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Ban Ki-moon deixa legado misto para Nações Unidas

Kai Steinecke av
13 de dezembro de 2016

Tranquilo e constante para uns, omisso para outros, sul-coreano deixa ONU após dez anos como secretário-geral. Entre suas conquistas estão avanços quanto à proteção climática e mais diversidade na organização.

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Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU 2007-2016
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU 2007-2016Foto: Ruters/V. Kessler

Ao entregar o cargo de secretário-geral no fim de 2016, para seus opositores Ban Ki-moon provavelmente permanecerá o homem que, com seu procedimento hesitante e pouco carisma, contribuiu para a falta de perfil da Organização das Nações Unidas. Por outro lado, é justamente por isso que seus apoiadores o apreciam: como timoneiro tranquilo e constante da organização existente há 71 anos.

No entanto, logo após tomar posse em 2007, ele causou considerável celeuma em torno da ONU. O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein acabara de ser executado, e Ban foi ouvido comentar que cabia a cada país decidir sobre suas execuções.

Em 2004 os Estados Unidos haviam entregado Hussein à Justiça do Iraque, e em novembro de 2006 ele foi condenado à morte na forca por crimes contra a humanidade. O comentário de Ban provocou indignação internacional, por se chocar com a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, que promulga o "direito à vida" para todos. Diante da pressão pública, o político sul-coreano relativizou sua declaração.

Neutralidade – ou omissão?

O primeiro mandato de Ban foi marcado pela tentação de consolidar novamente as alas dentro da ONU. A escolha de seu antecessor, Kofi Annan, já causara controvérsias, pois em 1997 os EUA o haviam imposto no cargo, apesar da oposição de diversos Estados-membros.

Ainda assim, Annan não permaneceu fiel aos americanos, condenando numa entrevista a invasão do Iraque como ilegal nos termos da Carta das Nações Unidas. Do ponto de vista do então secretário-geral, Washington e seus aliados deveriam ter esperando pela aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

Saudações pós-eleitorais a Ahmadinejad (esq.) renderam críticas severas a Ban
Saudações pós-eleitorais a presidente iraniano Ahmadinejad (esq.) renderam críticas severas a BanFoto: AP

Por sua vez, Ban defendeu o procedimento dos EUA: "Precisamos saber valorizar essa contribuição dos Estados Unidos e os sacrifícios que ela implica." Também em 2009 ele manteve o curso da neutralidade, ao congratular o presidente reeleito do Irã Mahmud Ahmadinejad por sua vitória nas urnas, embora o pleito tivesse sido obscurecido por pesadas acusações de fraude, vindas tanto de dentro do país como do exterior.

Mais tarde, o resultado dessa eleição presidencial desencadeou fortes protestos e distúrbios no Irã, com cerca de 4 mil prisões e 70 mortes. Diversos intelectuais iranianos apelaram à ONU, porém Ban se calou.

Tais decisões definem bem o perfil diplomático do sul-coreano. Em seu primeiro mandato, ele contornou os temas controversos da política mundial, concentrando-se em manter funcional a sua organização. Segundo observadores, ele não se sentia à vontade no papel de crítico, e deixou para abordar as questões mais polêmicas em seu segundo mandato.

Paladino do clima global

O combate ao aquecimento global, em contrapartida, foi desde o início uma causa apaixonada para Ban. "O perigo que a mudança climática representa para a humanidade e o planeta é pelo menos tão sério quanto o de uma guerra [atômica]", comentou já no ano de sua posse, na Assembleia Geral da ONU.

Ban (2º esq.) comemora aprovação do Acordo de Paris sobre o clima
Ban (2º esq.) comemora aprovação do Acordo de Paris sobre o climaFoto: Reuters/S. Mahe

Ban também sustentou essa posição na Conferência do Clima promovida pela ONU em Copenhague em 2009. Contudo a reviravolta – pelo menos no nível diplomático – só chegou em 2015, com o Acordo de Paris sobre o clima. Ban mais tarde classificaria esse como um dos momentos mais felizes de sua carreira.

