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Pose em Auschwitz, "look massacre" e a era da falta de noção

Nina Lemos
Nina Lemos
25 de abril de 2023

Antigos campos de concentração não podem virar uma Disney, assim como ataques a escolas não podem ser banalizados. Não somos mais capazes disso? Na agilidade de postar, perdemos a capacidade de refletir e respeitar?

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Portão de entrada e trilhos diante do antigo campo de concentração de Auschwitz
Cenário para fotos de turistas, trilhos na entrada de Auschwitz serviam para levar milhares de vítimas para a morteFoto: Alex Pantcykov/dpa/Sputnik/picture-alliance

Há mais de dez anos, a atriz Nana Gouvêa causou choque e virou meme ao fazer um ensaio de fotos sensual em meio aos destroços do furacão Sandy, em Nova York. Naquela época, achamos que aquilo fosse uma prova de que tínhamos chegado ao fundo do poço. Estávamos enganados. A era das selfies e das redes sociais mostrou que não há limite para a falta de noção –  e que tudo pode piorar.

A prova: na semana passada, a foto de uma mulher sensualizando e sorrindo nos trilhos do antigo campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia, rodaram o mundo e causaram choque.

Esses trilhos, é importante lembrar, serviam para levar milhares de vítimas para a morte. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas em Auschwitz. Milhares foram torturadas, passaram fome, trabalharam até a morte. É um horror absoluto. E não, isso jamais pode ser banalizado. O fato fez com que o Memorial de Auschwitz se manifestasse e pedisse respeito aos visitantes.

"Imagens podem ter um imenso valor emocional e documental para visitantes. Imagens nos ajudam a lembrar. Ao chegar ao Memorial de Auschwitz, os visitantes deveriam ter em mente que estão entrando no local autêntico do antigo campo onde mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas. Respeite a memória delas", escreveu a entidade no Twitter.

Essa não é a primeira vez (e infelizmente) não deve ser a última, que o memorial precisa fazer esse tipo de apelo a visitantes. Em 2019, a entidade publicou no Twitter a seguinte mensagem:

"Quando você vier ao Memorial de Auschwitz, lembre que mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas neste local. Respeite a memória delas. Existem lugares melhores para aprender a andar sobre uma trave de equilíbrio do que um local que simboliza a deportação de centenas de milhares de pessoas para a morte." Junto, a conta de Twitter do Museu e Memorial postou fotos de jovens se equilibrando sorridentes sobre os trilhos. Sim, as pessoas fazem esse tipo de "brincadeira" nesses trilhos do pavor.

Falta de respeito e ética

É assustador que uma instituição tenha que pedir o óbvio: o respeito à memória do Holocausto e de suas vítimas. Um memorial como esse foi feito justamente para que isso não seja esquecido. Afinal, precisamos lembrar e conhecer os horrores da história para que eles não se repitam.

É por isso que antigos campos de contração nazistas são abertos a visitação. E não, eles não podem ser transformados numa Disney. Alguns lugares e momentos requerem silêncio e reflexão. Não somos mais capazes de fazer isso? Na agilidade de postar, perdemos a capacidade de pensar e respeitar?

No caso de muitos, parece que sim. A noção de educação e respeito básico parecem ter desaparecido.

Postar fotos é um vício. E que, em muitos casos, faz com que se deixe a ética de lado.

"Look massacre"

Na mesma semana em que a foto da moça sensualizando em Auschwitz rodava o mundo, em meio boatos em redes sociais sobre possíveis ataques a escolas brasileiras em 20 de abril, uma professora postou uma foto nas redes sociais e escreveu na legenda: "look de hoje: especial massacre". "Se eu morrer hoje, estarei belíssima pelo menos", dizia o post. Lorena Santos, de 28 anos, professora em Brasília, foi advertida pela Secretaria de Educação do DF e passou a ser alvo de uma investigação da Polícia Civil.

Essa "brincadeira" é inaceitável, ainda mais por vir de uma professora. Ela desrespeita as vítimas de outros massacres, as crianças com medo, os pais apavorados e seus próprios colegas. No dia 27 de março, a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, foi assassinada em uma escola em São Paulo. Dá para fazer piada com isso? Não, não dá. 

Em sua defesa, Luana apagou a postagem, se desculpou e disse também ser vítima das ameaças de violências nas escolas, ter uma filha em escola pública e um "humor ácido".

Encarar os horrores

Não é necessário ser especialista em psicanálise para entender que tirar fotos e fazer piadas é também uma maneira de lidar com o próprio medo e sentimentos de pavor. Postar e fazer piada é uma maneira de diminuir a gravidade da situação para nós mesmos. Do estilo: "Estou com medo, então vou transformar isso em meme e rir muito."

Mas a vida é dura. E não podemos, simplesmente, como crianças, rir de tragédias e do Holocausto.

Encarar os horrores do nosso tempo e do passado não é uma tarefa fácil. Mas lembrar com respeito é uma das únicas maneiras de sairmos do buraco. Não vai ser rindo ou postando fotos ou hashtags que vamos resolver essas questões. Dói muito. Mas não podemos fugir dessa dor.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.