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Como recuperar ativos suspeitos de angolanos em Portugal?

16 de outubro de 2018

A PGR portuguesa e a sua congénere angolana estão a cooperar para os procedimentos administrativos que poderão conduzir ao congelamento de ativos suspeitos de corrupção em Portugal. Mas há dificuldades a vista.

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Georges Chikoti Besuch Portugal
Foto: DW/J. Carlos

Esta operação, cujos detalhes ainda não são revelados pelo Ministério Público português, está em curso no âmbito dos esforços do Executivo de João Lourenço para fazer regressar os capitais exportados de Angola para o exterior de forma ilícita. Entretanto, de acordo com Karina Carvalho, diretora-geral da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), "não basta apenas vontade política" para combater a corrupção e recuperar o capital que Angola tem no estrangeiro.

Para já, ainda é muito difícil saber qual o montante global do capital angolano colocado em Portugal por altas figuras ligadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Muitos destes capitais foram canalizados para o exterior através de off-shores. A questão que se coloca é se será possível repatriar os ativos suspeitos que Angola tem concretamente em Portugal.

Angola Luanda Joao Lourenco
João Lourenço, Presidente de Angola Foto: DW/A. Cascais

Karina Carvalho acredita que isso é possível, na base de acordos de cooperação internacional entre os dois países, nomeadamente entre as autoridades tributárias, os órgãos judiciais e a polícia de investigação criminal.

"Aquilo que se sabe é que, nas situações em que há suspeita de esses capitais foram obtidos ou de forma ilegal ou foram retirados do país também de forma ilegal, a expetativa é que as autoridades de ambos os países cooperem no sentido de garantir que esses capitais sejam devolvidos ao seu dono legítimo. Neste caso será o Estado angolano", explica.

Imóveis e dinheiro

Os ativos angolanos em Portugal traduzem-se em imóveis de luxo e avultadas somas em dinheiro depositadas na banca portuguesa em nome de elementos da elite que governava em Angola no tempo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

"A questão dos imóveis é um pouco mais complicada", diz Karina Carvalho, que explica que não é fácil identificar "o beneficiário efetivo". "Ou seja, saber quem são os legítimos donos dos fundos, os legítimos donos dos imóveis", explica.

A diretora-geral da TIAC lembra que, em Portugal, depois de uma nova diretiva europeia contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, foi ampliado o acesso a informações sobre os beneficiários efetivos. É desejo da associação que esse registo seja público, de modo a permitir o conhecimento dos verdadeiros donos legítimos dos fundos e dos imóveis, considerados património.

No entanto, segundo Karina Carvalho, a recuperação de ativos é um processo que demora muito tempo. "É preciso mecanismos às vezes muito sofisticados. As políticas também têm que ser muito bem dotadas de instrumentos que lhes permitam verificar na prática como é que esses fundos foram obtidos, que esteja um passo à frente até daqueles que ganham a branquear capitais".

Rui Verde
Rui Verde: "Boa relação entre os países pedirá o repatriamento de capitais"Foto: DW/J. Carlos

Neste contexto, a colaboração entre as autoridades policiais e de investigação dos dois países é fundamental. Segundo a diretora da TIAC, é preciso também que essa cooperação se faça ao nível da capacitação os meios judiciais, das polícias, das perícias, dos equipamentos técnicos, "porque isso é absolutamente fundamental para se conseguir recuperar ativos que foram obtidos ilegalmente ou tirados do país ilegalmente".

Nova direção

Na sexta-feira passada (12.10), o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, deu posse à nova Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que, entre outros, herda os processos sobre Angola.

Contatado pela DW, que solicitou informação sobre as ações em curso em cooperação com a sua congénere angolana, o gabinete de imprensa da PGR portuguesa respondeu por e-mail com uma frase lacónica, referindo que "as relações entre os Ministérios Públicos de Portugal e de Angola desenvolvem-se no espírito de mútua colaboração e no quadro da cooperação judiciária internacional, no integral respeito das Convenções e Acordos internacionais a que ambos os países se vincularam".

Para o jurista português Rui Verde, "é evidente" que se espera que as autoridades que têm como função defender a legalidade apliquem as convenções e tratados internacionais a que Portugal está vinculado. Mais uma vez, refere o professor de direito, "estamos perante um problema com contornos políticos que coloca Portugal numa posição difícil".

Rui Verde considera que "muitos daqueles que deveriam repatriar capitais para Angola foram investigados pelo DCIAP e viram os seus processos arquivados em nome das boas relações com Luanda". "Agora, em nome das mesmas boas relações", reforça o jurista, "o mesmo DCIAP provavelmente ver-se-á obrigado a abrir esses processos para incentivar o repatriamento".

Relações

A cooperação entre os dois países nesta matéria foi reforçada na recente visita a Angola do primeiro-ministro português, António Costa, lembra Eugénio Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). E, acrescenta, será também tema na agenda do Presidente angolano, João Lourenço, durante a visita que efetuará a Portugal em novembro próximo.

Como recuperar ativos suspeitos de angolanos em Portugal?

O analista luso-angolano considera, entretanto, que "grande parte desses fundos estão detidos por pessoas como eu, que têm a dupla nacionalidade. E, portanto, se convenientemente quiserem usar a nacionalidade portuguesa para salvaguardarem os seus ativos, sejam eles físicos, mobiliários, ou fundos como capitais, como depósitos, é evidente que não terão problemas nenhum em fazê-lo. Aí Angola fica um bocadinho atada quanto à possibilidade de repatriamento desses diversos tipos de ativos".

"O que está em causa é detectar onde é que acaba a licitude e onde é que começa a ilicitude das transferências, como é que os fundos muitas vezes vieram ou não vieram, se foram; se foram obtidos já fora ou se vieram através de transferências de fundos de Angola para o exterior", adianta o investigador, que diz que "tudo isso tem que ser avaliado e coordenado a nível do topo, porque aí as coisas vão ter que ser devidamente tratadas".