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Os desafios da "Grande Muralha Verde" de África

Silja Fröhlich | kg
2 de abril de 2020

Até 2030, o plano dos países do Sahel é plantar árvores numa faixa de dezenas de milhares de quilómetros quadrados para conter a expansão do deserto do Saara. Mas o projeto tem problemas.

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Afrikas Grüne Mauer im Sahel | Sudan
Foto: Imago/Xinhua

A "Grande Muralha Verde de África" deverá estender-se da costa do Senegal, no oceano Atlântico, até ao leste da Etiópia. Com 15 quilómetros de largura e 7.775 quilómetros de extensão, a faixa de árvores tem um objetivo claro: impedir que o Saara avance cada vez mais pelo continente africano e prive, assim, milhões de pessoas dos seus meios de subsistência.

Pelo menos é essa a ideia da União Africana (UA), que lançou a iniciativa em 2007. "O muro verde uma tentativa inspiradora e ambiciosa de encontrar uma solução urgente para dois dos principais desafios do século 21, nomeadamente, a desertificação e a perda do solo fértil", explica Janani Vivekananda, especialista em alterações climáticas da adelphi, uma 'think tank' especializada em clima, meio ambiente e desenvolvimento.

Combate ao êxodo rural

A muralha verde é mais do que apenas um projeto ambiental. Até 2030, 100 milhões de hectares de terras atualmente improdutivas na região do Sahel serão restauradas, 250 milhões de toneladas de carbono serão absorvidos pelas árvores e criados dez milhões de empregos.

"Não se trata apenas de plantar árvores na região do Sahel, mas também de abordar questões como alterações  climáticas, seca, fome, conflitos, migração e degradação de terras", sublinha Janani Vivekananda em entrevista à DW.

"Muitas pessoas conseguem trabalho através deste projeto. As árvores geram frutos e também madeira", diz o especialista em clima Hans-Josef Fell, presidente do Energy Watch Group.

À sombra da floresta, o solo também pode ser usado para a agricultura. "Criar trabalho e rendimentos é uma das medidas mais importantes para combater as causas dos deslocamentos na região", acrescenta.

Afrikas Grüne Mauer im Sahel | Sudan
Foto: Imago/Xinhua

Obstáculos

O projeto prevê que a faixa verde atravesse 11 países. Um total de 20 nações comprometeu-se já a apoiar o plano ambicioso. A Comissão Europeia, por exemplo, já investiu mais de sete milhões de euros.

Entretanto, de acordo com as Nações Unidas, pouco mais de uma década depois, a iniciativa atingiu apenas 15% das metas. "O progresso é lento, mas aprendemos muito ao longo do caminho", diz a especialista Janini Vivekananda.

Outro problema enfrentado é o facto de as árvores serem plantadas numa zona onde ninguém poderia viver e cuidar da plantação. A ideia de um muro contínuo acabou por não ser bem-vinda.

Para solucionar este desafio, foram criadas  iniciativas locais para preservar as árvores que já existiam usando métodos tradicionais para, assim, garantir o abastecimento de água.

A ameaça da corrupção e do terrorismo

"O projeto está a ser bem-sucedido em algumas áreas e menos noutras", afirma o analista Hans-Josef Fell. Segundo a ONU, a Etiópia fez grandes progressos desde 2007. O país restaurou cerca de 15 milhões de hectares de solo desertificado.

"O principal motivo é o facto de o Presidente [etíope] Abiy Ahmed ter colocado a florestação no topo da sua agenda", disse Fell em entrevista à DW.

Na Nigéria, também houve sucesso no combate à desertificação. Cinco milhões de hectares de terra foram restaurados e 20.000 empregos foram criados. Também no Senegal, mais de 11 milhões de árvores foram plantadas, tornando 25.000 hectares de terra novamente férteis.

Na África Central, o cenário não é tão promissor, diz o presidente do Energy Watch Group. "O terrorismo é muito forte naquela zona, o que paralisa os esforços de ajuda internacional e o trabalho das organizações humanitárias. A corrupção também desempenha um papel quando o dinheiro prefere entrar nos bolsos dos políticos em vez de no desenvolvimento de projetos", sublinha.

No Burkina Faso, Mali e Níger, cerca de 120 municípios criaram um "cinturão verde" de mais de 2.500 hectares em terras anteriormente desertas e plantaram mais de dois milhões de sementes e mudas de 50 espécies de árvores nativas.

Afrikas Grüne Mauer im Sahel | Senegal, Baumschule in Louga
Foto: Getty Images/AFP/S. Diallo

Atrasos

A falta de financiamento é um problema particularmente significativo em países em conflito, como o Burkina Faso. Atualmente, a Iniciativa para a Grande Muralha Verde não está a investir devido à situação de insegurança no país.

Janani Vivekananda considera imprudente a falta de recursos. "O projeto seria uma boa maneira de criar paz. Mas se os investimentos forem feitos apenas em países estáveis, isso prejudicará os mais fracos, que sem investimentos estão mais expostos a novos conflitos e às mudanças climáticas. Em última análise, isso vai aumentar a desigualdade entre os países estáveis e os frágeis", afirmou.

Agora cabe aos governos de África reconhecer a iniciativa como um motor importante, diz Hans-Josef Fell. "Mas está a avançar de forma muito lenta. A África está muito atrasada. As necessidades básicas precisam ser lançadas muito mais rapidamente. Isso requer uma ação concentrada dos governos na cooperação para o desenvolvimento", disse Fell.

Mosaico de iniciativas

Apesar dos desafios, Hans-Josef Fell, presidente do Energy Watch Group, acredita que o "sonho verde" pode tornar-se realidade. Mas isso requer educação e formação da população, dinheiro para financiar medidas como a irrigação e combate à corrupção e ao terrorismo. "Porque [a violência] destrói massivamente as atividades da população", diz.

Janini Vivekananda acredita que, se os governos da África se concentrarem nessas etapas, uma nova maravilha do mundo poderá surgir nos próximos dez anos. 

"Em breve poderemos ter não uma parede contínua, mas um mosaico rico de diferentes iniciativas que contribuem para a subsistência e a segurança alimentar das pessoas. Se forem incluídosmulheres e jovens, a Grande Muralha Verde vai ser um sucesso até 2030", conclui.

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