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Encarar Auschwitz de frente

sm18 de outubro de 2002

Prêmio Nobel da Literatura Imre Kertész elogia a reflexão histórica alemã sobre o Holocausto, lamentando que a Hungria ainda não tenha se confrontado com os cadáveres em seu porão.

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Hungria deve encarar de frente o Holocausto, afirma Imre KertészFoto: AP

Em sua primeira aparição pública na Hungria, após a divulgação de sua premiação como Nobel da Literatura, Imre Kertész desafiou seu país a encarar de frente o Holocausto. Ele lamentou que os húngaros não tenham acompanhado a reflexão histórica da Alemanha e de outros países ocidentais, nos quais Auschwitz representa uma ruptura da civilização e o marco zero da cultura ocidental.

O tabu do Holocausto

– Deportado para Auschwitz com 15 anos de idade, em 1944, Kertész escapou por pouco da morte, sendo libertado no fim da guerra do campo de concentração de Buchenwald – experiências que o autor elaborou em Romance de um Homem sem Destino (1975). Seiscentos mil judeus húngaros foram assassinados em campos de concentração alemães. As deportações foram organizadas pelas autoridades húngaras, sob comando alemão. O regime comunista sempre abafou este aspecto do envolvimento húngaro no Holocausto, mas mesmo depois do fim do regime socialista, há doze anos, a discussão sobre este tema ainda é tabu no país.

O exemplo alemão

– Para Kertész, a Hungria ainda não se conscientizou de seu envolvimento na exploração e no extermínio sistemático dos judeus. "A experiência alemã mostra, no entanto, que um povo que assume sua história e crimes cometidos em seu nome não se rebaixa, mas – muito pelo contrário – só tem a ganhar com esta conscientização", lembrou o escritor. Ele declarou que se sentiria absolutamente realizado se a sua premiação pudesse contribuir, pelo menos um pouco, para que a Hungria passe por um processo semelhante. Pelo menos retoricamente, a decisão do comitê sueco já levou o Estado húngaro a se prontificar a subsidiar a filmagem do Romance de um Homem sem Destino.

Cartel do silêncio

– Em entrevista ao semanário alemão Die Zeit, Kertész descreveu a situação sem medir palavras: "Na Hungria, não houve qualquer reflexão. Até hoje impera um cartel do silêncio, uma cultura da suspeita. Impera um anti-semitismo aberto. Nazistas declarados, nacionalistas agressivos aparecem na mídia. Quase tão nojento quanto no fim dos anos 30", desabafou o escritor que nunca teve grande reconhecimento dentro da Hungria.

A riqueza de Auschwitz

– Kertész recebeu a notícia de sua premiação em Berlim, onde está desde outubro escrevendo seu próximo romance. Trata-se de seu "último acerto de contas com Auschwitz", da catarse de um sobrevivente do Holocausto. "O senhor mudaria a história, para Auschwitz nunca ter acontecido?", perguntou o jornal Die Zeit. A Kertész respondeu: "Auschwitz é a minha maior riqueza. A proximidade da morte é inesquecível. A vida nunca foi tão bela como neste longo momento."