam esclarecer ou camuflar", alerta o FAZ.

Ameaça contra os valores democráticos

No artigo "Os torturadores e seu senhor", o Sueddeutsche Zeitung classifica a atitude do governo americano como "cinicamente omissa": "O Pentágono sabia há meses que se praticava a tortura e fez tudo para ocultar os fatos. Os militares ignoraram que seu próprio serviço secreto se tornara quase autônomo, representando uma ameaça para os valores que a América alega exportar para o mundo."

O colunista do Sueddeutsche afirma que não basta punir um tal excesso dentro do sistema militar, "que na verdade protege seus membros". Só se pode expiar um crime com tamanha carga simbólica através de um sacrifício político: "Ele exige a renúncia do secretário responsável. Não há mais outro modo de comunicar aos iraquianos o que significam valores democráticos".

Misshandlung von Gefangener in Irak mit Galeriebild
Prisioneiro iraquiano em foto sem dataFoto: AP/Courtesy of The New Yorker

Segundo fontes militares norte-americanas, o Exército dos EUA teria repreendido severamente sete de seus oficiais ligados ao caso, e um inquérito judicial corre contra seis outros. Segundo a especialista em Direito Internacional Heike Spieker, da Universidade de Bochum, "se as acusações procedem, eles violaram o direito nacional e internacional, e podem responder a processo diante de um tribunal comum. Normalmente tortura é investigada com rigor".

Tortura privatizada

Spieker acrescenta que "a questão é se se trata de um deslize individual ou se há um plano sistemático por trás das torturas". As declarações da ex-diretora da prisão, Janis Karpinski, apontam antes para a segunda alternativa. Segundo a general, agentes de serviços secretos, dentre os quais a CIA, haveriam ordenado os abusos, a fim de "amolecer" os presos antes dos interrogatórios.

Segundo o jornal inglês Guardian, duas firmas particulares de segurança, a Caci International e a Titan Corporation, teriam desempenhado um papel central nos interrogatórios dos presos. A "terceirização" da segurança no Iraque é outro calcanhar de Aquiles da política de Washington: à medida que as tropas fracassavam nas tarefas impostas, apelou-se cada vez mais para empresas particulares, por "desespero".

Calcula-se entre 15 mil e 25 mil o número atual de seguranças particulares a serviço do Pentágono no Iraque. Peter Lock, pesquisador de paz e conflitos, vê alarmado a situação: "Os funcionários das firmas portam armas pesadas, têm helicópteros próprios. É uma loucura." A seu ver, aumenta a probabilidade que os modernos mercenários incorram em violações dos direitos humanos. A demanda é muito maior do que a procura, o que "cria espaço livre para aventureiros e oportunistas. O pessoal é contratado de forma cada vez mais leviana".

Para além da legalidade

Porém a especialista em direitos humanos Spieker lembra que as firmas não agem num "território sem lei", como é o caso do famigerado campo de Guantanamo Bay: "Quando funcionários dessas firmas de segurança cometem crimes, é responsabilidade do Estado puni-los". Na prática, contudo, a ação desses agentes geralmente ocorre fora do alcance de qualquer instância de controle.

O jornal econômico Financial Times Deutschland tampouco sustenta a teoria de que os atos sejam fruto da falta de disciplina de um punhado de soldados estressados: "Eles apontam para falhas graves no sistema: sinais ambíguos por parte da liderança, controle insuficiente, noção de justiça totalmente nula." Na luta contra terroristas e grupos iraquianos de resistência, "os padrões morais e legais caíram por terra".