Onde negar o Holocausto é crime
23 de dezembro de 2005As recentes declarações do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinedjad, sobre o Holocausto e Israel, provocaram violentos protestos em todo o mundo. O governante não apenas negou o direito de existência ao Estado de Israel, como caracterizou de um "conto do Ocidente" o extermínio de seis milhões de judeus na Alemanha, durante o Terceiro Reich.
Em reação, o governo alemão exigiu satisfações do embaixador do Irã e aprovou na sexta-feira última (16/12) resolução condenando as afirmações de Ahmadinedjad. Segundo esta, a proibição de negar os fatos históricos do Holocausto não representa apenas a posição de todos os políticos, como é ponto pacífico para a sociedade alemã.
Palavras e atos
"Totalmente inaceitável", foi a sentença unânime dos deputados do Bundestag (Parlamento alemão) sobre as palavras de Ahmadinedjad. O vice-ministro das Relações Exteriores, Gernot Erler, explicitou: "O reconhecimento incondicional do direito do Estado de Israel à existência é um dos pilares da política externa alemã".
Outros, como o deputado Florian Toncar, do Partido Liberal, expressaram-se de forma mais drástica: "Refutamos terminantemente esses ataques repetidos, direcionados, insuportáveis e, francamente, asquerosos".
Para o presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Paul Spiegel, reações verbais, por mais rigorosas, não bastam: "É preciso que atos acompanhem as palavras. Essas declarações são as piores que já ouvi de um estadista desde Adolf Hitler!".
Conseqüências duradouras
Também o historiador Wolfgang Benz – diretor do Centro de Pesquisa sobre o Anti-semitismo, de Berlim – ficou chocado com as palavras de Ahmadinedjad. E percebe um amplo consenso na sociedade alemã a esse respeito – excetuado um grupo minúsculo de extremistas de direita e neonazistas.
O Holocausto é um fato histórico que não pode ser negado, reafirma Benz: "Todos já entenderam isso. O genocídio aconteceu e provocou as terríveis conseqüências que ainda sofremos até hoje".
Histórico da elaboração do Holocausto: 1968 e Hollywood
A assimilação do passado nazista ainda era bastante hesitante, nas primeiras décadas da República Federal da Alemanha. Graças aos julgamentos pelos crimes da Segunda Guerra Mundial, no Tribunal de Nurembergue, a verdadeira extensão dos horrores do regime de Hitler tinham vindo à luz. Porém muitos alemães recusavam-se a falar do assunto, comenta Benz:
"As pessoas se envergonhavam, sentiam-se culpadas, e não queriam trabalhar o tema em público, nem discuti-lo. Mas não o negavam."
A primeira reviravolta decisiva na Alemanha Ocidental foram as passeatas dos estudantes, no final da década de 1960. Estes não apenas protestavam contra a guerra do Vietnã, como exigiam que seus pais se manifestassem sobre o passado nazista.
A irradiação da série norte-americana intitulada Holocausto, no fim da década de 70, desencadeou – inesperadamente – acalorado debate na sociedade alemã ocidental.
Tratava-se da saga de uma família judia, durante o Terceiro Reich, da qual apenas uma pessoa sobrevivia. Wolfgang Benz comenta: "Aí a coisa ficou emocional, a gente compreendeu que havia destinos humanos envolvidos e não apenas um número abstrato de seis milhões".
Prisão para quem nega o Holocausto
Em meados dos anos 80, a assim chamada "disputa dos historiadores" encheu as páginas dos cadernos de cultura, nos jornais alemães. A questão não eram mais os fatos históricos do Holocausto, mas sim sua "singularidade". Conforme o ponto de vista predominante, o Holocausto fora um crime impossível de comparar com a crueldade do regime stalinista na União Soviética.
Em 1985, o Bundestag proibiu a negação do extermínio dos judeus pelo regime nazista, sob pena de punição – o termo "a mentira de Auschwitz" se impusera no discurso público. Em 1993, a lei foi endurecida: desde então, quem publicamente aprova, nega ou mesmo minimiza o Holocausto pode incorrer em multa e detenção por até cinco anos.
Mais rigor na Áustria
O pesquisador de anti-semitismo Wolfgang Benz considera essas penas apropriadas: "Elas se aplicam ao agitador, que afirma que os judeus explorariam o povo alemão, tendo 'inventado' o Holocausto com esse fim. 'E, por falar nisso, seria preciso expulsar os estrangeiros e acabar de uma vez por todas com a discussão a respeito'. Essa pessoa tem que ser punida, porque pratica agitação popular, porque ofende a memória dos mortos, porque ofende nossos concidadãos".
Na Áustria, as leis são ainda mais rigorosas. O historiador e refutador do Holocausto David Irving, recentemente preso naquele país, está sujeito a até 20 anos de prisão.