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Niemeyer: "A vida é mais importante do que a arquitetura"

(av)15 de março de 2002

Em entrevista ao semanário "Der Spiegel", o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer fala do mundo após o 11 de setembro e de seu amor pelo Rio de Janeiro.

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Museu de Arte Contemporânea, Niterói, obra de Oscar NiemeyerFoto: http://www.instituto-camoes.pt/revista/revista11l.htm

Aos 94 anos de idade, o astro internacional da arquitetura moderna ainda chega todo dia às 9h00 a seu atelier, com vista para a praia de Copacabana, e só sai às 21h00. Seu atual projeto é o complexo arquitetônico de Niterói. Embora a galeria parisiense Jeu de Paume o esteja homenageando com uma mostra até o final de março, Oscar Niemeyer mostra pouco interesse por honrarias: "Não quero mais viajar para o exterior, quero o meu sossego".

Ele nem mesmo se preocupou em apresentar um projeto para o terreno do World Trade Center, apesar dos convites: "Tenho realmente outras preocupações. Preocupam-me as bombas que os norte-americanos jogam nos outros países. É uma covardia, esses países são em parte totalmente indefesos. É uma vergonha. E quase ninguém protesta na Europa." Tanto o ataque ao WTC como os bombardeios no Afeganistão são para ele atos de terrorismo.

"Dois dias antes do 11 de setembro, estava com amigos num restaurante e disse: 'Discutir não leva a nada: o imprevisível é que rege o mundo.' E aí caíram as torres do WTC." Menos do que um ato de iconoclastia, a destruição de um símbolo da arrogância norte-americana, trata-se simplesmente da escalada da milenar guerra entre os pobres e os ricos. Ao ser lembrado de que a obra de um arquiteto também foi destruída pelo ato de terrorismo, ele é taxativo: "A vida é mais importante do que a arquitetura".

O capitalismo é o grande mal

Apesar de tal nível de consciência, o ex-membro do Partido Comunista não se considera um político. Coerente com suas convicções, continua atribuindo a culpa da crise mundial ao capitalismo, um mal a ser superado. Admite que o poder dos Estados Unidos é enorme, porém o neocolonialismo que eles tentam impor, sobretudo na América Latina, não subsistirá por muito tempo. Niemeyer diz que gosta do que está acontecendo na Argentina, onde o povo pelo menos vai para as ruas.

O artista que, em criança, desenhava com o dedo castelos no ar, revela que a inspiração para suas curvas vem do corpo feminino, assim como das montanhas e rios brasileiros. Opondo-se às críticas de que suas obras seriam monumentalistas e pouco funcionais, Niemeyer insiste que é mais importante melhorar a qualidade de vida da população do que fazer uma bela arquitetura. Se ele pudesse, derrubaria, por exemplo, diversos quarteirões em São Paulo para instalar áreas verdes.

Já o caso do Rio de Janeiro é mais complicado: "Aqui não adianta nenhuma mudança, seria preciso recomeçar tudo. A cidade é mal planejada; as praias foram reduzidas e entupidas com prédios geralmente feios. Alguns bairros lembram Miami. Isso é um sinal da especulação que toma conta de toda a cidade." Apesar de tudo, seu amor de carioca é incondicional: "Gosto desse caos, desse tipo de liberdade, dos bares, das conversas com os amigos, da praia. Isso é vida". Amor inabalado até pelo assalto de que foi vítima, apenas duas semanas antes da entrevista.

O prazer é essencial

Seu material preferido continua sendo o concreto, por ser o mais maleável, oferecendo um mundo de novas formas e possibilidades ilimitadas, que antes não existiam. Aliás, a intuição, a liberdade e o prazer de projetar são essenciais para sua arquitetura.

Neste sentido, ele critica a escola alemã do Bauhaus, que "com suas regras repetitivas e monótonas emperrou o desenvolvimento da arquitetura". E evoca o amigo e guru da arquitetura moderna Le Corbusier, para quem o Bauhaus de Dessau era "o paraíso da mediocridade". Sobre o projeto Célula Urbana, no Jacarezinho, um convênio entre o Bauhaus e a prefeitura do Rio, ele afirma nada saber.

Em quase um século de vida, Niemeyer conheceu gente do porte do filósofo francês Jean Paul Sartre ("um homem de inteligência extraordinária, e que sempre tinha algo no bolso para dar aos mendigos"). O arquiteto é amigo pessoal de Fidel Castro, "o único grande líder político da América Latina no momento. Ele livrou Cuba dos EUA e agora resiste com coragem ao embargo. Ele é fantástico!"

Esperança no Brasil

Oscar Niemeyer considera perfeitamente natural o fato de apoiar o Movimento dos Sem Terra. Sua atitude realista não exclui uma boa dose de otimismo: "O Brasil é um país importante, seu povo é generoso. Espero que um dia o país assuma sua grandeza total e suplante seus problemas sociais. Mas no momento é difícil." Porém nada disso o força a admitir uma desilusão com o quadro político brasileiro.

O criador de Brasília distancia-se dos sonhos faraônicos, em que uma construção é uma forma de eternizar-se: "Não creio em nada que pareça eterno. A vida é um sopro, um minuto, e aí tudo se desfaz. Sou realista: o ser humano é tão frágil, tão insignificante; precisamos permanecer humildes." Assim, um arquiteto deve estar pronto a realizar qualquer tipo de encomenda.

Tal atitude explica também por que o quase centenário ateu declarado já construiu tantas igrejas e catedrais. Sua resposta à questão "o que vem após a morte" é seca: "Nada". No máximo, admite a concepção do grande pianista Arthur Rubinstein: segundo ele, se realmente existir algo depois da morte, então será uma surpresa bem agradável.