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Gertrude Stein, pioneira literária e ícone LGBTQ+

Brenda Haas
3 de fevereiro de 2024

Autora e colecionadora de arte judia americana nasceu há 150 anos. Em uma longa vida aventurosa, centrada em Paris, não faltaram polêmicas, de rusgas com colegas artistas à tradução de discursos antissemitas.

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Gertrude Stein sentada em sua mesa, com um enorme abajur e ao fundo quadros abstratos
Gertrude Stein em sua mesa de trabalho no apartamento de Paris, em 1938Foto: AP Photo/picture alliance

Gertrude Stein, sem dúvida, teve uma vida agitada: inovadora no uso da linguagem, ícone feminista e LGBTQ+, anarquista literária que hospedou e deu apoio a autores e artistas ilustres como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e Pablo Picasso em seu apartamento em Paris. 

Mas, além de seu estilo de vida progressista, a escritora e colecionadora de arte judia americana também desenvolveu um relacionamento com colaboradores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, que provavelmente salvaram sua vida e sua extraordinária coleção de arte.

Fluxos de consciência

Caçula de cinco filhos, Gertrude nasceu em 3 de fevereiro de 1874 em Allegheny, Pensilvânia, filha de imigrantes ricos judeus alemães. Quando ela ainda era bebê, a família Stein mudou-se para a Europa, onde Gertrude passou os primeiros anos de vida na Áustria e na França. A família retornou aos EUA em 1879 e se estabeleceu primeiro em Baltimore e depois em Oakland, Califórnia.

Quadro de Paul Gauguin, uma foto de banhistas ao fundo e em uma cadeira muitos girassóis
"Girassóis numa cadeira", de Gauguin, impressionou Stein por romper com as normas da épocaFoto: Fine Art Images/Heritage Images/picture alliance

Em 1893, Stein se matriculou na Universidade Radcliffe, uma faculdade para mulheres que hoje faz parte de Harvard. Lá, estudou psicologia por quatro anos. Um de seus professores foi William James, que ficou conhecido como o "pai da psicologia americana" e era irmão do escritor Henry James. Ele a incentivou a explorar a técnica narrativa do stream of consciousness (fluxo de consciência), usada pelo escritor James Joyce, por exemplo. Isso teve uma influência formativa em seu estilo de escrita modernista.

Mais tarde, Stein se matriculou na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Após um bom desempenho inicial, ela logo perdeu o interesse e não concluiu os estudos. Em vez disso, mudou-se para Paris, onde seu irmão Leo morava e já colecionava arte.

Mecenas da arte de vanguarda

Como amantes da arte, os irmãos colecionavam pinturas de artistas famosos, como Paul Cézanne, Jean Renoir, Édouard Manet e Paul Gauguin. Mas eles também compravam obras de pintores desconhecidos na época, incluindo as primeiras pinturas cubistas de Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris, bem como quadros expressionistas de Henri Matisse. Um artigo publicado no New York Times em 1968 descreveu o apartamento dela na Rue de Fleurus, 27, na margem esquerda do Sena, como o "primeiro museu de arte moderna".

Stein costumava organizar salões noturnos aos sábados, que atraíam não apenas artistas europeus de vanguarda, cujas obras estavam penduradas do chão ao teto de seu apartamento, mas também escritores americanos. Stein os chamava de "geração perdida". Entre os convidados literários estavam Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Ezra Pound.

"Todos traziam acompanhantes, vinham a qualquer hora e isso começou a ser um incômodo. Assim começavam as noites de sábado", conta Stein em A autobiografia de Alice B. Toklas, sobre sua parceira de vida.

Desafio para Picasso

Picasso começou a trabalhar num retrato de Stein logo após o primeiro encontro mútuo, em 1905, como agradecimento pelo patronato. Segundo relatos, Stein posou para o mestre espanhol cerca de 90 vezes. Só então ele se deu por satisfeito e acreditou ter retratado a personalidade dela – não suas feições – de forma satisfatória na tela.

