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Lula mobiliza COP27 e pede reunião global na Amazônia

Nádia Pontes do Egito
16 de novembro de 2022

Em discurso na cúpula no Egito, presidente eleito diz que clima terá papel de destaque em seu governo, reforça defesa da Amazônia, cobra países ricos e conclama fim do isolamento internacional sob Bolsonaro.

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Lula veste terno escuro, camisa branca e uma gravata colorida, enquanto discursa no púlpito da COP27, a Conferência do Clima da ONU, no Egito.
Foto: Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images

Em sua primeira aparição internacional após a eleição, Luiz Inácio Lula da Silva mobilizou um grande público na atual Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm el-Sheikh, no Egito. Jornalistas, políticos, observadores e membros da sociedade civil de todo o mundo se aglomeraram para ouvir o presidente eleito brasileiro – a maioria, no entanto, não conseguiu estar na mesma sala que o petista.

A mensagem frisada na passagem de Lula pelos pavilhões da COP27 é a de que o Brasil "está de volta" e que o isolamento internacional provocado por Jair Bolsonaro chegou ao fim.

"Este convite, feito a um presidente recém-eleito mesmo antes de sua posse, é um reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta", discursou Lula numa sala lotada por parlamentares, pesquisadores, indígenas e representantes de governos estrangeiros nesta quarta-feira (16/11).

Em sua fala de aproximadamente meia hora, o presidente eleito repetiu para a audiência internacional a promessa de colocar o combate à crise climática no topo da agenda. O novo governo se comprometeu a zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030, combater atividades ilegais na Amazônia, fortalecer os órgãos de fiscalização ambiental e criar um Ministério dos Povos Originários.

"Mas eu também volto para cobrar o que foi prometido e não foi cumprido", disse Lula. Ele fazia referência aos 100 bilhões de dólares anuais que viriam dos países mais ricos para ajudar os mais pobres a enfrentarem a crise climática. O fundo, arquitetado em 2009 numa COP, quando Lula estava em seu segundo mandato, deveria ter saído do papel há dois anos.

Durante o discurso, entre as pausas feitas pelo petista para recuperar a voz rouca, era possível ouvir a reação das pessoas que lotavam uma sala ao lado, reservada para abrigar quem não havia conseguido entrar no espaço onde Lula falava.

Diversas pessoas estão de costas para a foto. Elas carregam mochilas e máquinas fotográficas. Muitos jornalistas estão em frente ao estande da Amazônia Legal, à espera da chegada do presidente brasileiro eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Na COP27, jornalistas e participantes se aglomeram à espera do presidente eleitoFoto: Nádia Pontes/DW

De volta às cooperações internacionais

Da segunda fileira, a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, acompanhava a fala do presidente eleito brasileiro. "As expectativas são gigantes", disse ela à DW Brasil, momentos antes de Lula entrar no ambiente.

"Agora, a ligação com o país volta a se fortalecer. Lula se mostra empenhado em fazer muito para reduzir a pobreza, cuidar das pessoas, combater a crise do clima protegendo a floresta e os povos indígenas", detalhou a ministra alemã.

Os últimos quatro anos foram de relações empacadas entre Brasil e Alemanha. "Nós tentamos, mas foi praticamente impossível trabalhar em parceria com o governo Bolsonaro, nada foi para frente", comentou Schulze.

O Fundo Amazônia, que era mantido principalmente por doações dos governos da Noruega e da Alemanha, deve ser reativado logo que Lula assumir. Criado para financiar projetos que combatem o desmatamento e, portanto, evitam emissões de gases estufa, o fundo foi congelado depois que Bolsonaro chegou à presidência, em 2019.

"Nós também queremos propor uma aliança mundial pela segurança alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática", disse Lula enquanto mencionava o agronegócio brasileiro, campeão em exportação de commodities como soja e carne bovina. "A produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado."

