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Reforma das Forças Armadas é dilema do novo Presidente da Guiné-Bissau

Johannes Beck21 de maio de 2014

Nuno Nabiam, o candidato apoiado pelos militares, perdeu as eleições na Guiné-Bissau. O voto a favor de José Mário Vaz terá sido um protesto aberto contra a ingerência das Forças Armadas na política do país?

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Foto: DW/B. Darame

No domingo, 18 de maio, José Mário Vaz, também conhecido por “Jomav”, ganhou a segunda volta das eleições presidenciais na Guiné-Bissau com 61,9% dos votos, relegando para a segunda posição o seu adversário Nuno Nabiam. Fica assim concluído o processo de retorno à normalidade institucional violada pelos militares com o golpe de Estado de abril de 2012.

A DW África falou com o analista português, Paulo Gorjão, diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança – IPRIS, sobre as perspectivas do resultado das eleições para a estabilidade e segurança do país.

DW África: A vitória de José Mário Vaz é um voto contra a ingerência do exército na política da Guiné-Bissau?

Paulo Gorjão (PG): É claramente um voto maciço a favor do regresso à legalidade constitucional e, portanto, à normalidade. Penso que mais do que o voto em Jomav ter sido um voto contra os militares, eu diria, um pouco nessa linha mas ao contrário: que o apoio que os militares deram a Nabiam o prejudicou.

DW África: O Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo-Verde (PAIGG) ganhou para além da maioria absoluta no Parlamento e do primeiro-ministro, que vai ser do PAIGC, agora também a presidencial. Vai pois ser o partido que vai dominar a agenda política nos próximos anos. Será que isto vai criar a possibilidade de mais distúrbios, tentativas de golpe, ou até mesmo um golpe de Estado por parte dos militares, tal como aconteceu contra Carlos Gomes Júnior, do PAIGC, em 2012?

Präsidentschaftswahl in Guinea-Bissau 2014
O novo Presidente, José Mário VazFoto: DW/Braima Darame

PG: Eu diria que não está colocada de parte a possibilidade de novas violações da ordem constitucional. Em todo o caso, quer o Presidente eleito, quer o novo primeiro-ministro, qualquer um dos dois fizeram declarações no sentido de que adoptariam abordagens inclusivas, e que gostariam de trabalhar com os militares. Evidentemente, se nada fizerem que mexa nos interesses dos militares, e sobretudo dos militares que estarão envolvidos potencialmente em atividades ilícitas, não haverá nenhum golpe de Estado. De alguma maneira, se houver um golpe de Estado, é sinal de que há vontade do primeiro-ministro, e sobretudo do Presidente, de forçar reformas.

E voltamos sempre à mesma questão de há dez ou 15 anos para cá. Os golpes de Estado ocorrem sempre que determinados setores dentro dos militares consideram que são candidatos ou iniciativas que são contrários aos seus interesses. Eu diria que tendo em conta a História da Guiné-Bissau, que se leve muito a sério a possibilidade de ocorrerem novos distúrbios na Guiné-Bissau.

DW África: Acha que existe por parte da comunidade internacional, como certos analistas dizem, menos tolerância em relação a ações militares como a de 2012. Refiro-me sobretudo à comunidade internacional regional na África Ocidental.

Präsidentschaftswahl in Bissau Wähler
Os guineenses não querem mais ingerência militar na políticaFoto: DW/M. Pessoa

PG: Vimos no último golpe de Estado que quem teve um papel fundamental na legitimação e no reconhecimento do “fait accompli” do golpe de Estado anterior foi a CEDEAO (Comunidade Económica da África Ocidental). A CEDEAO proclama uma política de tolerância zero, mas vimos que não é bem o caso, nem na Guiné-Bissau, nem noutros locais. Em todo o caso penso que com este ciclo de liderança militar na Guiné-Bissau, neste momento, de fato, o espaço de manobra é muito diminuto.

Penso que António Indjai não tem grandes condições para continuar no cargo. Para culminar o processo de regresso à legalidade constitucional ainda falta o seu afastamento. Mas mesmo que este afastamento não ocorra de imediato, penso que a CEDEAO não voltará a ter uma posição tão benévola, assumindo esse cenário, que esperemos que não aconteça, de um novo golpe de Estado ou de novos distúrbios com os militares nas ruas da Guiné-Bissau.

DW África: Será que Jomav terá a mesma coragem que Carlos Gomes Júnior teve, quando tentou reformar e controlar as Forças Armadas do país?

PG: Eu julgo que ele não tem uma posição fechada e que tem a clara noção de que os militares, na sua atual situação, serão sempre parte de um problema e não parte de uma solução. Com isto quero dizer que ele tem a clara noção de que a reforma do setor de segurança é fundamental para se ultrapassar um conjunto de impasses e problemas que envolvem as Forças Armadas da Guiné-Bissau, que são um factor de desestabilização permanente no país. E portanto esta questão tem de ser resolvida. Os militares, uma vez por todas, têm que regressar aos quartéis, e têm que assumir uma cultura militar que não tem nada a ver com aquela que tem sido corrente nas últimas décadas.

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Mas, se, por um lado, José Mário Vaz tem essa consciência, a verdade é que ele também tem consciência de que não tem meios para empreender essa tão desejada e necessária reforma das Forças Armadas e do setor de segurança em geral. Portanto, sem o apoio político inequívoco por parte da comunidade internacional, e financeiro, também, - e esta reforma não é uma reforma barata – eu penso que mais vale o Presidente não se meter nisso. Se a comunidade internacional não disponibiliza os meios financeiros necessários, e se não dá o apoio político necessário a Jomav, então ele nada fará.

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