Recentemente o secretário-geral expressou a esperança de que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, "escute" e "mude suas declarações de campanha", no que se refere à proteção do clima. Ban se disse convencido de que o bilionário "entenderá a seriedade e a urgência de confrontar a mudança climática" – afinal de contas, no momento todo o mundo se engaja contra o aquecimento da Terra, reforçou.

Capítulos escuros para os capacetes azuis

Já antes de seu segundo mandato, anunciou-se uma transformação do estilo diplomático de Ban. Durante a crise governamental na Costa do Marfim, em 2011, quando o dirigente Laurent Gbagbo se recusou a admitir a derrota perante o líder oposicionista Alassane Ouattara, o chefe da ONU agiu rapidamente, urgindo o Conselho de Segurança a enviar tropas de paz. Desse modo, a organização pelo menos conseguiu evitar uma nova eclosão da guerra civil e forçar Gbagbo a entregar o cargo.

Durante a legislatura de Ban, contudo, ocorreram dois capítulos escuros da mobilização dos capacetes azuis. Um foi a epidemia de cólera de 2010 no Haiti, causando a morte de 9 mil pessoas e contagiando 800 mil.

O surto fatal foi desencadeado por tropas de paz nepalesas, em seguida a um terremoto. O secretário-geral só se desculpou depois de algumas semanas, admitindo "responsabilidade moral" da ONU. Quanto a responsabilidades jurídicas pela tragédia, a organização as rechaça até hoje.

Protesto em Genebra: ONU é corresponsabilizada pela fome e a guerra na Síria
Protesto em Genebra: ONU é corresponsabilizada pela fome e a guerra na SíriaFoto: Reuters/D. Balibouse

De maneira semelhante transcorreu o escândalo sobre estupros e abuso sexual infantil por capacetes azuis na República Centro-Africana, em 2014. Anders Kompass, o whistleblower que transmitiu as informações às autoridades francesas, foi suspenso da ONU, sendo instaurado um inquérito contra ele. Kompass, que trabalhara durante 17 anos no escritório do alto comissário de direitos humanos, mostrou-se sensivelmente decepcionado com a reação e criticou o exame insuficiente dos fatos. Por fim, renunciou a seu cargo.

Que até mesmo o mais empenhado secretário-geral acaba por esbarrar em seus limites, diante das estruturas e relações de poder existentes nas Nações Unidas, foi uma constatação que Ban teve que encarar de forma especialmente drástica perto do fim de seu mandato, no contexto do conflito na Síria.

Na última assembleia extraordinária do Conselho de Segurança, em setembro, o diplomata sul-coreano perguntou aos governos por quanto tempo ainda permitiriam crimes contra a população civil, exigindo, inutilmente: "Esse pesadelo precisa ter fim."

Diversidade e ambições presidenciais

No entanto, em outros setores Ban conseguiu avanços. Por exemplo, na diversidade, ao estabelecer novos padrões para a equiparação de homossexuais, bissexuais e transgêneros (LGBT), numa ONU cujos próprios Estados-membros ainda violam frequentemente os direitos desses grupos.

Durante seu discurso The time has come (O tempo chegou), pronunciado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2012, um grupo de delegados deixou a sala, em protesto. Numa entrevista, Ban admitiu que para ele próprio não fora fácil abordar a problemática: "Cresci em meios muitos conservadores na Coreia do Sul."

Além disso, ele elevou significativamente a quota feminina dentro da organização. Segundo a encarregada de assuntos da ONU Angela Kane, desde sua posse em 2007, ele "nomeou mais mulheres do que nunca".

Certos observadores especulam que Ban agora aspire ao posto de presidente da Coreia do Sul, onde as pesquisas de opinião o situam em segundo lugar na preferência do eleitorado.

Como revelou recentemente em entrevista seu colaborador próximo Kim Won-soo, subsecretário-geral da ONU, Ban pretenderia visitar as viúvas de presidentes passados – na Coreia do Sul, a forma tradicional de iniciar uma campanha presidencial.

O próprio Ban afirma, entretanto, que a partir de 1º de janeiro, antes de tudo voltará a ser um cidadão totalmente normal. "Vou retornar a meu país, a fim de discutir com amigos e com a sociedade sul-coreana qual deverá ser o meu papel para minha pátria."