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CIA disse para Bolsonaro não minar eleições, segundo agência

5 de maio de 2022

Diretor do órgão de inteligência dos EUA reuniu-se com o presidente brasileiro em julho de 2021 e transmitiu mensagem sobre importância de não questionar lisura das eleições, segundo fontes relataram à agência Reuters.

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William J. Burns
Diplomata de carreira, William Burns é considerado um porta-voz discreto da Casa BrancaFoto: Biden Transition/Zumapress/picture alliance

O diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) disse no ano passado a ministros do governo brasileiro que o presidente Jair Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação do país, relataram fontes à agência de notícias Reuters.

Os comentários do diretor da CIA, William Burns, que ainda não tinham vindo à tona, foram feitos em uma reunião em julho, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto que falaram à Reuters sob condição de anonimato. Burns era, e continua sendo, o mais alto funcionário dos Estados Unidos que se reuniu em Brasília com integrantes do governo Bolsonaro desde a eleição do presidente americano, Joe Biden.

Uma terceira pessoa em Washington familiarizada com o assunto confirmou que uma delegação liderada por Burns havia dito aos principais assessores de Bolsonaro que o presidente brasileiro deveria parar de minar a confiança no sistema de votação do Brasil. Essa fonte não estava certa, porém, se o próprio diretor da CIA havia expressado essa mensagem.

A CIA recusou-se a comentar, e o gabinete de Bolsonaro não respondeu a pedidos de comentários.

Receio sobre postura das Forças Armadas

Burns chegou a Brasília seis meses após a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump que seguiam comandos de seu líder para não reconhecer a derrota eleitoral.

Bolsonaro, um político de extrema direita que idolatra Trump, reproduziu as alegações infundadas do americano de que teria havido fraude nas eleições americanas de 2020. E também lança dúvidas com frequência sobre o sistema de votação eletrônica do Brasil – afirma, sem apresentar provas, que ele é vulnerável e diz que teria sido eleito no primeiro turno em 2018 se não fossem supostas fraudes.

Esse comportamento desperta receio entre seus opositores de que Bolsonaro, que está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião, esteja semeando dúvidas para que possa seguir o exemplo de Trump e não reconhecer uma eventual derrota após as eleições.

Em várias ocasiões, Bolsonaro mencionou a possibilidade de não aceitar os resultados, e atacou várias vezes o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na semana passada, ele sugeriu que os militares conduzissem a sua própria contagem de votos paralela.

Duas das fontes consultadas pela Reuters alertaram para uma potencial crise institucional caso Bolsonaro seja derrotado por uma margem estreita, quando as atenções estarão voltadas para o papel das Forças Armadas brasileiras, que governaram o país durante a ditadura militar de 1964 a 1985, celebrada por Bolsonaro.

Jair Bolsonaro
No final de abril, Bolsonaro sugeriu que os militares conduzissem sua própria contagem de votos paralela nas eleiçõesFoto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Durante sua viagem não divulgada ao Brasil, Burns, um diplomata de carreira nomeado por Biden no ano passado, reuniu-se no palácio presidencial com Bolsonaro, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Burns também participou de um jantar na residência do embaixador dos EUA com Heleno e o ministro-chefe da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos. O exército brasileiro historicamente mantém laços estreitos com a CIA e outros serviços de inteligência dos EUA.

No jantar, de acordo com uma das fontes, Heleno e Ramos procuraram minimizar o significado das repetidas alegações de fraude eleitoral feitas por Bolsonaro. Em resposta, disse a fonte, Burns afirmou que o processo democrático era sagrado e que Bolsonaro não deveria falar dessa maneira sobre o tema.

"Burns estava deixando claro que as eleições não eram uma questão na qual eles deveriam mexer", disse a fonte, que não foi autorizada a falar publicamente. "Não foi uma aula, foi uma conversa."

Porta-voz discreto de Biden

É incomum que diretores da CIA sejam emissários de mensagens políticas, disseram as fontes. Mas Biden capacitou Burns, um dos mais experientes diplomatas dos EUA, a ser um porta-voz discreto da Casa Branca.

No mês passado, por exemplo, Burns disse em um discurso público que em novembro, quatro meses após visitar Brasília, Biden o despachou para Moscou "para transmitir diretamente para [o presidente russo Vladimir] Putin e vários de seus conselheiros mais próximos a seriedade de nossa preocupação com seu planejamento para a guerra, e as consequências para a Rússia" se eles seguissem em frente.

O teor de seus comentários em Brasília foi reforçado no mês seguinte à sua viagem, quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, reuniu-se com Bolsonaro e levantou preocupações semelhantes sobre minar a confiança nas eleições. Entretanto, a mensagem da delegação de Burns foi mais forte do que a de Sullivan, disse a fonte sediada em Washington.

"É importante que os brasileiros tenham confiança em seus sistemas eleitorais", disse um funcionário do Departamento de Estado americano em uma declaração quando solicitado a comentar, acrescentando que os Estados Unidos estão confiantes nas instituições brasileiras, que incluem eleições livres, justas e transparentes.

No sábado, porém, em um novo sinal de inquietação entre alguns dos responsáveis pela política externa de Washington, o mais recente cônsul americano no Rio escreveu em um jornal brasileiro que os Estados Unidos deveriam deixar claro para Bolsonaro que qualquer esforço para minar as eleições desencadearia sanções internacionais.

Durante a campanha presidencial americana de 2020, Biden criticou a performance do governo Bolsonaro em temas ambientais, e o presidente brasileiro foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer sua vitória sobre Trump.

Autoridades em Washington procuraram melhorar os laços com Brasília nas últimas semanas, e os presidentes das duas nações poderão se encontrar pessoalmente em breve se Bolsonaro participar da Cúpula das Américas, que será realizada em junho em Los Angeles.

Na tarde de quinta-feira, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República divulgou uma nota em que confirmou a reunião com o diretor da CIA, mas disse que "não recebe recados de nenhum país, nem os transmite".

"A agenda com o diretor da CIA foi devidamente divulgada. Os assuntos tratados, em reuniões, na área de inteligência, são sigilosos. O GSI não recebe recados de nenhum país do mundo, nem os transmite. Temos um excelente corpo de diplomatas e adidos para tratar dos interesses nacionais", afirmou o GSI.

bl/ek (Reuters)