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Por que a UE precisa da gigante russa de energia Gazprom

8 de fevereiro de 2022

Em meio à crise Rússia-Ucrânia, o fornecimento de gás natural pode ser usado como arma política pelo Kremlin. Quão dependentes são os europeus da Gazprom, que deverá alimentar o controverso gasoduto Nord Stream 2?

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Planta de armazenamento de gás da Astora, subsidiária da Gazprom, em Rehden, no norte da Alemanha
A Gazprom não encheu os tanques da maior planta de armazenamento de gás da Europa, localizada em Rehden, no norte da AlemanhaFoto: astora.de

A Gazprom não tem do que se queixar. O CEO de longa data da empresa de energia russa, Alexei Miller, disse em janeiro que 2021 havia sido um ano de recordes – tanto em termos de produção de energia quanto de lucros.

Para a Gazprom, o aumento da demanda e a disparada dos preços do gás natural e do petróleo significam um faturamento maior, e os acionistas têm motivos para comemorar.

O Estado russo controla a maioria das ações e decide o rumo da empresa. No entanto, ações da Gazprom também são detidas por empresas alemãs, como a fornecedora de energia alemã E.ON e muitos pequenos investidores.

A proximidade da empresa com o Kremlin é muito grande. O CEO Miller é um velho amigo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que quase sempre se senta à mesa dos conselhos fiscal e de administração da empresa.

A Gazprom é a maior produtora de gás natural do mundo, tem quase 500 mil funcionários e afirma deter as maiores reservas de gás na Rússia.

Gazprom domina as exportações para a Europa

O poder de mercado da Gazprom na Europa é resultado de um monopólio. De acordo com a legislação russa, apenas a Gazprom está autorizada a operar dutos de gás para exportação. Como resultado, a empresa vem sendo a maior fornecedora da União Europeia há décadas.

Cerca de 43% do gás natural consumido nos países da UE vem da Rússia. O restante vem da Noruega, de suprimentos de gás liquefeito do Oriente Médio e dos EUA, bem como da Argélia e da Líbia, segundo dados da Eurostat, a agência de estatísticas da UE.

Mas dentro da UE, a participação do gás russo varia muito. Como regra geral, quanto mais a leste, maior a probabilidade de o país depender da Rússia. A Alemanha, o maior consumidor de energia da UE, obtém cerca de 55% de seu gás da Rússia.

UE quer criar mercado comum

"A Gazprom usa seu poder de mercado para influenciar os preços por meio da quantidade de gás que fornece à Europa", diz o especialista em mercado energético Georg Zachmann, do observatório de política econômica Bruegel, em Bruxelas.

Nos últimos dez anos, a UE tentou estabelecer um mercado de gás relativamente unificado no bloco, introduzindo regras segundo as quais a Gazprom deve fornecer gás até os pontos de transferência localizados nas fronteiras externas da UE e, em seguida, o gás é comercializado dentro dos países-membros.

A Alemanha, por exemplo, pode comprar gás na Rússia e vendê-lo para a Polônia ou Ucrânia. Mas é do interesse da Gazprom, por outro lado, celebrar contratos diretos com aqueles que recebem o gás, a fim de manter a dependência elevada.

"Há uma espécie de corrida entre a regulamentação europeia, que está tentando criar um mercado comum com preços unificados, e a Gazprom, que está tentando impor preços distintos em diferentes países", disse Zachmann à DW.

Dúvidas sobre confiabilidade

Enquanto a Gazprom insiste que manteve todos os seus compromissos de fornecimento de longo prazo neste inverno europeu, Zachmann observa que a empresa russa está fornecendo menos gás no âmbito de contratos de curto prazo.

Zachmann explica que o mercado de curto prazo se tornou cada vez mais importante nos últimos anos, numa tentativa de romper com a dependência de longo prazo da Gazprom.

"É verdade que a Gazprom está cumprindo seus contratos, mas somente no nível mais baixo de seus compromissos", afirmou recentemente a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Ela disse que outros fornecedores de gás aumentaram significativamente suas entregas diante do rápido aumento da demanda e dos preços recordes.

Von der Leyen chamou a conduta comercial da empresa de "estranha", por, apesar da alta demanda, não estar haver um fornecimento maior de gás. A empresa está levantando ela mesma dúvidas sobre sua confiabilidade, disse ao jornal alemão Handelsblatt.

Gazprom e suas subsidiárias europeias

A Gazprom não é apenas a fornecedora mais importante do mercado de gás europeu, mas também desempenha um papel importante no armazenamento e distribuição, que são importantes para a segurança do abastecimento. Em quase todos os países da UE, a empresa russa tem participações em fornecedores locais e regionais.

Na Alemanha, por exemplo, a Astora – uma subsidiária da Gazprom – possui em Rehden, na Baixa Saxônia, a maior instalação subterrânea de armazenamento de gás da Europa Ocidental, que serve de reserva para o caso de flutuações na demanda e na oferta. Os níveis de gás armazenado no local estão historicamente baixos.

Se a Gazprom recebesse instruções do Kremlin para interromper o fornecimento durante uma crise política, poderia haver uma escassez significativa de gás na Europa. Von der Leyen diz que não espera que isso aconteça. Afinal, a economia russa, que é unidimensional e voltada para a exportação de energia, também depende da Europa, seu maior cliente e investidor.

No entanto, a UE, juntamente com os EUA, vem tentando obter um maior fornecimento de gás natural liquefeito (GNL) do Catar ou dos EUA, disse von der Leyen ao jornal Handelsblatt

Erros estratégicos?

A economista especializada em energia Claudia Kemfert, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW), acredita que a Alemanha se tornará ainda mais dependente do fornecimento direto da Rússia com o novo gasoduto Nord Stream 2, que será alimentado pela Gazprom.

"A Europa tem uma estratégia de diversificação das compras de gás. Somente a Alemanha escolheu o caminho oposto e aumentou ainda mais sua dependência. Paga-se agora o preço por isso", disse Kemfert à DW.

Na opinião da especialista, a venda de instalações de armazenamento de gás não deveria ter sido aprovada – ou, no mínimo, deveria ter sido regulamentada. Ela afirma que são necessárias reservas estratégicas de gás, assim como são necessárias para o petróleo. 

A UE considera agora criar tais reservas e, mais do que antes, agir como um comprador conjunto de gás – uma estratégia que a Gazprom está tentando minar ao cortejar alguns países-membros. A Hungria, por exemplo, acaba de assinar um contrato de exclusividade com a Gazprom e receberá em troca preços favoráveis.

Zachmann, do Instituto Bruegel, não está muito otimista em relação à capacidade da UE de se opor ao poder da Gazprom. "Pode-se negociar o quanto se quiser com quem tem todas as alavancas nas mãos. Mas, se a torneira de gás pode ser fechada a partir de Moscou, estamos simplesmente numa posição pior de negociação", diz o especialista em mercado energético.

Clientes não apenas na Europa

Para Miller, os negócios com a Europa são apenas uma parte do sucesso da Gazprom. A empresa diz pretender se tornar a companhia líder em energia do mundo. Afinal, ela não comercializa apenas gás, mas também petróleo e produz eletricidade.

Putin acaba de fechar um grande acordo de fornecimento de gás com a China. E os EUA também são clientes da Gazprom: em 2020, os americanos obtiveram 8% de suas importações de petróleo da Rússia – parcela superior à proveniente da Arábia Saudita.

Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.