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Dilma versus Serra

31 de outubro de 2010

Mesmo lembrando o fiasco das pesquisas no primeiro turno, grande parte dos periódicos alemães já tem como certo que a petista sairá vencedora do segundo turno. Porém sua herança político-econômica não será nada suave.

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Brasileiros vão às urnas pela segunda vezFoto: AP

A imprensa da Alemanha em peso antecipa a vitória da candidata petista Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, neste domingo (31/10).

Deus e o presidente

Em artigo intitulado "Ajuda do Papa e de Lula", o jornal Süddeutsche Zeitung argumenta que o eventual resultado do pleito se deve ao "posicionamento rígido" de Dilma contra o aborto e ao "apoio dado pelo detentor do cargo".

Se ela teve que enfrentar um segundo turno, "é talvez porque continua não possuindo o carisma de seu mentor". Muitos de seus compatriotas "têm dificuldade de se identificar com a distanciada tecnocrata", mas, afinal de contas, "mais de 80% dos brasileiros gostam de ou adoram" Lula.

No tocante às posições de Dilma sobre a interrupção da gravidez: "O papa Bento 16 se intrometeu, desaconselhando os brasileiros de legalizar o aborto. Rousseff disse: 'Esta é a posição do Papa, ela deve ser respeitada'. Ela atribui sua vitória sobre o câncer linfático a Nossa Senhora".

O Süddeutsche conclui: "Rousseff representa constância, [José] Serra, pelo contrário, retrocesso – é o slogan entre o pessoal de Lula. 'Concluí meu mandato da maneira mais feliz', diz ele próprio [Lula]. Para seus adeptos, sua mensagem vale pelo menos tanto quanto a palavra de Deus, e seu triunfo também garantirá a Dilma Rousseff o seu cargo".

Acusações mútuas

O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) também minimiza o alcance do debate sobre o aborto: "A palavra do Papa não deverá pôr em perigo a esperada vitória da senhora Rousseff", que conta com uma vantagem "entre dez e 15 pontos porcentuais". Ao final, outros temas dominaram a campanha: "Nos debates públicos televisados, Rousseff e Serra se acusaram mutuamente de incentivar a corrupção em seus meios".

"Por último, Serra tentou ganhar para si os eleitores do estado de Minas Gerais", onde seu desempenho foi especialmente ruim no primeiro turno. "Em sua fortaleza eleitoral, São Paulo, ele deverá se impor, novamente." Ele afirmou que "a distância em relação à adversária seria 'muito menor' e que ainda poderá ser 'revertida' no domingo".

Falta de objetividade

Sob o título "Mais uma vez, com emoção", o website da Euronews alerta que no primeiro turno as pesquisas de intenção estiveram defasadas "em quilômetros" dos resultados reais. E critica a falta de objetividade no discurso político dos dois candidatos à presidência da República.

Citando José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB): "Querem fazer crer que todos são iguais. Mas nós somos diferentes. Estou na política há 40 anos, e nenhum escândalo, uma história limpa, só trabalho e honestidade, por nosso povo".

A réplica de Rousseff: "Agora de um modo geral: esse 'eu dou conta de tudo, sozinho' não tem muito a ver com modéstia, não é?". A conclusão do site é: "As emoções fervem, enquanto se procura em vão por argumentos de conteúdo".

Manter o curso

Die Zeit confirma que "apesar do fiasco na primeira rodada", a candidata do governo é agora a indiscutível favorita, segundo as pesquisas de opinião, e "o candidato conservador de oposição José Serra a persegue, a alguma distância".

O periódico situa o papel de Lula durante a campanha eleitoral: "Rousseff se beneficiou da popularidade de seu pai político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma política orientada pelas leis do mercado, nos últimos oito anos o ex-sindicalista não apenas garantiu ao Brasil taxas de crescimento que ultrapassaram os 8%. Com seus programas sociais, ele livrou mais de 20 milhões de cidadãos da pobreza e fortaleceu a classe média. Como Lula precisa entregar o cargo, sua antiga chefe da Casa Civil e ministra da Energia deve manter o curso".

Autoconfiança cega?

Em contrapartida, a revista Der Spiegel questiona o próprio mérito de Lula. "O boom do Brasil é geralmente atribuído ao presidente Lula, há oito anos em exercício", porém "não foi ele a criar os fundamentos, mas sim seu antecessor, [Fernando] Henrique Cardoso", afirma o periódico. "Ele venceu a hiperinflação. Ele saneou o orçamento público. Ele projetou um dos maiores programas sociais do mundo, com o fim de livrar milhões de pessoas da pobreza. Lula colheu os frutos do que [FHC] plantou."

"Porém o patrono não deixa uma herança fácil para sua candidata favorita. Lula é tão amado por ter feito as reformas agradáveis. Mas as importantes, as dolorosas, ele deixou de lado." Sua política econômica centrada na exportação é criticada: "O Brasil não deve apenas ficar paparicando as firmas [internacionais], mas sim modernizar sua infraestrutura decadente. Por quase toda parte no país, os portos, estradas e sistemas de transmissão elétrica precisam de uma revisão geral. Mas para tal geralmente faltam investidores".

A educação e o fomento à indústria nacional são outros desafios que aguardam Dilma. "O próprio Lula apresentou-se muitas vezes como criador de uma nova ordem social. Porém o capitalismo estatal iniciado por ele tem seus aspectos sombrios. Correm atualmente processos contra 150 deputados e 20 senadores, no mais dos casos, por corrupção."

"Em seus discursos, Lula mencionou a nova autoestima de que o Brasil urgentemente precisa, se quiser se tornar um superpotência. Contudo o excesso de autoconfiança tornas as pessoas cegas para os problemas – e surdas para os críticos que apontam os problemas.

Já hoje sentem-se as consequências de Lula não ter encarado certas questões, prossegue o Spiegel, citando estimativas de que, nos próximos anos, o crescimento econômico do país ficará entre 4% e 5%. No entanto, "talvez seja positivo que o boom ceda. Assim, o próximo chefe de Estado do Brasil terá a chance de encarar as reformas adiadas por 'Lula Superstar'".

AV/ots
Revisão: Alexandre Schossler