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Quando a Alemanha exporta armas para regiões de crise

Tetyana Klug
7 de fevereiro de 2022

Berlim se recusa a fornecer para a Ucrânia, invocando política de não exportar armamentos para países afetados por guerras e crises. Porém esse princípio já foi ignorado várias vezes, como mostra um levantamento da DW.

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Mãos erguem fuzil de assalto G36
Alemanha forneceu fuzis de assalto G36 para os curdos peshmergas no norte do IraqueFoto: Bernd Weißbrod/dpa/picture alliance

De acordo com serviços secretos ocidentais, a Rússia enviou cerca de 100 mil soldados para a fronteira com a Ucrânia. Do ponto de vista da Ucrânia e do Ocidente, trata-se de uma ameaça militar concreta – razão pela qual vários países já estão fornecendo armas e equipamentos para Kiev. Até agora, a Alemanha enviou 5 mil capacetes. O governo ucraniano diz não ser suficiente e na sexta-feira (04/02) pediu oficialmente armamentos ao governo alemão .

Até agora, no entanto, Berlim tem consistentemente rejeitado a demanda de Kiev por armas. Tanto o chanceler federal Olaf Scholz quanto a ministra do Exterior Annalena Baerbock evocam o princípio do governo federal de não exportar armamentos para países afetados por guerras e crises. O acordo de coalizão entre social-democratas, verdes e liberais postula que "exceções só podem ser feitas num caso individual justificado, que deve ser documentado de maneira publicamente compreensível".

Há uma política clara para o fornecimento de armas alemãs?

Tais exceções definitivamente existem, afirmam usuários irritados nas redes sociais. "Pergunte aos alemães sobre as entregas de armas para a Arábia Saudita, Egito, Turquia e Emirados Árabes Unidos", escreveu um leitor ucraniano da DW no Facebook. Outro comentário: "As armas alemãs são usadas em guerras e conflitos armados em todo o mundo – aliás, também pelo 'Estado Islâmico' (EI)..." Isso é verdade?

Afirmação: "Por muitos anos, o governo federal tem tido uma política clara de não enviar [armamentos] para zonas de crise e não entregaremos armas letais à Ucrânia", defendeu novamente o chanceler federal alemão Olaf Scholz no domingo, em entrevista à emissora pública de televisão ARD. Ele reiterava, assim, declarações anteriores.

Checagem de fatos da DW: Errado.

"Nós enviamos [armamentos] no passado, mas sempre em situações específicas", explica Christian Mölling, especialista em defesa e segurança do Conselho Alemão de Políticas Exteriores, em entrevista à DW. "Isso significa que na Alemanha existe o princípio do exame caso a caso. Analisamos cada caso individualmente."

Pieter Wezeman, do Instituto de Pesquisa para a Paz (Sipri), em Estocolmo, Suécia, também confirma envios recentes de amas para zonas de crise. "Obviamente, não é verdade que a Alemanha não forneça armas a países ou atores envolvidos em conflitos. Há muitos exemplos de exportação de armas alemãs com o consentimento do governo, com seu apoio especial, ou mesmo pelo próprio governo".

Armas alemãs na guerra do Iêmen

Um exemplo é o Egito, que é o quinto maior importador de armamentos alemães desde 2010, de acordo com o monitor de tendências do Sipri. Somente entre 1º de janeiro a 14 de dezembro de 2021, foram emitidas licenças de exportação no valor de 4,34 bilhões de euros para o Egito, de acordo com dados do Ministério Federal de Assuntos Econômicos e Proteção Climática. A maioria das licenças de exportação foi aprovada nos últimos dias do mandato da ex-chanceler Angela Merkel – embora o Egito esteja militarmente envolvido nos conflitos do Iêmen e da Líbia, e tenha sido criticado por violações em massa de direitos humanos.

Navio Meko 200
Apesar do envolvimento do Egito na guerra do Iêmen, Alemanha fornece aos egípcios navios de guerraFoto: Sina Schuldt/dpa/picture alliance

Isso significa que o Egito usa armas alemãs nas guerras do Iêmen e da Líbia? Pieter Wezeman não descarta essa possibilidade: "O fornecimento [de armamentos] da Alemanha para o Egito pode ser dividido em dois grupos. O primeiro inclui os sistemas de defesa aérea. Até onde eu sei, eles quase não têm nada a ver com a guerra do Iêmen".

O outro grupo de armamentos, por outro lado, pode ser problemático: navios de guerra. "As fragatas certamente podem desempenhar um papel no conflito do Iêmen, onde o bloqueio naval foi uma parte importante", opina o especialista do Sipri. Além disso, de acordo com Wezeman, tais entregas de armas em larga escala contribuem para legitimar e fortalecer o governo militar do Egito.

Vários outros países que intervieram militarmente na guerra do Iêmen desde 2015 também receberam entregas de armas da Alemanha. Estes incluem Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Catar. De acordo com o Relatório de Exportação de Armas do Governo Federal de 2020, munições para canhões, fuzis, espingardas, bem como peças para obuses, foram aprovados para o Catar. Além disso, em fins de 2020, o governo alemão aprovou a entrega de 15 tanques antiaéreos do modelo Gepard ao Catar.