O brasileiro prometeu ainda trabalhar em acordos com Indonésia e Congo pela conservação das florestas tropicais, além de unir a América Latina em torno do tema. Em 2024, quando o Brasil presidirá o G20, a agenda climática será de alta prioridade, afirmou Lula.

Amazônia no centro do mundo

Mais cedo, Lula ouviu Helder Barbalho, governador do Pará que preside o Consórcio Amazônia Legal, fazer a leitura de uma carta em defesa do bioma. O evento, no estande da iniciativa que reúne os governadores dos nove estados da região, também foi disputado.

O documento pede que o novo governo se esforce para acelerar a chegada do dinheiro previsto pelos acordos internacionais. Isso permitirá a "monetização da floresta enquanto nova commodity no mercado de bens e serviços ambientais", defendeu Barbalho.

Por outro lado, o Pará é campeão em desmatamento na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2021, o estado foi responsável por 40% do total destruído, que foi de 11 mil quilômetros quadrados. Os números de 2022, embora estejam finalizados e devam apontar uma nova alta, ainda não foram divulgados pelo governo Bolsonaro.

Questionado sobre esse cenário no Pará em entrevista à DW Brasil, Barbalho disse que a cooperação com o novo governo federal deve impulsionar mudanças. "Lançamos um plano para fortalecer a bioeconomia para reduzir emissões. Ele faz parte da estratégia que vai do monitoramento e controle da fiscalização à regularização territorial e ambiental", argumentou.

No Egito, representantes indígenas esperam agora que as propostas se confirmem no Brasil. "Se fosse no Brasil, os governadores não teriam esse espaço de discussão por pressão do partido político que apoiam, ou do próprio governo Bolsonaro. Aqui eles precisam firmar compromisso com o meio ambiente. De volta ao país, eles têm que cumprir", analisa Kaianaku Kamaiurá, assessora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt), lembrando que, com exceção de Barbalho, os demais governadores apoiaram o projeto de reeleição de Bolsonaro.

"A nossa presença é para dizer que eles precisam falar da gente aqui. Sem a gente, não existe financiamento para o Brasil. A gente é responsável pela conservação da floresta", diz Watatakalu Yawalapiti, da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), que participa pela primeira vez da COP.

Uma imagem com um rio e mata é exibida à esquerda na imagem, que tem Lula no púlpito à direita. Ele veste terno escuro, camisa branca e gravata colorida.
"O mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta", disse LulaFoto: Nariman El-Mofty/AP Photo/picture alliance

"Herança desastrosa"

A expectativa mundial pelo ajuste rápido das políticas ambientais brasileiras vai esbarrar numa herança previsível do governo Bolsonaro. Quando o Inpe fechar o índice anual de desmatamento medido durante o primeiro ano do mandato de Lula, em 2023, o resultado pode frustrar.

"Lula já entra no jogo em desvantagem. A próxima taxa de desmatamento, em 2023, vai ter uma herança desastrosa do segundo semestre de 2022 [ainda sob governo Bolsonaro]. Nós já tivemos de agosto a outubro deste ano uma taxa muito mais alta. Será um problema", aponta Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia (Ipam), ressaltando que os dados anuais do Inpe contabilizam o corte da floresta desde julho até agosto do ano seguinte.

Mesmo assim, o Brasil deve voltar com força às mesas internacionais de negociação, prevê Alencar. "Tem que reduzir o desmatamento, que é um bem brasileiro importante para o mundo. Sem a Floresta Amazônica, o planeta estaria pelo menos meio grau mais quente", destaca a pesquisadora, mencionando o papel de regulação climática do bioma.

É por isso que Lula vai pedir à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, UNFCCC, que organiza as COPs, que um estado amazônico seja a sede do encontro internacional em 2025.

"Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global", discursou Lula, reafirmando, ao fim, que seria a oportunidade de o mundo conhecer de perto esse bioma que seu governo promete proteger.