Retrato de Gertrude Stein por Pablo Picasso, uma mulher de cabelos castanhos curtos, séria e contemplativa
Picasso sobre seu retrato de Gertrude Stein: se o quadro não se parece com ela, um dia ela se parecerá com o quadroFoto: Avalon/picture alliance

No entanto, houve quem visse pouca semelhança com Stein, no que seria um prenúncio dos experimentos de Picasso no cubismo. Aos críticos, Picasso teria respondido: "Não importa, no fim, ela vai parecer com o retrato". A obra, concluída em 1906, faz parte da coleção permanente do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Charlie Chaplin, que Stein conheceu em 1934 durante uma turnê literária de seis meses nos EUA, fez referência ao poema Sagrada Emily, escrito em 1913 e publicado em 1922, em seu filme Luzes da ribalta, de 1952, quando diz: "Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”.

Chaplin escreveu mais tarde em sua autobiografia sobre a escritora: "Ela gostaria de me ver num filme, subindo a rua e virando uma esquina, depois outra esquina e outra."

Fama literária e descontentamentos alheios

"Gertrude Stein chegou", dava as boas-vindas um cartaz na Times Square. Assim foi recebida a escritora e sua companheira Alice B. Toklas durante uma turnê, em Nova York. Stein já havia publicado vários livros sobre casos de amor lésbico, como Q.E.D e Botões tenros.

Entretanto foi A autobiografia de Alice B. Toklas que finalmente proporcionou fama literária a Stein. Ele esgotou em Nova York nove dias antes do lançamento oficial, em 1933, foi reimpresso quatro vezes nos dois anos seguintes, e fez de Stein e Toklas o casal de lésbicas mais famoso do mundo.

O livro trata de sua vida em Paris, e algumas das observações mordazes sobre os famosos convidados dos salões parisienses, que não foram bem recebidas. Matisse ficou irritado com a maneira como Stein descreveu sua esposa.

Hemingway chamou o livro de "um maldito livro miserável" depois de ter sido descrito nele como "frágil e covarde". Ele retribuiu "a gentileza" no livro de memórias Paris é uma festa, publicado em 1964, no qual descreveu a prosa de Stein como repetições "que um escritor mais consciente e menos preguiçoso teria colocado na cesta de lixo".

Judia, homossexual e colaboradora de nazistas

Durante a Primeira Guerra Mundial, Stein e Toklas se ofereceram como voluntárias para o Fundo Americano para os Franceses Feridos, para entregar suprimentos aos hospitais franceses, apesar de nenhuma das duas ter habilidade ao volante. O casal recebeu a Medalha de Reconhecimento Francês, uma honraria concedida a civis como sinal de gratidão do governo. 

Casal Gertrude Stein e  Alice B. Toklas posa com seu cachorro Basket
Casal de lésbicas mais famoso do mundo: Gertrude Stein (esq.) e Alice B. Toklas com o cachorro BasketFoto: Everett Collection/CPL Archives/picture alliance

As atividades de Stein durante a Segunda Guerra Mundial foram analisadas de forma mais crítica. Como judia e homossexual vivendo na França ocupada pelos nazistas, ela foi aconselhada a deixar o país. Mas ela e Toklas só deixaram Paris e foram para Bilignin, que ficava na parte do país não ocupada, sob o regime de Vichy. Lá, Stein traduziu para o inglês os discursos antissemitas do ex-general francês Philippe Pétain, mas os textos nunca foram publicados. 

Stein também era amiga de Bernard Fay, poderoso funcionário do governo de Vichy, cuja influência provavelmente garantiu que os nazistas não saqueassem sua enorme e valiosa coleção de obras de arte.

Stein morreu logo após a guerra, em 27 de julho de 1946, aos 72 anos, e foi sepultada no cemitério Père Lachaise, em Paris, onde também estão Oscar Wilde, Frédéric Chopin, Edith Piaf, Amedeo Modigliani e Jim Morrison.