Mais de uma centena de famílias que viviam próximo da lixeira do Hulene, em Maputo, onde se registou nesta segunda-feira (19.02) o aluimento de resíduos sólidos causando pelo menos 17 mortos e cinco feridos, já se encontram instaladas num centro de acomodação, mas os visados clamam por melhores condições.
O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGCN) anunciou esta quarta-feira (22.02) a jornalistas que está a considerar a abertura de um novo centro de acomodação.
Paulo Tomás porta-voz da instituição disse aos jornalistas que "dada a afluência do número de pessoas que estão a chegar a este centro criado aventa-se a possibilidade de criar um novo centro para o maior conforto destas famílias".
Famílias continuam a deixar a lixeira
Muitas famílias continuam a deixar as imediações da zona da lixeira do Hulene, numa altura em que a previsão meteorológica aponta para a continuação de chuvas que esteve na origem da tragédia.
Segundo Paulo Tomás para os próximos dias "ou seja até ao dia 28 de fevereiro a previsão meteorológica aponta para possíveis inundações urbanas para as cidades de Maputo, Matola e Beira e possível erosão ao nível da província de Maputo".
O Governo recomendou esta terça-feira (20.02) ao Conselho Municipal que encerre o quanto antes a lixeira do Hulene e que agilize a transferência para local seguro das famílias que vivem próximas daquele local.
Segundo a porta-voz do Governo Ana Comoana "este é um processo que já está a correr e está a decorrer com base em estudos feitos”.
A recomendação acontece numa altura em que várias vozes têm apelado através das redes sociais e nos debates radiofónicos e televisivos a abertura de um inquérito e a penalização dos responsáveis por aquela tragédia.
O Conselho Municipal escusa-se a comentar em relação as causas do incidente sublinhando que a prioridade neste momento é a de prestar assistência às vítimas da tragédia.
Campanha do candidato da FRELIMO David Simango (2013)
Entretanto, o Presidente do Município David Simango disse aos jornalistas que "não queria discutir se é negligência ou não negligência. Eu prefiro dizer que temos responsabilidade no que aconteceu e assumimos. Agora se é na amplitude ou de forma limitada, esse debate vamos deixar para depois".
Recorde-se que um aterro está projetado para Matlamele, na vizinha cidade da Matola, para receber o lixo depositado diariamente em Hulene e devia ter entrado em funcionamento há dois anos, mas continua por concluir.
Moradores bloqueiam acesso a Maputo
Ainda em Maputo, dezenas de residentes da zona do Chiango, nos arredores da cidade colocaram esta quarta-feira barricadas na estrada circular impedindo a movimentação de viaturas que pretendiam entrar e sair da capital através daquela via.
Eles protestavam contra o alagamento das suas casas alegadamente devido a concentração de águas drenadas a partir de um projeto denominado "Casa Jovem” e ainda da própria estrada circular. A situação voltou a normalidade após a intervenção da polícia sem o registo de incidentes.
A presente época chuvosa, que teve início a um de outubro último e prolonga-se até março, já provocou em todo o país 50 mortos, cerca de 130 mil pessoas afetadas e mais de 20 mil casas destruídas.
Destruiu ainda cerca de 700 salas de aula, 17 unidades sanitárias e quatro sistemas de abastecimento de água, entre outras infraestruturas.
Algumas populações encontram-se sitiadas, enquanto milhares de outras se encontram privadas do fornecimento de energia.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Resíduos sólidos sem tratamento adequado
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Este modelo de gestão do lixo traz consigo graves problemas de diversa ordem. Entre outros a possível poluição do ar, da terra e da água. A queima descontrolada dos resíduos também causa maus cheiros e problemas respiratórios na vizinhança.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Cidades cheias
Desde a independência, a urbanização em Moçambique tem sido rápida e desordenada. Em meados dos anos 1970, nem 10% da população residia em zonas urbanas. A guerra civil empurrou comunidades inteiras para os centros urbanos. Hoje, o número de citadinos é quatro vezes mais alto e em 2025, calcula-se, mais de metade dos moçambicanos viverá em zonas urbanas. Aumentam os problemas com o lixo.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Crescimento desordenado
Em Maputo, o custo de vida aumentou de tal forma que muitos se viram empurrados para a periferia e a cidade foi-se espalhando de forma desordenada. Tal como noutras zonas urbanas, o crescimento da capital não foi acompanhado por serviços públicos. Uma das áreas com graves deficiências é o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Invisíveis perante a lei
Mais de metade da população ativa de Moçambique trabalha no sector informal. Também em Hulene, a lixeira é, para muitos residentes do bairro, a única fonte de rendimento. Lá dentro, os catadores são tolerados, mas para lá dos muros, permanecem à margem da sociedade que os vê como gente falhada. Excluídos das políticas e estratégias nacionais, os catadores permanecem invisíveis aos olhos da lei.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Poucos avanços na separação do lixo
A Política Nacional do Ambiente, de 1995, define a gestão do ambiente urbano e a gestão de resíduos domésticos e hospitalares como prioridade de intervenção, visando melhorar o sistema de coleta, tratamento e deposição de lixo. Mas apesar de esta legislação ter sido adotada há quase vinte anos, poucos avanços se fizeram na separação do lixo.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Lugar de tudo
De tudo um pouco se procura, se reforma e se vende em Hulene: restos de comida, alimentos enlatados fora do prazo, retirados dos supermercados da cidade, objetos de ferro, alumínio, latão e estanho, fio de cobre de eletrodomésticos avariados, garrafas de vidro e plástico, madeira, cartão, papel, pedras, filtros de cigarro, mobília danificada, algodão, borracha, lixo hospitalar e informático.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Sem espaço para reciclagem
Em Moçambique, a reciclagem é feita de forma muito limitada, normalmente no âmbito de projetos ou iniciativas individuais. Um entrave à promoção da reciclagem no país prende-se com a escassez de indústrias que usem material reciclado e, consequentemente, a escassez de mercados para a sua compra. Muitos materiais têm de ser exportados, daí que este ainda não seja um negócio sustentável.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Recicla, Fertiliza e Amor
Apesar disso, há alguns projetos de reciclagem no país. Recicla, Fertiliza e Amor são alguns exemplos. O primeiro produz paletes de plástico para venda em fábricas locais de utensílios domésticos, o segundo faz adubo a partir de lixo orgânico e o último compra lixo reciclável em ecopontos na capital, Maputo.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Encerramento adiado
A última previsão de encerramento da lixeira marcava o ano de 2014 como prazo para transformar Hulene em espaço verde. Agora diz-se que a lixeira só será encerrada depois de construído um aterro sanitário que deverá ser partilhado tanto pela cidade de Maputo como pela vizinha Matola e custará aos dois municípios, ao Governo e a doadores mais de 20 milhões de dólares.
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Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
E o lixo aqui continuará
Até a lixeira de Hulene ser encerrada, o lixo continuará a acumular-se aos montes. Montes que, segundo o Conselho Municipal de Maputo, chegaram já a atingir os 15 metros de altura. Mesmo depois de fechada, a decomposição dos resíduos aqui depositados ao longo de tantas décadas irá levar muitos anos.
Autoria: Marta Barroso