Em 2019, uma pesquisa do projeto investigativo #GermanArms comprovou que os armamentos alemães desempenham um papel importante na guerra do Iêmen. Berlim teve que admitir que as licenças para algumas exportações de armas foram um erro, diz Wezeman. "Ou, pelo menos, ficou cada vez mais claro que os riscos envolvidos poderiam se tornar muito altos, levando à suspensão dessas entregas. Foi o caso, por exemplo, da Arábia Saudita, com a qual se fez um grande negócio para a entrega de barcos de patrulha."

Após o assassinato do jornalista crítico ao governo Jamal Khashoggi no Consulado da Arábia Saudita em Istambul, foram suspensas todas as licenças já concedidas para exportação de armas para Riad e, posteriormente, revogadas. Desde então, a Alemanha proibiu a exportação armamentista para a Arábia Saudita – ação que já foi prorrogada várias vezes.

Parceria difícil com a Turquia

Outro comprador altamente controverso de armamentos alemães é a parceira da Otan Turquia. O país "mudou significativamente" nas últimas décadas, diz o especialista em defesa Christian Mölling. "Você pode descobrir depois que as entregas de armas estavam erradas. Um governo tem todo o direito de errar nas estimativas, precisamente porque elas continuam sendo estimativas."

Durante anos, a Alemanha forneceu à Turquia armas de guerra no valor de centenas de milhões de euros – embora Ancara tenha sido criticada por suas violações de direitos humanos e esteja incluída na lista de países das Nações Unidas que intervêm na guerra da Líbia fornecendo armas. Além disso, o governo turco vem realizando ações militares contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) há décadas, tanto internamente quanto em países vizinhos.

A situação se tornou particularmente explosiva após a ofensiva militar da Turquia contra a milícia curda YPG no norte da Síria, em 2018. "Os mísseis antitanque alemães agora estão atingindo os tanques alemães?", perguntaram alguns meios de comunicação na época. O pano de fundo era o apoio alemão à luta dos combatentes curdos peshmerga contra as milícias do assim chamado "Estado Islâmico" (EI) no norte do Iraque desde meados de 2014.

Não apenas equipamentos como capacetes, coletes de proteção e rádios foram fornecidos, mas também um pacote abrangente de armamentos, incluindo rifles de assalto e metralhadoras, pistolas, bazucas, armas antitanque e granadas de mão, no valor de mais de 90 milhões de euros, segundo o governo federal alemão.

Soldados alemães no Iraque
Desde 2015, soldados alemães apoiam treinamento das forças de segurança na área de Erbil, norte do IraqueFoto: John Moore/Getty Images

Na época, o governo regional curdo se comprometeu a usar as armas exclusivamente contra o EI, mas isso não foi controlado. Em resposta a uma consulta da deputada federal Agnieszka Brugger, em 2016, o governo federal afirmou que não podia descartar que armas da Alemanha acabassem no mercado negro, por exemplo, no norte do Iraque.

Mesmo os assim chamados controles pós-embarque, ou seja, o monitoramento do paradeiro das armas entregues, não descartam todos os riscos de que esses armamentos sejam usados em conflitos, segundo  especialistas ouvidos pela DW.

Identificando as áreas de crise de amanhã

Tanto Mölling quanto Wezeman criticam o fato de, por um lado, o governo federal estar adotando uma política restritiva de exportação de armas e, por outro, de não ter diretrizes de segurança claras para licenças de entrega. "É preciso uma análise sistemática e constantemente atualizada de como a situação de segurança está mudando. Quais são os países para que posso fornecer? E quão seguros eles são? E quais são os Estados para que não se pode exportar?", explica Christian Mölling.

Muitas vezes, há divergências sobre se um país é definido como uma área de crise. Tomemos como exemplo a Coreia do Sul: de acordo com o monitor de tendências do Sipri, ela é, de longe, a maior compradora de armamentos alemães. De acordo com Pieter Wezeman, contudo, o Sul está formalmente "em estado de guerra com a Coreia do Norte". E é claro que a Alemanha está exportando "com a ideia de que ajudará a Coreia do Sul a se proteger contra uma possível agressão da Coreia do Norte". Mas por que, pergunta o especialista, o governo alemão não está fornecendo armas para a Ucrânia?

O novo governo alemão quer mudar o fato de não existir nenhum quadro jurídico para a exportação de armas. Jürgen Trittin, porta-voz de política externa do Partido Verde no Parlamento alemão, disse à emissora pública de televisão ARD que o Ministério Federal da Economia, liderado por seu partido, apresentou um projeto de lei que se destina a "tornar obrigatórios os princípios não vinculativos sobre exportação de armas".

Conclusão: A Alemanha não aderiu consistentemente ao princípio de não fornecer armas para zonas em crise. O governo federal alemão aprovou repetidamente entregas de armas a países participantes de conflitos ou localizados em zonas de crise.

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