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"Este país também me pertence", diz escritora turca

Ceyda Nurtsch md
20 de julho de 2017

Asli Erdogan ficou meses na cadeia devido a posicionamentos contrários ao governo em Ancara. Em entrevista, ela diz por que decidiu ficar na Turquia, e não optar pelo exílio, como fizeram outros intelectuais.

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"Minha alma ainda está na prisão", diz escritora Asli Erdogan
"Minha alma ainda está na prisão", diz escritora Asli ErdoganFoto: Getty Images/AFP/O. Kose

A escritora turca Asli Erdogan foi presa pela polícia turca em agosto do ano passado, devido a suas colunas no jornal pró-curdo Özgür Gündem, juntamente com 22 outros colegas do periódico. 

Seu encarceramento ocorreu no âmbito dos expurgos realizados pelo governo turco após o fracassado golpe de Estado ocorrido no mês anterior na Turquia. Ela ficou quatro meses e meio em uma penitenciária para mulheres em Istambul, tendo sido libertada da prisão preventiva devido à sua condição de saúde. 

Em entrevista à DW, ela conta como sua experiência na prisão influencia sua arte e por que preferiu permanecer em um país marcado pela repressão do governo à liberdade de expressão de intelectuais, artistas e jornalistas.

DW: Seu estilo de escrever é muitas vezes comparado ao de Kafka. Também é tragicamente muito kafkiano o fato de a senhora ter sido presa em 16 de agosto de 2016, no meio da noite, tendo passado quatro meses na prisão. Como a senhora explica essa detenção de um dia para o outro?

Asli Erdogan: Honestamente, eu também fiquei muito surpresa. Ao mesmo tempo, eu já esperava por isso, você pode sentir algo no ar. Este processo kafkiano eu atribuo ao seguinte: eu não sou curda e nem sou politicamente ativa. Mas eu escrevi algo sobre a questão curda. De acordo com um relatório das Nações Unidas, dois mil civis morreram no sudeste do país. Uma vez que você pergunta como eles morreram, você tem que pagar um preço muito alto por isso. Estas são tentativas de intimidar-nos, a nós, os chamados turcos brancos, dizendo "não se intrometam, deixem que façamos com os curdos o que queremos, senão vamos punir vocês mais severamente do que ao PKK [banido Partido dos Trabalhadores do Curdistão]".

A senhora vai abordar sua experiência na prisão em sua obra literária?

Ainda que soe estranho, minha alma ainda está na prisão. Os processos vão levar algum tempo para me dizer "se você se rebelar, volta lá para dentro". Escrever é a única coisa que eu conheço para lidar com esses traumas. Eu ainda não cheguei ao ponto de poder dizer que estou fora e que posso curar minhas feridas. Mas me sinto obrigada a tomar nota de tudo. As histórias das mulheres que conheci lá devem ser contadas.

Marcha da Justiça, promovida pela oposição turca para protestar contra o governo, em 8 de julho de 2017
Marcha da Justiça, promovida pela oposição turca para protestar contra o governo no início de julhoFoto: Getty Images/C.McGrath

A senhora disse certa vez que o que a liga mais fortemente à Turquia é a linguagem. O ano que se passou desde a declaração do estado de emergência e suas experiências na prisão mudaram sua linguagem?

Essa é uma pergunta muito boa que nunca ninguém me fez. Um dos meus textos, que foi incluído no meu processo, é um monólogo interior completo sobre como a violência do mundo exterior, o fascismo fere nosso mundo interior e, portanto, a nossa linguagem. Adorno disse que depois de Auschwitz não se pode mais fazer poesia. Você tem que encontrar uma linguagem que reflita essa violência. Isso não é fácil. Quando me ocupei dessa questão, me encontrei na prisão novamente.

Não seria uma situação contraditória que a senhora, enquanto está na prisão no seu país, receba prêmios no exterior?

Isso já começou anteriormente, por volta do ano 2000. O tempo na prisão foi o ponto alto dessa contradição. Enquanto o guarda penitenciário me xingava, membros do Parlamento Europeu pediam minha libertação. Minha editora é a atual ministra da Cultura francesa. Mas aqui, um policial pode me bater, me levar me puxando pelo cabelo. Eu tento não levar isso tanto para o lado pessoal.

A senhora ainda se sente em casa em Istambul ou na Turquia? Muitos artistas, acadêmicos e jornalistas preferem deixar o país.

Eu não condeno ninguém que sair por causa de sua segurança pessoal. Pelo contrário. Há 15 anos não me sinto mais em casa na Turquia. Talvez até mesmo desde que estou no mundo. Meu lar, minha pátria, meu cordão umbilical é a língua. Eu sou uma escritora de turco. Eu amo escrever em turco e tenho uma relação muito pessoal com a minha língua. Se eu estivesse em outro país, essa relação seria quebrada. Se você não ouve seu próprio idioma, você perde o ritmo, o som dele.

Exílio é difícil, mas é claro que ainda melhor do que prisão. Mas no meu caso, eu tenho uma teimosia infantil. Quanto mais as pessoas dizem "vá", eu quero ficar. Eu digo: "Esta terra também me pertence!" 

A senhora participou, como escritora, simbolicamente, da Marcha pela Justiça. Por que a senhora acha que não há coesão na oposição turca?

A principal razão pela qual a oposição não se une é o nacionalismo turco e, até certo ponto, o nacionalismo curdo. A oposição se divide quanto à questão curda. Em uma sociedade que é dominada pelo nacionalismo chauvinista, discriminação e preconceito não estão longe. Isso se aplica a todos os partidos.